Nesta entrevista, o maestro Cláudio Pereira Moreira apresenta as ações do Programa Integração pela Música (PIM), realizado com crianças e adolescentes do município de Vassouras (RJ). O maestro fala sobre os benefícios trazidos pelo envolvimento com a música e como o projeto promove a inclusão social, propicia a profissionalização e novas possibilidades de geração de renda para alunos e familiares.
Mobilizadores COEP – O que o levou a criar o PIM ? Programa Integração pela Música e por que da escolha do município de Vassouras para desenvolver o projeto?
R. Venho de uma família de músicos, e a música é minha profissão. Sempre tive vontade de levar a música para as camadas menos favorecidas da minha comunidade, Vassouras. Iniciei o Projeto em 1997 com um coral que se apresentava uma vez por ano num concerto natalino, reunindo crianças de todas as escolas públicas da região. A partir do terceiro ano, observei que as crianças eram as mesmas desde o primeiro concerto, e que durante esses três anos elas trouxeram novos participantes. Foi então que resolvi oferecer também aulas de instrumentos e teoria musical, aproveitando os instrumentos da Sociedade Musical Nossa Senhora da Conceição, que teve meu pai como fundador e que depois de sua morte ficou sem atividade. Nós reativamos a sociedade e, enfim, em setembro de 2000, nasceu o PIM com 39 alunos da rede pública e eu como único professor. A maioria destas crianças permanece até hoje no PIM e atua como multiplicador; 80% deles recebem uma bolsa auxílio pra que continuem multiplicando os seus saberes e estudando música. Ao completar um ano, o PIM já contava com 150 alunos, com dois professores e alguns monitores, e trabalhávamos os instrumentos: saxofones alto e tenor, trompete, flauta e violino, além do canto coral.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades encontradas pelo projeto? Há dificuldades para envolver as crianças?
R. Em sua trajetória o PIM passou por diversas dificuldades: a grande procura por vagas exigia mais professores, maior número de instrumentos e, principalmente, espaço físico adequado. Essas questões foram contornadas com a participação de professores voluntários, a doação de instrumentos e a parceria com o Colégio Estadual Santa Rita, que cede o espaço para que as aulas aconteçam. Desde sua criação até hoje a participação de toda comunidade tem sido fundamental para que o PIM continue atendendo a todas as crianças interessadas. Contamos hoje com aproximadamente 600 alunos na faixa etária de 06 a 86 anos só no município de Vassouras. A partir da expansão do Programa para outros municípios, um projeto que chamamos de ?PIM em toda parte?, passamos a contar com mais 50 alunos em Paulo de Frontin, e 100 no município de Mendes. A contratação de professores, a aquisição de mais instrumentos e sua manutenção, além de um espaço físico adequado são algumas dificuldades que ainda enfrentamos por não termos recursos financeiros regulares, sobrevivendo, portanto, das doações voluntárias da comunidade, de algumas empresas da região e de uma pequena subvenção mensal da prefeitura. Na medida em que o ingresso no PIM é voluntário, não existem dificuldades para o envolvimento dos alunos. No decorrer do ano, o índice de evasão é insignificante.
Mobilizadores COEP – Como é desenvolvido o projeto? Qual o critério de seleção das crianças?
R. O projeto é desenvolvido com aulas aos sábados ? dia do ensaio da orquestra -, mas não somente. Há também ensaio e aulas do coral e de percussão, ensaio do PIM Lata, e das Bandas do PIM, com uma carga horária de quatro horas para cada turno. A carga horária total é de 40 horas mensais. Todos os alunos participam de aulas de teoria musical, percussão sinfônica e com material reciclado – latas e galões ? aulas de canto coral e de um instrumento escolhido pelo aluno (saxofones alto e tenor, trompete, trombone de vara, bombardino, saxhorne, oboé, fagote, flauta, pífaro, clarineta, violino, viola, violoncello, contrabaixo, violão). Durante a semana, os alunos se revezam na sede do PIM para estudar teoria e treinar seu instrumento, auxiliados pelos monitores pelo menos três vezes por semana. A sede funciona de segunda a sexta da 08 às 19h. Não existe critério de seleção: tendo vaga, todos os alunos são aceitos. Porém, para se manter no PIM, é preciso comprovar freqüência escolar ou o desejo de retornar à escola. A escola nos manda um relatório bimestral de cada aluno. Em determinados casos, nós vamos àsescolas, e até ascasas dos alunos. Podem participar crianças a partir de seis anos, sem limite de idade. Atualmente, nossa aluna mais velha tem 86 anos. A ampliação é conseqüência da procura por vagas, que abrange todas as faixas etárias. É muito gratificante quando ouço dos alunos adultos e da terceira idade que participar junto aos jovens dá nova motivação a suas vidas e afastam os problemas. Por outro ângulo, vejo esta participação como um incentivo aos jovens.
