Transformar lixo em energia elétrica. Esta é a proposta do Projeto Usinaverde, que trabalha com a incineração de lixo urbano e sua transformação em energia elétrica. Instalada no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Usinaverde é a primeira para tratamento térmico do lixo do país e é capaz de processar 30 toneladas de lixo, por dia, com uma geração de energia que seria suficiente para atender 20 mil habitantes. Mas esta é a escala piloto, já que o módulo industrial pode atingir 150 t/d, atendendo a uma cidade de médio porte, com uma população de 200 mil habitantes.
Para o pesquisador Luciano Basto Oliveira, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), da Coppe/UFRJ,data:text/mce-internal, que trabalha no desenvolvimento da tecnologia, usar o lixo para gerar energia não é apenas uma solução econômica. Trata-se de uma proposta que traz benefícios sociais e ambientais. Pode gerar empregos e contribuir para minimizar problemas de saneamento e saúde pública. Na entrevista, ele explica melhor como a usina funciona na prática e quais suas vantagens para o meio ambiente e para as cidades.
Rede Mobilizadores – A geração de energia é uma solução para o problema do lixo, especialmente nas grandes cidades?
R.: Sim. O aproveitamento energético [do lixo] é interessante por conta da demanda: qualquer quantidade de eletricidade, energia térmica ou combustível é facilmente absorvida e pode obter contrato de longo prazo. Por outro lado, a busca pela modicidade tarifária [tarifa acessível para todos os cidadãos] é uma significativa restrição à viabilização deste tipo de aplicação.
Rede Mobilizadores – Como se dá a transformação do lixo em energia elétrica? É um processo complexo?
R.: Há, basicamente, duas alternativas: a queima direta ou incineração, que é utilizada para produzir vapor e este movimenta uma turbina acoplada a um gerador; e a produção de combustível para fazer grupos motogeradores funcionarem.
Rede Mobilizadores – A transformação do lixo em energia é economicamente viável?
R.: Desde que identificado o consumidor, sim. Para geração de eletricidade na base, a proveniente do lixo é cara para os leilões do setor elétrico*1, mas é barata para consumidores finais – sobretudo se comercializada a energia térmica. Para a geração no horário de ponta, é competitiva perante o óleo diesel – mas requer produção de combustível, que deve ser armazenado para utilização nos geradores com kit flex, similar ao que pode ser utilizado por veículos.
Rede Mobilizadores – A transformação do lixo em energia envolve a incineração de resíduos? Essa é uma alternativa ambientalmente segura? Por quê?
R.: É uma das alternativas, sim. A questão é delicada: devemos considerar que é inevitável a emissão de substâncias cancerígenas neste processo, mas também que existem 600 usinas termelétricas utilizando esta tecnologia nos países do chamado “Primeiro Mundo” e não há notícias de problemas de saúde da população, ao menos até agora. Os limites de emissão estabelecidos nos EUA fizeram com que o total fosse reduzido drasticamente, de quase 14 mil toneladas de toxicidade equivalente por ano para menos de 1.100 t/a, sendo que a incineração de resíduos caiu de 63,5% para 1,1% (EPA, 2003).
Além disso, o aproveitamento de resíduos como combustível reduz o material depositado em aterros sanitários, cuja decomposição produz metano, um gás 21 vezes mais prejudicial à atmosfera que o próprio dióxido de carbono (CO2), considerado o vilão do efeito estufa.
Rede Mobilizadores- O que é o Projeto Usinaverde? Qual é seu objetivo?
R.: Desenvolvimento de tecnologia nacional para incineração de resíduos com aproveitamento energético. Visa reduzir investimento e custo operacional para tornar esta alternativa tecnológica viável para as condições brasileiras.
Rede Mobilizadores- Como este projeto funciona na prática? Quais resíduos podem ser aproveitados? Qual é a capacidade da usina atualmente?
R.: Os resíduos – urbanos ou alguns industriais com características combustíveis – são entregues na usina, que dispõe de sistema de pesagem, revolvimento do material com abertura dos sacos, triagem dos recicláveis, encaminhamento para um forno, combustão a 850°C, pós combustão por, no mínimo, 2 segundos, recuperação do calor para produção de vapor destinado a turbina conectada a gerador elétrico. A capacidade de processamento da unidade existente no Centro de Tecnologia (CT/UFRJ) é de 30 t/d de lixo, com capacidade instalada de geração de 440 kW. Mas esta é a escala piloto, já que o módulo industrial atinge 150 t/d.
Rede Mobilizadores- Quais são os benefícios deste projeto, além, é claro, da redução de resíduos que seriam descartados na natureza?
R.: Um dos principais benefícios é a oferta de energia elétrica local, o que tende a aumentar a segurança do sistema, dado o aumento na qualidade na rede, reduzindo o risco de apagões.
Rede Mobilizadores- Este é um projeto piloto ou existem outros semelhantes já implantados pelo mundo?
R.: Existem mais de 600 usinas de geração elétrica com lixo via incineração. A novidade da Usinaverde é ser mais barata que as concorrentes, em parte por conta das tecnologias desenvolvidas, mas também pela identificação de fornecedores aptos e que praticam preços competitivos.
Rede Mobilizadores- Quem pode implantar uma usina deste tipo no Brasil? Como esta tecnologia será repassada? Os custos para implantação são viáveis?
R.: Municípios, ou consórcios municipais, indústrias – sozinhas ou com outras, ou mesmo com o poder público –, setor comercial. Os requisitos são: ter quantidade de lixo suficiente para um módulo típico, superior a 150 t/d – o que equivale a 200 mil habitantes –, preferencialmente demanda elétrica e recursos financeiros, ou aceitar a tomada de recursos em um banco de fomento.
Rede Mobilizadores- Qual é o papel dos cidadãos no aproveitamento de resíduos? O que acha que deve ser feito para sensibilizar a população nesse sentido?
R.: A separação do lixo seco do úmido, no local de produção, é importantíssima, pois o maior conteúdo energético do lixo está nas embalagens a serem recicladas.
Acho que devem ser feitas campanhas educativas, contando com merchandising socioambiental nas telenovelas, alertando para a corresponsabilidade e ajudando os cidadãos a promover a coleta seletiva.
Rede Mobilizadores- Qual a importância deste projeto para o meio ambiente e também para as cidades?
R.: A importância é vital, pois a Política Nacional de Resíduos Sólidos exigirá, a partir de agosto de 2014, que somente rejeitos sejam depositados em aterros, mesmo assim sanitários. E os resíduos deverão ser reciclados, sendo o aproveitamento energético uma das alternativas tecnológicas em voga.
*1 Leilão de energia elétrica – é uma concorrência promovida pelo poder público com vistas a se obter energia elétrica em um prazo futuro (pré-determinado nos termos de um edital), seja pela construção de novas usinas de geração elétrica, linhas de transmissão até os centros consumidores ou mesmo a energia que é gerada em usinas em funcionamento e com seus investimentos já pagos, conhecida no setor como “energia velha”.
Entrevista para o Eixo Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidade
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo
O que é feito com o rejeito? Em quanto tempo o município ou os municípios começarão ter o retorno do investimento?