Mulheres ?quebradeiras de babaçu? conseguiram promover uma verdadeira reforma agrária no interior do Maranhão. Descendentes de escravos, até dez anos atrás, essas mulheres não tinham terra e sua fonte de renda vinha da colheita do fruto, do qual tiravam a amêndoa para produzir o óleo de babaçu. Elas viviam praticamente escravizadas pelos donos das terras, quebrando 10 quilos de coco para comprar um quilo de arroz na mercearia do proprietário. Cansadas de serem exploradas, as quebradeiras resolveram se organizar. Criaram uma cooperativa e conseguiram forçar o governo estadual a promover uma reforma agrária na região do médio Mearim, a 400km de São Luiz (MA). Depois, inventaram um jeito de controlar todo o processo produtivo do óleo de babaçu. Nessa entrevista, Dona Maria de Jesus Ferreira Bringelo, conhecida como Dijé, nos conta um pouco da história de lutas e conquistas dessas mulheres. Ela é coordenadora do Programa de Organização de Mulheres Quebradeiras de Babaçu da ASSEMA – Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão. Nascida em Cajueiro, Município de São Luiz Gonzaga, e moradora da Comunidade Monte Alegre, Dona Dijé é ?quebradeira de coco babaçu? desde os dezesseis anos.
Mobilizadores COEP – A atividade de quebrar coco, que é uma característica cultural muito forte no sertão do Maranhão, é realizada somente por mulheres?
R. Antes eram quase só as mulheres que quebravam coco babaçu e às vezes a gente ficava com vergonha de dizer que era quebradeira. Quando víamos ?montada? (grupo de cavaleiros) ficávamos com vergonha de aparecer. Com o tempo fomos descobrindo que nosso trabalho tem dignidade e valor. As pessoas pensam que os homens não participam, mas quando é inverno, principalmente, todos vão para o campo trabalhar juntos ? homens e mulheres.
Mobilizadores COEP – Como aconteceu a mobilização para articular o trabalho das quebradeiras de babaçu?
R. No final de 1979, início de 1980, houve um grande conflito de terra no Maranhão. Os trabalhadores(as) rurais sabiam lutar pela terra, pois tinham que lutar, só que não sabiam lidar com outras questões importantes, como por exemplo a burocracia necessária para resolver formalmente o problema das terras. Então, em maio de 1989 foi criada a ASSEMA, para organizar os trabalhadores(as) rurais e mulheres quebradeiras de coco babaçu e promover a produção familiar, utilizando e preservando os babaçuais, para a melhoria da qualidade de vida no campo.
Mobilizadores COEP ? Que tipos de trabalhos são desenvolvidos pela ASSEMA?
R. Através do Programa de Organização de Mulheres (POM), a ASSEMA desenvolve um trabalho de articulação com famílias quebradeiras de coco babaçu em suas lutas política e ambiental. A meta é fortalecer as organizações de mulheres vinculadas à ASSEMA, através de quatro linhas de ação:
1) Realização e gestão pelas mulheres quebradeiras de coco babaçu de projetos de desenvolvimento local, tais como os produtos da linha babaçu livre (sabonete, produção de essências, plantas medicinais, papel reciclado, mesocarpo de babaçu, compota e licor de frutas).
2) Fortalecimento e Mobilização das Quebradeiras de Coco Babaçu na busca de direitos e pela garantia de inserção nos processos de decisão e de ocupação de espaços políticos.
3) Transversalidade de gênero – Inserção da discussão sobre igualdade de direitos entre homens e mulheres.
4) Juventude Rural ? Trabalho com os jovens rurais objetivando sua organização política local municipal e intermunicipal, através de formação, capacitação, e apoio às iniciativas de geração de renda.
Mobilizadores COEP ? Quais foram os principais conquistas da Associação?
R. Um ano depois da formação da ASSEMA, formamos um grupo de estudo das quebradeiras que se reunia de dois em dois meses para discutir a formação das cooperativas. No início criamos quatro cooperativas. Duas não deram muito certo, por falta de administração e de recurso. Também tem que ter força de vontade e coragem pra dizer quando alguma coisa não está dando certo, não é? Mas outras duas deram ? a de Lago do Junco e Esperantinópolis. Então, preferimos investir nessas duas que estavam dando resultados. A fábrica de óleo em Lago do Junco, que processa óleo para sabão e sabonete e que também é vendido para uma fábrica de cosméticos, está dando certo. Está em processo de desenvolvimento. Além da ASSEMA, tem a parceria do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que atua em quatro estados ? Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins.
Mobilizadores COEP ? Quais os principais problemas que as mulheres quebradeiras de babaçu enfrentam atualmente?
R. São muitos problemas, mas vou falar dos mais importantes. Primeiro há o problema do babaçu livre. Nos assentamentos ele é livre, mas não podemos colher o babaçu em qualquer terra, pois o coco ainda está preso em terras de fazendeiros. Neste caso, é preciso ir longe para trabalhar, principalmente quem mora nas periferias das cidades. Temos também o problema da braquiaria (capim que é utilizado na alimentação do gado bovino nas fazendas) que acaba matando o babaçu. E há também as derrubadas. Quando a gente vê, já foram derrubadas muitas palmeiras pelos fazendeiros criadores de gado.
Mobilizadores COEP ? Como a ASSEMA atua na valorização da mulher extrativista? Que tipos de ações são feitas nesse sentido?
R. Fazemos ações de valorização da produção, do trabalho da mulher e da juventude. Nossa principal bandeira de luta é a demanda por preservação ambiental. Aproveitamos toda oportunidade que aparece para discutir nossos programas. Participamos de seminários, discutimos e dialogamos defendendo nosso ponto de vista, sempre pensando na organização e na educação ambiental. Temos um bom retorno, com participação de uma grande quantidade de jovens.?
Mobilizadores COEP ? Que estratégias de comercialização dos produtos agroextrativistas têm surtido resultados positivos para as associações?
R. Existe um setor de comercialização no escritório da ASSEMA e, em São Luiz, há a Embaixada ?Babaçu Livre?, onde se vendem sabonetes, mesocarpo (tudo que envolve o coco do babaçu), pasta de fibra. Também instalamos pontos de venda em eventos. Para a comercialização temos parcerias. Há empresas que compram diretamente a produção das cooperativas, como é o caso da The Body Shop (empresa inglesa) que compra da COPPALJ ? Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco, e temos apoio de parceiros financiadores, como por exemplo a OXFAM e a AVEDA.