Mobilizadores COEP – O que os jovens pensam sobre esta convivência com todas as faixas etárias?
R. Os jovens estão vivenciando um projeto muito importante para o PIM e para eles: o projeto ?Raízes do Vale para a Ação Griô?, que faz parte do Programa Cultura Viva, e visa justamente resgatar e valorizar os vínculos com a ancestralidade através da oralidade. O resultado tem sido muito positivo. Todos os jovens gostam. Mas vale ressaltar a fala de um deles, Jeferson (fagotista) de 16 anos: ?Isso é perfeito, pois não há lugar melhor para se estudar, conviver e aprender do que um lugar com pessoas mais experientes que nós, ou mesmo aprender com pessoas mais novas, pois não importa a idade, apenas o caráter, dedicação e força de vontade das pessoas?.
Mobilizadores COEP – De que maneira o projeto promove a inclusão social das crianças e jovens participantes? Que benefícios a música pode traz para o desenvolvimento deles?
R. A grande maioria dos nossos alunos é oriunda de classes menos favorecidas, embora contemos também com alguns alunos das classes média e alta. Nenhum dos alunos paga pelas aulas. Quem quiser pode contribuir, mas é uma contribuição voluntária, não tem valor estabelecido. Dentro do PIM não existe esta diferença, pois todos ajudam na limpeza e na conservação dos instrumentos, do espaço físico e, como nossa sede fica distante do Colégio onde acontecem as aulas, independente da classe social, todos colaboram no transporte dos instrumentos. Acredito que a música seja o grande facilitador desta inclusão, pois juntos superam dificuldades e até os próprios limites, quando conseguem executar e mostrar para seus pais e a comunidade uma peça de Mozart que levaram meses ensaiando, além da realização de sonhos antes não imaginados, como poder tocar no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ao lado de músicos consagrados como Turíbio Santos, Cristina Braga, Léo Ortiz e assistir grandes concertos, visitar museus, enfim almejar vôos mais altos. Essas atividades são propiciadas através da ajuda de todos os parceiros, inclusive as prefeituras da região que apóiam o programa. O maior benefício obtido por meio da música é o compartilhar, para que seja melhor para a vida de todos. É uma vida com deveres e responsabilidade, favorecendo o desenvolvimento, a disciplina, a auto-estima e a integração total do aluno na família e na comunidade. Acaba incentivando também o espírito de equipe, o trabalho em grupo. Por exemplo: durante a orquestra um depende do outro. O resultado final depende de cada um e todos dependem de todos.
Mobilizadores COEP – Quais os principais resultados do projeto?
R. Um aluno está no 5º período do curso de bacharelado em Oboé na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, um está cursando fagote, um Turismo e outro Biologia. Um aluno foi aprovado para a Orquestra Sinfônica Jovem e para a Academia Sinfônica da Petrobras. Dois alunos do PIM foram convidados para participar da Turnê da Orquestra Infanto-Juvenil de Campos (RJ), que passou pelo Rio de Janeiro e Volta Redonda (RJ), Mogi das Cruzes (SP), São Paulo (SP), Foz do Iguaçu (PR), Paraguai e Argentina. Acho que esses são apenas alguns dos resultados. Acreditamos que todos os sub-projetos, inclusive o ?PIM em toda parte?, façam parte dos resultados. Mas o resultado mais importante é o empoderamento dos jovens, esse elo que se cria, onde cada um cuida e se sente responsável pelo outro. É o que dá certeza de que o PIM é pra sempre, pois nossos jovens são proprietários do trabalho, do ideal, e há o envolvimento de toda comunidade e de todas as famílias dos alunos.
