Nessa entrevista, Diogo Moyses Rodrigues, do Coletivo Intervozes ? associação civil que, desde 2003, luta pela garantia ao direito à comunicação ? nos fala a respeito do que é preciso para efetivar esse direito no Brasil, abordando a importância da TV Brasil nesse contexto, bem como o cenário do país com a transição do sistema analógico para o digital.Mobilizadores COEP ? O que é preciso para efetivar o direito à comunicação no Brasil?R.: O primeiro passo para efetivar e garantir o direito à comunicação no país é reconhecê-lo como um direito humano fundamental, assim como o direito à saúde, à educação, ao trabalho entre tantos outros direitos que têm sido reconhecidos nos últimos séculos, em especial no século XX. É preciso que sejam implementadas políticas públicas que garantam que todos os cidadãos deixem de ser simples receptores passivos de informações e produtos culturais e passem a participar de forma ativa da produção e circulação da informação no país. Acho que a grande questão quando se fala em direito à comunicação é justamente essa: o direito à comunicação é o direito de as pessoas participarem do ambiente midiático, não só como receptoras, mas como produtoras de informação. É todo cidadão ter o direito de contar suas histórias a partir dos seus pontos de vista, das suas relações com o mundo, de seus valores ético-morais. Infelizmente, hoje não só a produção da comunicação, mas o debate sobre a regulação da comunicação, sobre as políticas públicas do setor é restrito a um pequeno número de especialistas ? nem o conjunto dos jornalistas participa desse debate. Então, fazer com que a comunicação não seja um ambiente de especialistas é fundamental para fazer com que a luta pelo direito à comunicação avance no conjunto da sociedade brasileira. Eu não acredito que seja possível enfrentar os monopólios, os oligopólios e as oligarquias regionais que se construíram historicamente só com os jornalistas, com o sindicato de radialistas, com aqueles que trabalham com relações públicas etc. Acho que só quando houver uma participação da sociedade, do conjunto dos movimentos sociais populares, será possível caminhar na luta pela garantia desse direito.Mobilizadores COEP ? Como está definido o sistema de radiodifusão no Brasil?R.: A nossa Constituição diz que nós devemos ter três sistemas complementares na radiodifusão (que envolve rádio e televisão). Devemos ter um sistema privado ? que hoje é hegemônico, absoluto, reina sozinho no Brasil, diferentemente da maioria dos países desenvolvidos ?, uma televisão estatal que eu classificaria como as televisões ligadas aos poderes judiciário, legislativo e executivo em suas diferentes esferas de governo, e o terceiro sistema, complementar a estes dois primeiros, que seria a televisão pública, que eu definiria basicamente como aquela que tem tanto autonomia de gestão quanto autonomia em relação ao financiamento. A televisão estatal é o meio que os poderes de estado têm para uma interlocução direta com a população sem mediação, e, no Brasil, os canais estatais como a Tv Câmara e a Tv Senado, estão contraditoriamente escondidos na televisão a cabo. Assim, a sociedade brasileira paga impostos para que só tenham acesso a essas informações aqueles que têm tevê a cabo. Isso precisa acabar. Quanto à televisão pública, é possível afirmar que ela praticamente inexiste no país, ou melhor, ainda não existe. Seria aquela televisão, ou aquela empresa pública, fundação pública, em que tanto a gestão seria feita de forma autônoma, desvinculada do governo e do mercado, quanto a gestão financeira seria feita de forma independente, sem que o mercado ditasse as regras ou que o governo tenha o poder de passar ou repassar recursos para essa empresa ou fundação, que é o que acontece, por exemplo, na Tv Cultura de São Paulo. O governador tem a prerrogativa de abrir e fechar a torneira dos recurso e sempre que ele quier fazer com que algum presidente da Fundação Padre Anchieta, que é a mantenedora da TV Cultura, saia, ele fecha a torneira dos recursos até que o presidente peça demissão.Mobilizadores COEP ? Na luta pela consolidação do direito à comunicação, qual a importância da TV pública? O que você pode dizer a respeito da TV Brasil?R.: Em relação ao projeto da TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), todo esse processo começou muito bem, com a realização do 1º Fórum de TVs Públicas, que se iniciou em 2006 e foi concluído em maio, junho de 2007. Entretanto após o fórum ? que foi participativo, contando com a participação da sociedade civil, de emissoras do campo público etc ?, todo o processo de maturação final, de implementação do que foi definido no fórum se concentrou na Secretaria