Com o aquecimento global e as mudanças no clima, eventos climáticos extremos são cada vez mais comuns, em todas as regiões do Planeta, provocando alterações na produção de alimentos e deslocamentos de populações, e colocando o desafio de preparar comunidades inteiras para enfrentarem situações de risco e emergência.
A gestão de emergências tem sido assunto de destaque no âmbito das mudanças climáticas e a prevenção torna-se a principal arma na defesa das comunidades. Neste sentido, estar preparado para enfrentar um evento com a mobilização das comunidades pode significar a minimização dos riscos de desastres e, muitas vezes, salvar vidas.
Rejane Lucena, coordenadora de Planejamento e Assistência da Defesa Civil de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, e consultora nas áreas de prevenção para redução de desastres, comunicação de risco, educação ambiental e risco socioambiental, fala nesta entrevista sobre como deve ser o processo de mobilização em situações de emergência provocadas por desastres ambientais.
Mobilizadores COEP – Como deve ser a mobilização social em situações de emergência? Qual é seu objetivo?
R.: O objetivo da Mobilização Comunitária em situações de emergência é constituir elos de fortalecimento de modo a garantir que as comunidades estejam mais fortes em relação à superação dos danos e traumas vivenciados. A mobilização comunitária representa um elemento potencializador para estimular a participação e a integração de esforços em prol da minimização dos problemas enfrentados em desastres.
Mobilizadores COEP – O que é mobilização de risco? Como e quando deve ser feita?
R.: A mobilização de risco é um mecanismo utilizado para estabelecer uma comunicação mais proativa com o público. De maneira oportuna é preciso unir esforços para que a população e o poder público possam, entre si, colaborar nas ações de resposta aos riscos e desastres. Essa mobilização propicia o despertar de corresponsabilidades e influencia na adoção de práticas individuais e coletivas que auxiliem no gerenciamento dos riscos e dos desastres. Além disso, provoca uma sensibilização coletiva no momento em que favorece a superação de traumas e a capacidade de resiliência.
Mobilizadores COEP – Quais os principais riscos nas áreas urbanas e nas áreas rurais?
R.: Os riscos nas áreas urbanas em determinadas regiões são, sobretudo, provocados pelas ações antrópicas (ações realizadas pelo homem). A partir do crescimento urbano desordenado, as cidades se constituíram em alguns aspectos de maneira informal, a partir disso, as relações consolidadas no meio ambiente local não só causaram segregação, mas provocaram riscos e danos ambientais na paisagem.
Nas áreas rurais, não tão destoante, os riscos também podem ser relacionados a processos erosivos, desmatamentos, falta de cobertura do solo, etc, muito presentes em tudo que o ser humano se envolve. É oportuno lembrar que a zona rural carece de uma análise quanto às necessidades, a partir disso, deve-se investir na implantação e conservação da infraestrutura do meio, considerando o saneamento básico e as medidas preventivas voltadas à orientação das comunidades ? processo muito importante para a Gestão Ambiental Rural.
Mobilizadores COEP – Quais os principais instrumentos para mobilização?
R.: Os instrumentos de mobilização comunitária podem ser constituídos a partir do próprio diálogo com a população local. Esses instrumentos proporcionam aos moradores uma oportunidade para ressignificarem o local onde estabeleceram suas raízes e sua história. Reuniões integradas, o teatro como veículo de interação, constituição de grêmios são alguns instrumentos. Os Núcleos Comunitários de Defesa Civil (Nudecs) favorecem a participação efetiva das pessoas na Gestão dos Riscos e na Administração de Desastres.
Mobilizadores COEP – As comunidades são incentivadas a atuar em conjunto na limpeza de córregos, destinação adequada do lixo, etc?
R.: A partir da consolidação das relações e da formação de compromissos na comunidade, as pessoas se envolvem na gestão dos problemas identificados no cotidiano e participam das soluções a partir de preocupações e acordos firmados coletivamente.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades na mobilização de populações vulneráveis? O que pode ser feito para vencer essas dificuldades?
