Ele ficou conhecido através do documentário ?Lixo Extraordinário?, do artista plástico Vik Muniz e idealizador do projeto que revelou ao mundo a vida e o trabalho dos catadores de material reciclado do Aterro de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), o maior aterro sanitário da América Latina.
O documentário percorreu o mundo e ajudou Sebastião Carlos dos Santos, mais conhecido como Tião Santos, a divulgar o trabalho sofrido dos catadores de lixo e a ter o reconhecimento da sociedade para este trabalho.
Hoje, presidente da Associação de Catadores de Material Reciclável Jardim Gramacho, a luta de Tião é por condições mais dignas de trabalho e pela inclusão dos catadores na implementação da coleta seletiva e da logística reversa, previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos. ?Assim, cada resíduo pode ter seu destino correto e o catador trabalhar de forma adequada, sem sofrer discriminação.? Confira a entrevista.
Mobilizadores Coep – Quando começou a trabalhar como catador no aterro de Jardim Gramacho? Por que isso aconteceu?
R.: Desde pequeno estou neste trabalho, para ser mais exato desde os 11 anos. Sou de uma família de catadores. Minha mãe, dona Geruza, por 25 anos sustentou, a mim e a meus sete irmãos, trabalhando no aterro do Jardim Gramacho, enquanto meu pai Carlos, já falecido, era estivador e sindicalista no Cais do Porto. Mas mesmo nos momentos em que não estive na atividade, sempre me solidarizei com a categoria.
Mobilizadores Coep – Quantas pessoas trabalham atualmente no aterro e como foi criada a Associação de Catadores?
R.: Atualmente, existem cerca de 2.500 catadores trabalhando no Aterro Controlado*1 do Jardim Gramacho, conhecido como o maior aterro sanitário da América Latina.
Aos 18 anos, comecei trabalhando numa cooperativa de catadores de Gramacho e abandonei a escola, estava no segundo ano do Ensino Médio. Neste trabalho, eu separava resíduos nas esteiras, uma etapa mais mecanizada, pois eu não tinha ?talento? para catar lixo nas ?rampas? (como os catadores se referem às montanhas de lixo).
Assim, fui me tornando uma liderança na cooperativa e, quando foi anunciado o fechamento do aterro, em meados de 2000, decidi conhecer os direitos dos catadores e passei a participar de encontros nacionais. Em 2004, eu e mais alguns colegas fundamos a Associação. Assim me tornei presidente da Associação de Catadores de Material Reciclável de Jardim Gramacho.
Mobilizadores Coep – Como você se tornou personagem do documentário de Vik Muniz ? ?Lixo Extraordinário??
R.: Justamente porque a ideia do documentário era também de mostrar que o aterro controlado guardava a história de muitas vidas. Vik estava disposto a fazer um trabalho social e artístico em Gramacho e escolheu sete catadores. E veja como o universo conspira a nosso favor!
Cinco anos antes, a gente queria fazer um documentário que contasse a história dos catadores. Então, eu e meus amigos Zumbi e Gordinho pegamos uma câmera e filmamos, de forma bem artesanal. Colocamos esse vídeo de cinco minutos no Youtube. Foi aí que Vik acessou o filme, soube de nossas condições e começou tudo. Com o trabalho dele, conseguimos contar o que a gente queria de nossa realidade.
Mobilizadores Coep – Depois do documentário, que teve repercussão no mundo inteiro, o Jardim Gramacho ficou conhecido e todos puderem acompanhar de perto o trabalho dos catadores. O que mudou depois disso com relação ao trabalho de vocês?
R.: Hoje, somos vistos como trabalhadores, somos reconhecidos por aquilo que fazemos. Os prêmios em dinheiro recebidos pelo documentário foram doados à Associação e nos ajudaram a comprar uma sede, que antes funcionava na minha própria casa. Todos nós que participamos do documentário recebemos R$ 10 mil e esse dinheiro ajudou na compra da minha casa, em Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, onde moro com a minha esposa e minha filha.
Mobilizadores Coep – Você hoje representa uma categoria e é reconhecido nacionalmente por isso. Como se sente neste papel? Quais seus principais objetivos?
R.: Acredito que a gente deve ter responsabilidade e humildade, acima de tudo. Hoje, transito nos extremos, por isso, preciso saber qual é o meu papel, de onde eu sou, quem sou e para quem é que tenho de reverter tudo isso. Desde pequeno, comecei a ter noção disso tudo. Teve vezes em que pensei em abandonar tudo, mas o conceito ético me chamou de volta para esse caminho.