de Comunicação Social do Governo. Essa centralização acabou por distorcer algumas questões que foram levantadas de forma bem clara no fórum. A grande crítica está centrada no campo da gestão. Por enquanto, de acordo com as medidas provisórias que ainda vão ser votadas, tanto a diretoria executiva da empresa, quanto o conselho curador ? responsável por zelar pelo cumprimento das diretrizes da empresa ? são indicados diretamente pelo presidente da República. Cria-se, assim, uma centralização excessiva na figura do presidente, que passa a dizer quem vai ocupar o conjunto de cargos fundamentais da EBC. Seria necessário criar um sistema de peso e contrapeso, típicos do estado republicano, em que um poder fiscaliza o outro. Portanto, por mais que acredite que a TV Brasil ainda possa cumprir um papel importante para democratizar a comunicação no país, hoje vemos a EBC como uma empresa estatal, onde o estado exerce o monopólio do público. Mobilizadores COEP ? Que tipo de conteúdo esta TV pública deve exibir?R.:Nós defendemos que haja um conselho de programação. Infelizmente isto ainda não está no horizonte da empresa. De qualquer forma, o responsável pela televisão, carro-chefe da EBC neste primeiro momento, é o Orlando Sena, ex-secretário de audiovisual do Ministério da Cultura. Alguns sinais positivos já vêm sendo apontados por ele, como, por exemplo, a necessidade de que a TV Brasil se configure como uma rede, e não somente como uma única emissora que vai transmitir produções do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília para o resto do país. A idéia é que ela traga produções regionais. Este é o primeiro desafio que a TV Brasil terá de enfrentar, pois hoje no país a TV comercial brasileira é uma tevê produzida basicamente no eixo Rio-São Paulo, por homens ricos, pode-se dizer assim. Regionalizar a produção é fazer com que o Brasil possa se ver de fato na televisão, ver refletida a realidade do país. O segundo desafio é fazer com que a TV Brasil seja um escoadouro da produção independente, daquela que nós hoje já produzimos e da que viremos a produzir com o financiamento rigoroso da produção independente. Hoje, no Brasil, a produção televisiva é desenvolvida basicamente dentro das emissoras, desde o pensar a programação até a transmissão. Então descentralizar, quebrar essa cadeia produtiva é uma questão importante não só para democratizar a comunicação, mas para alavancar o mercado audiovisual brasileiro, que hoje é muito pequeno. Então, desfragmentar essa cadeia produtiva em pequenas produtoras, como existe por exemplo nos Estados Unidos, é uma forma de desenvolver o mercado audiovisual e gerar empregos qualificados no setor.Mobilizadores COEP – O que você acha da criação de um Fundo Nacional das TVs públicas?R.:Seria um passo importante para fomentar a produção audiovisual no país. A grande questão é como esses recursos serão geridos. Quem vai ter o poder de dizer quem tem o direito ou não de receber determinado recurso. Primeiro, o fundo precisa ter recursos suficientes. Hoje, boa parte dos fundos criados recebem recursos de diferentes rubricas dentro do orçamento da União, mas a imensa maioria deles serve para pagar juros da dívida, para configurar o superávit primário. Então, é preciso ter um fundo que não seja contingenciado, ou seja, que o governo não tenha o poder de abrir ou fechar a torneira, e um modelo de gestão em que prevaleça na distribuição das verbas o interesse público e não o interesse privado como estamos acostumados a ver muitas vezes na gestão dos recursos públicos no Estado brasileiro. Se houver, por exemplo, um conselho democrático, transparente, que permita que a sociedade tenha mecanismos rápidos de fiscalização, a constituição de um fundo seria muito importante.Mobilizadores COEP – Como será a transição do sistema analógico para o digital das tvs públicas? R.: Bom, à luz do que diz a nossa Constituição, acho que não há nenhuma emissora hoje no Brasil que possamos classificar de fato como pública. Todas as emissoras educativas, por exemplo, são vinculadas aos governos estaduais, então na verdade seriam estatais. Mas a transição para o sistema digital deste conjunto de emissoras que chamamos com o nome fantasia de ?emissoras do campo público? ? e aí se incluem as estatais, comunitárias, universitárias, ou seja, as emissoras sem fins lucrativos ? será bem complexa, porque não se migra para uma plataforma digital da noite para o dia, sem uma grande soma de recursos.Isso se aplica não só para as emissoras chamadas do campo público, mas também para as pequenas emissoras e retransmissoras privadas que estão distribuídas pelo país. Hoje, por exemplo, metade das retransmissoras do país é bancada