Em entrevista ao Grupo Comunicação e Mobilização Social, o jornalista e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), Luiz G. Motta, fala um pouco sobre a cobertura que a mídia brasileira vem fazendo de temas sociais e sobre a necessidade de o país investir em educação para a leitura crítica da mídia. Mobilizadores COEP – No seu ponto de vista, como a mídia brasileira cobre as questões sociais no Brasil? R. – Cobrem mal. Em geral, a mídia dá uma atenção secundária às questões sociais, preterindo-as em relação às questões políticas e econômicas, ou mesmo às atividades culturais. Muitos temas socialmente relevantes aparecem pouco na mídia. A mídia não percebe que a sociedade está mudando seus interesses, que a política partidária e outros temas sobre-cobertos não têm mais a importância que tinham anteriormente. A política partidária não está apenas desgastada e desacreditada. Ela está fora de moda. Mas, a mídia insiste em dar um espaço desmesurado à eleição do deputado Severino Cavalcanti para a presidência da mesa da Câmara, enquanto temas como os transgênicos, a política de cotas, a exploração sexual de menores, a fome e outros temas sociais só aparecem eventualmente. Mobilizadores COEP – Como você vê o investimento em educação para leitura crítica da mídia no país? R. – Infelizmente a população ainda não despertou para a importância que a mídia tem na sociedade; não cobra medidas para a educação crítica sobre a mídia. Os políticos e os governos têm medo de irritar os donos dos meios de comunicação e jornalistas. Os empresários assumem, então, um poder político enorme e inibem qualquer iniciativa que possa gerar diminuição de suas audiências e consumidores. Por isso, enquanto outros países, como o Chile, introduziram leituras críticas da mídia nos currículos escolares, aqui no Brasil nenhuma medida de impacto foi adiante. Só há iniciativas isoladas, sem grande repercussão.Mobilizadores COEP – Qual a importância de uma leitura crítica do que é veiculado pela mídia para a inclusão social das comunidades de baixa renda? R. – Uma leitura crítica seguida de recomendações objetivas aos jornalistas pode gerar mudanças imediatas nas coberturas sociais. Um exemplo concreto é o trabalho de agendamento da mídia pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância ( Andi), que provocou uma mudança quantitativa e qualitativa na cobertura dos menores de rua. De pivetes e flanelinhas, que apareciam sempre nas páginas policiais, eles passaram a ser tratados como um problema social que concerne à sociedade toda.Mobilizadores COEP – Em que consiste o trabalho de agendamento da mídia feito pela Andi?R. – É um processo de sensibilização complexo e contínuo de jornalistas. O trabalho desenvolve-se cotidianamente e em eventos pontuais. Visa superar as queixas e denúncias sobre a má cobertura e passar a uma atitude pró-ativa, que gere mudanças concretas nas coberturas sobre temas relacionados à pobreza, combate à fome, desenvolvimento humano e outros afins. Tem obtido sucesso significativo. Esta estratégia está explicada no livro “Que país é este??, o quarto volume da série ?Mídia e Mobilização Social?, publicada pela Andi. Mobilizadores COEP – O que você acha da capacitação de jovens como agentes comunicadores? R. – Estamos vivendo na sociedade da informação, sociedade da imagem. Todos os setores necessitam de canais de expressão para revelar suas reivindicações. Neste sentido, todo esforço para construir sistemas alternativos de comunicação e toda qualificação de jovens e adultos para saber utilizar melhor os meios institucionais ou alternativos é importante. O que pode ser feito de imediato? Por exemplo, incentivar o aparecimento do maior número possível de rádios e TVs comunitárias. Muito se pode fazer para desenvolver iniciativas neste rumo e não está sendo feito.Mobilizadores COEP – Qual o objetivo da disciplina ?Crítica da Mídia?, ministrada no curso de jornalismo da Universidade de Brasília (UnB)? R. – A disciplina ?Crítica da Mídia? surgiu com a aproximação entre o Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da UnB e a Andi. A Andi pretendia aproximar-se da área acadêmica, e o NEMP procurava dar um alcance maior ao conceito de ?política?, para, que abrangesse também o social, os movimentos sociais. Daí nasceu a iniciativa de propor a disciplina conjunta. A disciplina está sendo oferecida neste semestre e será novamente oferecida aos alunos da UnB nos próximo semestre letivo. A proposta é discutir a cobertura do social na mídia brasileira, avaliar, verificar se as notícias contextualizam os fatos, se incluem as políticas públicas sociais, se dão voz aos movimentos sociais organizados, etc. Enfim, fazer uma análise sistemática das notícias e reportagens sobre direitos humanos, racismo, violência, etc. As pessoas discutem cada vez mais essas questões, que, entretanto, não recebem da mídia a importância que a sociedade hoje atribui a elas.