Mobilizadores COEP – O PIM foi ampliado e hoje envolve diversos projetos paralelos. Que iniciativas são essas? O que levou a essa ampliação do foco do projeto?
R. Outro grande benefício alcançado através da música é uma maior sensibilidade, que conseqüentemente, nos leva conhecer a realidade e necessidade de cada família envolvida. Para contornar algumas dessas situações, optamos por buscar meios, dentro do próprio PIM, trabalhando alguns sub-projetos:
Multiplicadores ? os alunos mais adiantados (atualmente 20) multiplicam seus ensinamentos com os iniciantes, possibilitando assim o atendimento a todos os interessados.
Música é Profissão – estimula a remuneração dos alunos quando se apresentam em eventos sociais e comerciais locais, complementando a renda familiar e iniciando o processo de profissionalização do futuro músico.
Música é Trabalho – em parceria com o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – e PAIF – Programa de Apoio Integral à Família – atendemos crianças da zona rural como forma de substituição e remoção do trabalho infantil familiar na roça. A divulgação do projeto é feita nas escolas e a prefeitura disponibiliza os ônibus para buscá-los e o lanche. A iniciativa integra, através da música, as crianças do campo com as da cidade.
Projeto Arte & Vida – incentiva e valoriza o trabalho voluntário promovendo a apresentação de grupos de Câmara do PIM em hospitais e asilos. A música leva saúde e qualidade de vida para pessoas em situações limites.
COOPERPPIM ? criada a fim de garantir renda para as famílias dos alunos mais carentes, é uma cooperativa formada por 10 pais de alunos PIM. Esta cooperativa se desenvolve com ações diversas, como a confecção de bolos, recepções, encontros etc. Há voluntários que dão oficinas a esses pais e os orientam. O lucro é dividido igualmente entre eles. O objetivo da cooperativa, muito mais que gerar renda (isso é fundamental), é mostrar que eles são capazes de viver com o próprio trabalho.
O programa realiza ainda concertos didáticos ressaltando seus objetivos: Quando nossos alunos se juntam com um único fim, que é o de fazer música e música de qualidade, não existem diferenças de classe social, raça ou credo. Somos todos uma família, a família PIM.
Mobilizadores COEP – Vocês contam com parcerias institucionais? Quais as principais conquistas?
R. Conquistamos os apoios institucionais da Unesco e do IPHAN, que autorizaram o uso de suas marcas em materiais relacionados ao PIM. Colaboram com o projeto, direta e indiretamente, diversos profissionais, entre eles: Francisco Frias, Graça Alan, Léo Ortiz, Igor Levy, Ricardo Medeiros e Turíbio Santos. O cartunista Ziraldo gentilmente elaborou a logomarca do programa. Fomos finalistas do Prêmio Cultura Viva, promovido pelo Ministério da Cultura; vencemos o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo IPHAN, nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, como melhor projeto na categoria Educação Patrimonial em 2004; e ainda o Prêmio Cultura Nota 10 do Instituto Cultural Cidade Viva e Estado do Rio de Janeiro, em parceria com a Embratel e a Unesco. Também temos parceria com o SESC RIO e o Grupo Cultural Afroreggae.
Entrevista concedida à: Marize Chicanel e Danielle Bittencourt
Edição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Através da arte e da cultura barreiras podem ser rompidas, tornando o mundo mais justo e também mais feliz! Acredito muito nesse caminho!
Muito oportuno esse projeto que usa a música, como instrumento para inclusão social. Parabéns!
MARAVILHOSO! A MÚSICA TEM O PODER DE DESPERTAR AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA UM MUNDO SAUDÁVEL, DE EXPECTATIVAS E OPORTUNIDADES.