Não é de hoje que sabemos a importância da expressão cultural para a afirmação e identidade dos povos e regiões ao redor do planeta. Mas, agora, as discussões em torno de cultura e desenvolvimento vêm ganhando novos ares, e ela aparece como um dos pilares da sustentabilidade, ao lado das dimensões econômica, social e ambiental.
É importante ressaltar que esta discussão impulsiona novas visões e o fortalecimento de iniciativas baseadas nas tradições populares, nos saberes regionais, na chamada economia criativa e na construção de políticas públicas que venham a fortalecer as comunidades e impulsionar ainda mais este desenvolvimento sustentável. A contribuição da cultura como mais um pilar da sustentabilidade vem para acrescentar e mostrar que ela pode se tornar um ativo econômico poderoso, como enfatiza a secretária da Economia Criativa do Ministério da Cultura, Cláudia Leitão.
Nesta entrevista, ela fala sobre a importância da cultura para o desenvolvimento sustentável a partir desta visão e mostra que os indicadores culturais vêm sendo discutidos pela Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) como instrumentos estratégicos de avaliação da qualidade de vida das populações do planeta.
Rede Mobilizadores – A discussão sobre a inclusão da cultura como o 4º pilar da sustentabilidade vem sendo amplamente debatida. O que isso representa e qual a importância da cultura nesta visão contemporânea de desenvolvimento?
R.: A Organização das Nações Unidas (ONU) ainda considera o desenvolvimento sustentável pelo prisma das três dimensões: Econômica, Social e Ambiental. O pilar econômico está associado à geração de renda; o social prevê a distribuição dessa renda, a promoção de políticas de igualdade; e o ambiental, que começou a ser discutido na segunda metade do século passado, diz respeito à preservação do planeta.
Pode-se dizer que a cultura está nos três pilares, mas ela é muito mais do que isso. Não se pode entender o desenvolvimento, hoje, da mesma forma como o entendíamos no século passado. O conceito de desenvolvimento, no século XXI, nos remete a um desenvolvimento que não é apenas econômico, ambiental e social. É também cultural, na medida em que coloca a pessoa no centro da sustentabilidade e diz que essa nova economia só será possível se mudarmos a forma como nos relacionamos com o planeta e entre nós.
Nenhum projeto de desenvolvimento pode estar dissociado dos conhecimentos ancestrais do ser humano, das suas tradições, dos seus saberes e fazeres, do seu sentido de pertencimento a uma comunidade, e, especialmente, do seu senso crítico e da sua capacidade criativa. É isso que o quarto pilar – o Cultural – vem agregar ao conceito de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. A cultura dá sentido à existência e torna a pessoa consciente do seu papel no mundo. Se nós dizemos que a cultura é um eixo do desenvolvimento, podemos dizer, também, que as pessoas podem viver das suas atividades culturais e serem felizes fazendo isso. E, nesse sentido, a diversidade cultural se torna um ativo econômico poderoso.
Rede Mobilizadores – Tal inserção pode fomentar e fortalecer políticas públicas voltadas à Cultura? De que forma?
R.: Essa discussão impulsiona outras visões. Se observarmos o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) nos últimos anos, especialmente a partir do governo Lula, veremos que a Cultura vem tomando uma institucionalidade maior, e que novos setores vão sendo incluídos no escopo de atuação do Ministério da Cultura. Vejamos, por exemplo, a Moda – importante segmento da cultura de um povo -, ela não existia como um setorial do CNPC há menos de dez anos, assim como a cultura digital. Também o Artesanato, o Design e a Arquitetura passam a ser objeto das políticas públicas do MinC. Essas quatro áreas – Moda, Artesanato, Design e Arquitetura – estão sob a coordenação da Secretaria da Economia Criativa no CNPC.
Penso que novas áreas ganharão autonomia e buscarão um lugar específico no Conselho. A Gastronomia, por exemplo, não pode se limitar a estar contida dentro da área do Patrimônio Imaterial. Ela certamente ganhará existência própria. Basta observar o crescente interesse do país na Gastronomia, agora compreendida de forma mais enfática como expressão fundamental da nossa diversidade cultural.
Rede Mobilizadores – Os indicadores sociais e ambientais podem ganhar novas análises, caso a cultura seja fortalecida? Ou seja, fortalecer a cultura significa também investir em ações de desenvolvimento social e ambiental? O que isto representa para as comunidades, em especial de baixa renda?
R.: Os indicadores culturais vêm sendo discutidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como instrumentos estratégicos de avaliação da qualidade de vida das populações do planeta. Isso significa que não basta a um país ver o aumento do seu Produto Interno Bruto (PIB). É necessário ampliar os indicadores tradicionais para que se possa aferir, no desenvolvimento humano, não somente os aspectos quantitativos, mas também os qualitativos.
