Itamarcos Coutinho Pitomba é integrante do Movimento Vida Nova Vila Velha – Movive (www.movive.org.br), que tem, entre outros parceiros, o COEP Espírito Santo. Nesta entrevista, ele conta como as iniciativas de economia solidária e, especialmente, a implantação do banco comunitário Terra, em Vila Velha, no Espírito Santo, têm contribuído para que a comunidade assuma o controle dos processos de desenvolvimento e geração de renda. Aborda ainda o modo de funcionamento do banco e os desafios a serem enfrentados.
Mobilizadores COEP – O que é o Projeto Movive? Quais são seus objetivos?
R. O Movimento Vida Nova Vila Velha – Movive foi se constituindo ao longo de 1997, quando alguns moradores se uniram para imaginar um futuro melhor para a cidade e dar sua contribuição como cidadãos, visando um plano de trabalho que favorecesse o desenvolvimento de Vila Velha, respeitando o meio ambiente e compatibilizando progresso com qualidade de vida. Após muitas discussões, decidiu-se criar esse Movimento, lançado oficialmente em 25 de novembro de 1997, em Vila Velha, durante um evento com público superior a 300 pessoas, no qual foram expostas a filosofia de trabalho e a metodologia a ser adotada. O Movive tem como missão ?contribuir para melhoria da qualidade de vida e prática da cidadania de toda a população?. Para atingir tal meta, articulamos parcerias com governo, empresas privadas e públicas e entidades da sociedade civil.
Mobilizadores COEP – Que estratégias são utilizadas pelo Movive para a consolidação da Economia Solidária em Vila Velha?
R. Por atuar em rede, o Movive tem uma capilaridade muito grande no âmbito municipal, estadual e federal e tem conseguido representatividade nestas três instâncias governamentais através de suas ações. Em nível municipal, deu origem à Rede Vilavelhense de Economia Solidária; na esfera estadual constituiu a Rede Capixaba de Consumo Responsável e participa do fórum estadual de Economia Solidária e do Conselho Estadual de Economia Solidária; e, na área federal estamos contribuindo com a Rede Brasileira de Bancos Comunitários e o Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
Mobilizadores COEP – Como é desenvolvida a metodologia de trabalho em rede adotada pelo Movimento? Como as informações e as idéias são compartilhadas pelos participantes?
R. O Movive atua como agente indutor do Desenvolvimento Local nas Regionais de Vila Velha, com ações norteadas pelas potencialidades e necessidades locais, levando-se em conta as capacidades de crescimento e desenvolvimento sócio-econômico e ambiental, face às possibilidades de novos mercados em expansão no estado e principalmente no nosso município. O Movive pretendia, com a proposta de Visão Estratégica para Vila Velha, contribuir para a inserção deste município no rol das cidades que dão certo, ou seja, uma cidade habitável, ?investível? e ?visitável?. Foi desenvolvido um planejamento estratégico ? foi um dos primeiros casos no Brasil no qual o planejamento estratégico de uma cidade partiu da vontade dos munícipes -, integrando o setor governamental e o privado. O planejamento foi concebido em três etapas: diagnóstico da situação atual de Vila Velha; cenário desejável para Vila Velha; e projetos propostos para se atingir o cenário desejável.Para se chegar ao diagnóstico, o trabalho foi dividido entre 11 equipes temáticas, com os melhores especialistas e voluntários, que explicitaram os pontos fortes e fracos de Vila Velha, bem como apresentaram oportunidades de melhoria que permitiram desenhar os cenários e projetos para a transformação da cidade. Nesse trabalho, mais de 400 pessoas participaram da análise dos temas, em cerca de 100 reuniões. Para a organização dos trabalhos foi definida uma Equipe de Sistematização, condutora e facilitadora, e a criação de 11 Grupos Temáticos (Desenvolvimento Econômico, Dinamismo Urbano e Habitação, Segurança, Meio Ambiente, Transporte e Trânsito, Esporte, Educação, Saúde, Ação Social e Cidadania, Turismo e Cultura). Ressalta-se que todos os colaboradores foram voluntários e se buscou formar as equipes com os melhores talentos, aqueles realmente conhecedores de cada tema.
Mobilizadores COEP – Em novembro de 2007, vocês comemoraram o 2º aniversário do Banco Terra. Como surgiu essa empreendimento?