pelas prefeituras, que vão ter um problema muito grande na hora de migrar para a plataforma digital. Por isso, seria fundamental a constituição da figura do operador de rede, que seria responsável por receber os sinais de todas as emissoras e transmiti-los por grandes torres de transmissão às grandes metrópoles, áreas urbanas e áreas rurais brasileiras. Isso infelizmente ainda não foi feito. É possível mesmo assim ter um operador de rede para o campo público da televisão, e se isso for feito já será um grande avanço porque vai permitir que a maioria das emissoras desse campo esteja disponível na plataforma digital nos próximos anos.Mobilizadores COEP ? A tv digital foi inaugurada no dia 02 de dezembro de 2007 em São Paulo. Como você vê a realidade do país a partir desse início? R.: A primeira coisa que é preciso constatar é que o preço dos conversores está completamente fora da realidade brasileira. O governo federal tomou decisões totalmente equivocadas com relação à tevê digital, respondendo a pressão, em ano eleitoral, do principal partido brasileiro, que são os grandes radiodifusores, e quem perde com isso é a sociedade brasileira. Primeiro, ela não tem motivação nenhuma para comprar um conversor porque vai ver exatamente a mesma televisão, ou seja, não vai ter serviços públicos interativos, não vai ver alta definição porque os televisores de alta definição têm um preço altíssimo, ou seja, vão ficar reservados a três por cento da população brasileira. Além disso, não vai ter multiplicação de programação, porque a legislação não foi alterada ainda. Então, acho que o que a população tem de fazer é esperar, não comprar o conversor nesse primeiro momento, esperar que o governo tente baixar o preço dos conversores. Na verdade, a sociedade vai ter um modelo de serviços exatamente igual ao que já tem hoje, ou seja, não haverá uma democratização dos espectros de freqüências, que era algo fundamental de ser aproveitado nesse momento de transição. Além disso, o Estado brasileiro vai deixar de arrecadar bilhões e bilhões de impostos porque vai ter de dar isenção fiscal para todos os setores da indústria para ver se barateia em cem, duzentos reais o preço dos conversores. Tudo isso por conta das decisões equivocadas tomadas pelo Governo. Mobilizadores COEP ? Para fechar nossa entrevista, eu gostaria que você falasse um pouco do trabalho desenvolvido pelo Intervozes para a garantia do direito à comunicação no Brasil.R.: Bem, o Intervozes é uma associação civil fundada em 2003, que tem por objetivo principal defender e lutar pela garantia do direito humano à comunicação. Acompanhamos o desenvolvimento das ações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário nesse campo e dialogamos com os movimentos sociais populares dos diferentes setores para que todos se apropriem dessa luta pelo direito à comunicação, pois sem sua participação, não será possível fazer a roda girar e avançar nesse sentido. Consideramos fundamental que a luta pelo direito à comunicação não esteja reservada a setores ligados especificamente a esse campo. Desenvolvemos vários projetos, dentre eles o Observatório do Direito à Comunicação, que visa permitir à sociedade brasileira acompanhar a implementação de ações e políticas públicas por parte do Estado. Temos alguns projetos ligados também à exigibilidade do direito à comunicação. Trabalhamos tanto com o Ministério Público Federal, quanto com um corpo de advogados próprios para acionar a justiça em casos estruturantes de violação do direito à comunicação, como fizemos no caso da tevê digital. Estamos desenvolvendo também indicadores do direito à comunicação para oferecer à sociedade referências concretas para que possa perceber onde estamos avançando ou recuando. Esses indicadores estarão no portal do Observatório do Direito à Comunicação para que a sociedade ajude inclusive a desenvolvê-los nessa fase final.Entrevistaconcedida à: Renata OlivieriEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Diogo, meu nome é Ricardo e presido uma OSCIP com fins ambientais na cidade de Formiga – MG. Com o advento da TV Digital, estamos desenvolvendo um projeto para termos um espaço na TV CIDADANIA. Voce poderia me dar alguma dica sobre como o projeto deve ser elaborado ? Para quem deve ser apresentado ? Será que teremos um canal exclusivo ( na região centro oeste de MG ) ou teremos somente um espaço na TV Cidadania ? Se puder me ajudar estou no e-mail presidente@formigaverde.org.br / obrigado
Vejo hoje a programação pública com uma ferramenta de deseducação, que incentiva a violência e a sexualidade excessiva. Desejo que a TV Digital possa apresentar um novo formato, a partir da intervenção da sociedade civil.