Alguns países começam a falar não apenas na riqueza do PIB, mas também na produzida pela FIB (Felicidade Interna). Se pensarmos nas comunidades brasileiras, especialmente nas de baixa renda, necessitamos cada vez mais analisar e criticar nosso modelo de desenvolvimento. Afinal, o que é desenvolvimento para uma comunidade de artesãos na Ilha do Marajó? O que significa riqueza para um mestre do Reisado do Cariri cearense?
Rede Mobilizadores – Como desenvolver políticas culturais que respeitem e valorizem a diversidade cultural, o pluralismo e a defesa do patrimônio natural?
R.: Quero me ater à área de atuação da Secretaria da Economia Criativa, setor que coordeno no Ministério da Cultura. A Economia Criativa é uma economia voltada para o simbólico, para o intangível. É um segmento que vai do circo ao software, aos games, aos jogos eletrônicos. Acima de tudo, é uma economia dos pequenos, que é quase que inteiramente tocada de forma invisível pelo micro e pequeno empreendedor criativo. Uma economia subterrânea que não conseguimos medir. Estamos pautando nossa atuação em duas frentes: uma voltada ao fomento às iniciativas criativas empreendedoras e inovadoras; outra dirigida à pesquisa e à adequação dos marcos legais.
Agora em maio, lançaremos no Rio de Janeiro, em parceria com o Governo do Estado, o primeiro Criativa Birô do Brasil. Um centro, uma espécie de escritório que oferecerá suporte multidisciplinar ao micro e pequeno empreendedor criativo. Entre outros benefícios, o artista ou empreendedor criativo vai dispor de consultoria técnica e jurídica, além de oportunidade de capacitação profissional. O Criativa Birô é um projeto desenvolvido pelo Ministério da Cultura, por meio da nossa secretaria, e é implementado em parceria com outros atores. Firmamos convênio com governos estaduais e parceiros como o Sebrae, demais entidades do Sistema S (Senac, Sesc) e universidades públicas. Além do Rio, já foram firmados convênios com mais 11 estados e o Distrito Federal. São o Acre, Bahia, Ceará, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Pará e Paraná. E estamos fechando o convênio com São Paulo e Amazonas. Também estamos articulando nas agências oficiais de fomento, como Caixa Econômica e Banco do Brasil, a oferta de linhas de créditos específicas aos empreendedores criativos. Com a Caixa, por exemplo, estamos avançando na proposta de uma linha de crédito para os artesãos.
Na área da pesquisa, estamos trabalhando junto com o IBGE para que, até o final de 2014, possamos ter a Conta Satélite da Cultura, que vai identificar e mensurar a contribuição da Cultura para a formação do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), sistematizando informações sobre atividades econômicas relacionadas aos bens e serviços culturais, com dados sobre geração de emprego, investimentos e consumo. Com isso, o Brasil poderá saber quanto efetivamente a cultura contribui para a formação da sua riqueza.
Rede Mobilizadores – Existe uma cultura de massa que sufoca as culturas locais? O que os municípios podem fazer para reafirmar e resgatar sua diversidade cultural?
R.: As indústrias culturais nos moldes do século XX, assim como a grande indústria da comunicação (como é o caso das TVs), são exemplos de indústrias que, ao produzirem em série para grandes massas de consumidores, não permitem o protagonismo local, causando graves prejuízos à diversidade cultural. A lei que estabelece um percentual de programação nacional para as TVs fechadas é um bom exemplo do papel que o Estado pode exercer, e já começa a produzir resultados.
Pequenas produtoras independentes estão crescendo e produzindo conteúdos brasileiros para que o Brasil possa se ver na TV. Não se trata de "demonizar" o mercado, mas, sim, de formular políticas públicas que permitam aos brasileiros e brasileiras o usufruto de uma verdadeira cidadania cultural. Afinal, além da indústria, nossa missão é fomentar os micro e pequenos empreendedores culturais e criativos brasileiros, permitindo, de forma estruturante, que a cultura contribua, juntamente com outras políticas públicas, para o desenvolvimento local e regional. Por isso, nosso olhar e nossa formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas é para o pequeno empreendedor criativo e não para a grande indústria.
Rede Mobilizadores – O acesso à cultura é um direito de todos. O que os cidadãos podem fazer para assegurar esse direito?
R.: Lutar para fazer valer seus direitos, buscar se informar, participar. Não basta só criticar. É preciso agir. E fiscalizar!
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Entrevista para o Eixo Participação, Direitos e Cidadania
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Renata Olivieri
Eu acredito que o cultural e um dos principais fatores relacionado ao desenvolvimento sustentável , mas esta dentro do pilar social que envolve cultura e outros fatores mais.