R. O Banco Terra surgiu através do Fórum de Desenvolvimento Comunitário Grupo de Gestores Locais da Região 5 ? GG5, que é um fórum localizado em um das regiões mais socialmente vulneráveis do município de Vila Velha, contando com aproximadamente 89 mil habitantes e 29 bairros. O GG5 vem realizando, desde 2003, intervenções sociais voltadas para o desenvolvimento local e sustentável em várias áreas, como comunicação comunitária, entretenimento e lazer, educação e geração de renda. As atividades de geração de renda deram origem a esse banco. O GG5 e seus parceiros colaboravam com os empreendedores populares ministrando cursos de gestão e em suas áreas de atuação, porém os empreendedores enfrentavam o problema de alcançar autonomia financeira para que pudessem alavancar seus negócios. Conhecendo a experiência do Banco Palmas do Ceará, vimos uma possibilidade de atingir nossos objetivos através da implantação de um banco comunitário, porque ele garantiria uma coisa que, para nós, é fundamental: que o controle de todo processo fosse dos participantes da comunidade, nunca do técnico e/ou de outro agente externo. Assim nasceu o Banco Terra, e, após dois anos de atividade e resultados satisfatórios, o nosso município já se prepara para lançar seu segundo banco comunitário que se chamará Banco Verde Vida.
Mobilizadores COEP – Quais são as ações desenvolvidas pelo Banco Terra?
R. O Banco possui dois produtos principais: crédito para produção (empréstimos de até mil reais divididos em até 10 meses com 0,5% de juros) e crédito para consumo (empréstimos de até 50 terras – nossa moeda- que equivalem a 50 reais; este crédito só é liberado em moeda Terra, o que assegura à comunidade uma maior apropriação da riqueza que gera). A gestão de todo o processo não é difícil, porém, para uma comunidade que pouco tem a oportunidade de ser dona de alguma coisa, quanto mais de um banco e gerenciar todos os seus controles, é desafiador por demais. Aprendemos a cada dia e, por vezes, erramos numa coisa ou outra, mas nada que coloque em risco o bom funcionamento do banco.
Mobilizadores COEP – Que critérios o Banco Terra adota para a concessão dos créditos e quais os principais tipos de empreendimentos atendidos pelo Banco? De que forma os empréstimos beneficiam cada empreendimento e quais as principais dificuldades encontradas?
R. Os critérios para a participação das comunidades são: ser entidade participante do Grupo de Gestores há, no mínimo, seis meses; ter assiduidade nas reuniões do Grupo de Gestores; estar filiado a conselhos e/ou outra entidade representativa. Já os critérios para os que se candidatam ao empréstimo são: ser morador da região; participar assiduamente das reuniões do Grupo de Gestores; ser empreendimento da Economia Solidária ou ter intenção de ser; ser uma proposta economicamente viável. Os principais tipos de empreendimentos estão na área de comércio e serviços, com destaques para mercearias e salões de beleza, respectivamente. Os empreendimentos são beneficiados pelos empréstimos, principalmente, para compra de novos equipamentos e insumos. Nossos maiores desafios são a participação social, o custeio dos recursos humanos e o aumento do capital solidário.
Mobilizadores COEP – Em alguns lugares, a moeda social tem servido como um instrumento pedagógico de discussão. Vocês realizam grupos de estudos sobre os temas que vivenciam no cotidiano sob a perspectiva da Economia Solidária?
R. Sim, isto se dá no que chamamos de Escola de Sócioeconomia Solidária. Não é uma escola que segue os padrões tradicionais; são encontros em nossas confraternizações comunitárias (uma vez por mês), nas Feiras locais de Economia Solidária (a cada 15 dias) e nas visitas regulares dos parceiros-tomadores de crédito. Geralmente, um multiplicador da própria comunidade vai até estes locais e debate o dia-a-dia da família e como esta pode atuar, na prática, em favor da Economia Solidária. Como apoio a esse trabalho, contamos, ainda, com um grupo de seis jovens (empreendimento Terrazine) que apresentam filmes seguidos de debate, editam um informativo comunitário e dão aulas de informática e cidadania, nas quais a temática Economia Solidária também é abordada. Realizamos sistematicamente a discussão do papel da moeda, seja para o consumo, produção e como elemento catalisador do desenvolvimento local, e da Economia Solidária. São muitos os espaços de formação que temos: nas plenárias do GG5, nas visitas domiciliares, dentro da Escola de Informática e Cidadania e principalmente nas campanhas de mobilização social.