Meu maior objetivo é que aconteça a inclusão dos catadores na implementação da coleta seletiva e da logística reversa*2, previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Assim, cada resíduo pode ter seu destino correto e o catador trabalhar de forma adequada, sem sofrer discriminação. Dentro de um lixão ou aterro controlado, a gente sofre todo o tipo de mazela de saúde, social, com risco constante de acidente e de ser mutilado ou morto. Meu amigo de infância Zumbi sofreu um dos piores acidentes que eu presenciei em minha vida: foi arrastado por uma corrente, quebrou vários ossos, mas sobreviveu. Hoje, tem várias platinas no corpo e é uma pessoa importante no nosso grupo, responsável pela nossa biblioteca. Chegou a encontrar aproximadamente 500 livros no lixo, que juntou para criar esse espaço, fora o que a gente recebeu de doação após o documentário.
Mobilizadores Coep – A profissão de catador de material reciclável já é reconhecida atualmente? O que falta para que vocês conquistem espaço?
R.: A profissão foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho em 2002, no entanto, não existe um salário definido para os catadores de materiais recicláveis. Recebemos o valor do material que a gente vende, de acordo com os preços de mercado.
Falta o reconhecimento de nossa categoria e a gente espera que a Política Nacional de Resíduos Sólidos*3 venha regulamentar de forma mais clara a nossa função, não só na lei, mas também na prática.
Mobilizadores Coep – A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) prevê a inclusão dos catadores na implementação da coleta seletiva e da logística reversa. Quais são suas expectativas quanto à implementação desta política?
R.: Quando participei de uma reunião ministerial, em que representei os catadores e se discutiu o que teria de ser regulamentado dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos, eu pensei na importância do que estava acontecendo, que eu estava ajudando a decidir sobre praticamente o futuro da vida de um milhão de pessoas. Senti o peso de minha responsabilidade e percebi que tinha de fazer o meu melhor e, mesmo assim, ainda teria falhas para trazer os anseios e as necessidades da categoria, para que todos sejam atendidos. Como falei anteriormente, espero que com a implementação da coleta seletiva e da logística reversa, o trabalho dos catadores seja reconhecido.
Mobilizadores Coep – O que acredita que os cidadãos comuns podem fazer para que as condições de trabalho dos catadores melhore?
R.: Separar adequadamente os materiais que podem ser reciclados daqueles chamados de´lixo orgânico? já é um grande passo.
Mobilizadores Coep – Em 2012, o aterro Jardim Gramacho deverá ser desativado. Qual será o destino dos catadores depois disso?
R.: Os governos municipal e estadual já anunciaram projetos para a formação de centros de referência em reciclagem, além de parcerias com a iniciativa privada para a capacitação dos catadores. A ideia é transformar o aterro e colocar em prática um projeto de reurbanização da área. Minha luta é para transformar esta área num grande polo de reciclagem, que seja capaz de garantir o sustento de todos os catadores que aqui trabalham.
Mobilizadores Coep – Você foi convidado para participar do Limpa Brasil*4? Qual o seu papel nesse movimento?
R.: Meu papel é o de organizar e mobilizar as cooperativas para que todo material potencialmente reciclável tenha esse fim. Meu segundo papel é ensinar como se faz coleta seletiva e separação de lixo, durante as mobilizações com a participação da sociedade.
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*1 ? Aterro Controlado: A diferença básica entre um aterro sanitário e um aterro controlado é que este último prescinde da coleta e tratamento do chorume, assim como da drenagem e queima do biogás. No mais, o aterro controlado deve ser construído e operado exatamente como um aterro sanitário. Normalmente, um aterro controlado é utilizado para cidades que coletem até 50 toneladas/dia de resíduos urbanos.
*2 ? Logística reversa: Logística reversa é quando fabricantes se preocupam com o destino de um produto ao final de sua vida útil. A preocupação é fazer com que o material a ser descartado, sem condições de ser reutilizado, retorne ao seu ciclo produtivo, ou para o de outra indústria como insumo, evitando uma nova busca por recursos na natureza e permitindo um descarte ambientalmente correto.
*3 ? Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS): Sancionada em 2010, a PNRS é um marco regulatório na área de Resíduos Sólidos. A lei faz a distinção entre resíduo (lixo que pode ser reaproveitado ou reciclado) e rejeito (o que não é passível de reaproveitamento), além de se referir a todo tipo de resíduo: doméstico, industrial, da construção civil, eletroeletrônico, lâmpadas de vapores mercuriais, agrosilvopastoril, da área de saúde e perigosos; e institui a logística reversa. A Lei também dispõe da responsabilidade sobre os resíduos, que passa a ser de toda a sociedade: governos, empresas e cidadãos.
*4 ? ?Movimento Limpa Brasil ? Let?s do it?: O movimento é uma iniciativa da sociedade civil com intuito de convocar as pessoas das maiores cidades brasileiras a participar do mais amplo movimento de limpeza de ruas e bairros dessas cidades. Em 2011, sete das maiores cidades do país receberam o movimento, com o intuito de envolver toda a sociedade brasileira em uma mudança de atitude em relação ao lixo.
Confira a entrevista sobre o tema, clicando aqui.
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Entrevista para o Grupo Fortalecimento Comunitário
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.