R.: As principais dificuldades são as ingerências políticas e a capacidade de certos sujeitos de se envolverem para desvirtuar o propósito da ação coletiva. A filosofia da Mobilização Comunitária é criar instrumentos para que haja um processo de empoderamento e os sujeitos sociais envolvidos possam atuar criticamente e não de forma manipulada junto a sua realidade. O sentido é protagonizar mudanças positivas na realidade local.
Mobilizadores COEP – Numa comunidade situada em potencial área de risco, existem grupos prioritários a serem trabalhados numa emergência? Como é feita a abordagem desses grupos?
R.: É sempre importante que no plano preventivo de defesa civil se elabore um diagnóstico, considerando os grupos etários e as especificidades de cada grupo. Nesse contexto é importante lembrar das mulheres, que são excelentes lideranças no gerenciamento de desastres, bem como a proteção que lhes é garantida por lei. As crianças e adolescentes, mulheres gestantes, pessoas idosas e pessoas com deficiência – esses grupos precisam ser tratados, considerando-se as suas necessidades prementes.
Mobilizadores COEP – O que é feito quando uma pessoa ou família está instalada num local de risco e se recusa a sair?
R.: Há situações diversas que podem ser consideradas: crianças residindo em situação de risco, pessoa idosa, pessoa com deficiência que possa estar residindo no cenário e que carece de proteção direta do poder público. Nesses casos, a defesa civil recorre aos órgãos de Proteção e Direitos: Ministério Público, Conselho da Criança e do Adolescente, Conselho e/ou Secretaria Municipal da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Saúde, Poder Judiciário, Assistência Social, de modo a agregar esforços e retirar compulsoriamente as pessoas do risco, garantindo-lhes a preservação do direito maior, que é a vida.
Mobilizadores COEP – Quais são as preocupações no processo de mobilização?
R.: A sensibilização é uma das maiores preocupações no processo de mobilização e a construção da credibilidade e fidelização do trabalho, pois, sem a continuidade, torna-se difícil a manutenção dos elos fortalecedores da gestão de risco integrada.
Mobilizadores COEP – O que é preciso para envolver a comunidade e fazê-la entender a necessidade de estar preparada para enfrentar acidentes provocados por eventos climáticos extremos?
R.: Em primeiro lugar, a abertura para o diálogo e a presença efetiva no eixo da comunidade. A gestão de proximidade gera laços de credibilidade, o que ajuda as pessoas a despertarem sobre o compromisso mútuo de responder às situações de risco e prevenir-se conjuntamente. O processo de empoderamento é lento, mas acontece. Não se faz em curto espaço de tempo. É fundamental o investimento permanente e focado nas pessoas. Vemos que esta relação favorece a construção de novos olhares frente aos problemas da comunidade.
Mobilizadores COEP – Qual a importância de uma comunidade estar envolvida e bem preparada, no sentido das ações de defesa civil, no caso de uma emergência?
R.: Com a comunidade presente nas ações de defesa civil entende-se que a gestão de riscos e desastres torne-se mais efetiva, a partir do compartilhamento das ações e responsabilidades. Muitas vezes, o desastre acontece por desinformação, principalmente, quando se fala dos processos antrópicos. Desse modo, é preciso consolidar-se a política de prevenção no Brasil, que ainda está distante do almejado. Não é mais possível que falemos de prevenção pontualmente, apenas em campanhas simbólicas. É preciso tratar a prevenção, como eixo de toda a política pública de defesa civil e desenvolver ações de governo visando essa integração, com investimentos permanentes nessa área.
Mobilizadores COEP – Quais os frutos da mobilização? O que ela pode trazer de benefícios para uma comunidade?
R.: A mobilização torna a comunidade mais fortalecida e detentora de seus direitos e deveres. A partir do momento que as pessoas se empoderam, participam de forma mais efetiva, com posturas mais claras e conscientes no desenvolvimento das ações a serem implementadas no âmbito da sua comunidade.
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Entrevista para o Grupo de Mobilização Social: Direitos, Participação e Cidadania.
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.