Mobilizadores COEP – Sabemos que um dos grandes desafios enfrentados pelo Banco Palmas foi o de criar um programa de crédito para a população desfavorecida. Gostaríamos de saber como vocês superaram ou pretendem superar essa dificuldade e de que modo a população de Vila Velha tem acesso ao microcrédito?
R. Na verdade, demos um passo muito ousado ao levar crédito aos mais vulneráveis. Superar as dificuldades é uma outra história. Vejamos alguns dados de 2005 até hoje: 980 pessoas tiveram acesso aos produtos do Banco Terra; a população estimada da região em que atuamos é de 88 mil habitantes. Considerando que 92% recebem entre 1 e 3 salários mínimos (sendo potenciais parceiros do banco), disponibilizamos crédito para pouco mais de 1%, o que para nós é fabuloso, mas ainda muito pouco para dizermos que estamos superando tal desafio.
Mobilizadores COEP – Qual sua avaliação sobre o impacto deste trabalho para essa população? Podemos falar da inserção em novos espaços de trabalho que garantam o melhor sustento da família e aumento da capacidade profissional?
R. Minha avaliação é muito positiva devido a alguns fatores: agora a comunidade é quem constrói suas soluções; debate coletivamente seus desafios e implementa os projetos necessários; se articula com os vários atores da comunidade (empresas, governos e sociedade civil) na consecução de seus objetivos; e consegue se apropriar dos resultados de uma forma mais tangível. Acreditamos que a continuidade do processo irá posicionar estas famílias num degrau acima rumo à sustentabilidade e, quanto mais pudermos contribuir para aumentar as conexões entre as famílias, maiores serão os resultados para nossa sociedade. Esta é uma das maneiras que temos de maximizar os poucos recursos financeiros que temos. Há muitas outras sendo desenvolvidas silenciosamente neste país tão imenso e, em um dado momento, serão tantas que nos encontraremos e fecharemos este círculo virtuoso do desenvolvimento, nos tornando ainda mais fortes. O encontro será sinal de que conseguimos, finalmente, orquestrar toda nossa organização produtiva e social a favor do ser humano, que é a proposta da Economia Solidária.Entrevista concedida a: Herculis TolêdoEdição: Danielle Bittencourt e Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Hoje devemos se organizar em grupos. Pois o pouco que se junta chegaremos a um valor maior. A união faz a força e através da cooperação é que conseguiremos uma força m aior. Parabéns. Que esse modelo sirva de exemplo para todos.
Acredito que essa seja a solução para o desenvolvimentod e muitas regiões do país, pois respeita a cultura local e promove o desenvolvimento endógeno da região de modo que os participantes sejam os atores principais de todo o processo.
Companheiros, Bom dia, aqui em Manaus estamos começando a criar uma rede do eco turismo solidário,são quatro comunidades, Vila da Felicidade, Comunidade do Catalão, Xiborema e a Comuniodade do POraquequara. as instituições de apoio: Universidade Federal do Amazonas- UFAM, Brasil Local, ligado a SENAES. a respeito do meu comentário voces estão no caminho certo, a Economia solidaria é a saida, gerar trabalho e renda para os trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho.
Domício Mateus Gamenha
Gostei da forma de desenvolvimento do projeto, acredito que outras localidades deviram copiar essa ideia. Porém como nem tudo é perfeito, devo concordar com a obsevação do colega Antonio Pedro Alves quanto as taxas de juros cobrada, essa é uma questão que deve ser discutida e analisada pelos grupos envolvidos.
Concordo plenamente com a forma aplicada na comunidade de Vila Velha objetivando o desenvolvimento socioeconomica da comunidade local. Ressalto que achei muito baixo o numero de pessoas que tiveram acesso ao crédito, entendo que tenha ocorrido em função da taxa de juros cobrados que é de 5% a.m. Taixa muito alta para incentivo aos usuários dos mesmos, pois em uma população de 88 mil, apenas 980 pessoas se submeteram ao crédito, algo não estar muito convicente, pois já fazem tres anos, se tivessem atendido as espectativas realmente, seria em torne de 10% o numero de participante, até porque o valor inicial é bastante baixo.
Precisa rever as taxas de juros, não esquecer que a poupança é pouco mais de meio %.
Sugestão sejam avaliado as possibilidades da taxa ficar em 100% do valor pago na taxa da poupança, o que significa dizer que o banco terra passará a financiar ideias com juros abaixo de 1,5% a.m. ou pouco menos de 18% a.a.