A Oxfam – confederação de 17 organizações que atuam em 92 países pelo fim da pobreza e desigualdade no mundo – monitora e participa de iniciativas para estabelecer critérios mínimos de governança para a criação de um marco global para segurança alimentar dentro do Comitê de Segurança Alimentar da Organização das Nações Unidas (ONU).
Neste sentido, a organização lançou, no Dia Mundial da Alimentação 2012, comemorado em 16 de outubro, o Desafio Cresça. A iniciativa prega que a partir da adoção de cinco princípios básicos – não desperdício; apoio ao pequeno agricultor; incentivo ao consumo sazonal e regional; racionalização dos recursos utilizados para cozinhar; menor consumo de carne –, é possível reduzir a fome no mundo.
De acordo com Muriel Saragoussi, coordenadora da Campanha Cresça no Brasil, a ideia é que o Desafio seja uma plataforma de diálogo e colaboração com internautas, movimentos e organizações, que podem enviar novos conteúdos e participar do processo de mudança. Para tanto, utiliza mídias sociais, como Facebook e Pinterest.
O Desafio foi idealizado a partir da publicação “Transformação alimentar: Utilizando o poder do consumidor para criar um futuro alimentar justo”, também da Oxfam, e já está em ação na Inglaterra, Espanha, México, Estados Unidos, Austrália, Itália e Hong Kong (China).
Rede Mobilizadores – Quantas pessoas ainda passam fome no mundo?
R.: Segundo o último relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com informações coletadas entre 2010 e 2012, 868 milhões de pessoas passam fome no mundo, ou seja, uma em cada oito pessoas.
Rede Mobilizadores – Em breves linhas, como ocorre o controle do sistema alimentar mundial? De que forma isto contribui para que ainda haja pessoas passando fome no mundo?
R.: Um dos problemas do sistema alimentar mundial é justamente a ausência desse controle, ou seja, a inexistência de uma governança global que contribua para diminuir a vulnerabilidade do sistema.
Os últimos picos da crise alimentar no mundo têm relação direta com: as especulações financeiras no comércio de commodities – que se acentuaram a partir de 2007-2008 e que escapam ao controle governamental; ausência de uma política de estoques de alimentos; as assimetrias geradas pelo próprio comércio de alimentos em larga escala; e, principalmente, o impacto das indústrias exportadoras de alimentos sobre a pequena produção familiar. Hoje, o acaparamento de terras pelo agronegócio, que já vem ocorrendo há muito tempo nos países pobres ou em desenvolvimento, é um fenômeno particularmente acentuado na África.
Mas já existem iniciativas para estabelecer critérios mínimos de governança com a criação de um marco global para segurança alimentar. A Oxfam, como representante da sociedade civil internacional, monitora e participa diretamente desse processo, dentro do Comitê de Segurança Alimentar da ONU. O Brasil tem, aliás, um papel muito importante a desempenhar, visto que o modelo de política de segurança alimentar implementado no país virou referência para o mundo pelos bons resultados na erradicação da fome e da pobreza e pela abordagem sistêmica e participativa com que elaborou e executa as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional. No Brasil, a Oxfam vem apoiando diversas organizações envolvidas na luta por melhores condições para a agricultura familiar.
Rede Mobilizadores – A Oxfam lançou no Brasil, no Dia Mundial da Alimentação 2012, o Desafio Cresça. Quais suas propostas?
R.: Corrigir o sistema alimentar como um todo demanda ações extremamente complexas, que a Oxfam vem encorajando através de sua atuação em todo o mundo, mas o Desafio Cresça tem a ver com pequenas medidas que podem ser praticadas por todos e que terão um impacto significativo no sistema.
Um estudo da Oxfam revelou que, para suprir as necessidades calóricas dos 13% da população mundial que passam fome, bastaria usar 3% do suprimento atual de alimentos do mundo. Com base nesse estudo, surgiu a ideia de promover globalmente algumas ações, ao alcance do consumidor. Elas visam reverter esse quadro injusto do sistema alimentar ao influenciar e engajar os que estão na ponta do sistema, além de ter um impacto positivo no meio ambiente e na vida dos que vivem da produção de alimentos no campo. As medidas são explicadas mais adiante. O consumidor também só tem a ganhar, com uma alimentação mais saudável.
Rede Mobilizadores – Que princípios norteiam o Desafio? Quais deles já são seguidos em maior escala pelos brasileiros?
R.: Os princípios são traduzidos em recomendações no Desafio Cresça:
•não desperdício de alimentos, com melhor planejamento desde a compra até o consumo (cerca de 1/3 dos alimentos produzidos para chegar à mesa acabam sendo perdidos ou desperdiçados entre o plantio e o prato);
•apoio aos pequenos produtores de alimentos, ou seja, aos 1,5 bilhões de pessoas que vivem em pequenas propriedades rurais e utilizam práticas agrícolas sustentáveis, através da compra de produtos e marcas provenientes do comércio justo;
•produção sazonal de alimentos, já que muita energia é desperdiçada ao se tentar cultivar alimentos fora da época e em locais inapropriados;
•racionalização dos recursos utilizados para cozinhar os alimentos (visando à redução de uso dos combustíveis fósseis e da água);
•menor consumo de carne, já que a criação de animais significa mais emissões de gases de efeito estufa, maior desperdício de água e maior necessidade de terra, levando à redução do espaço para o cultivo de alimentos.
Rede Mobilizadores – De que forma a Oxfam pretende mobilizar os consumidores a praticarem os princípios do Desafio e a difundi-los em suas comunidades, lares etc.?
R.: O Desafio Cresça foi construído para ser mais do que um espaço unilateral de divulgação de receitas, dicas e ações. A intenção é que ele seja uma plataforma de diálogo e colaboração com os internautas, movimentos e organizações, que podem enviar novos conteúdos e participar ativamente do processo de mudança. Por isso, utiliza mídias sociais, como Facebook e Pinterest. Em nossa página no Facebook, (http://www.facebook.com/CampanhaCresca), os internautas vão encontrar o Desafio Cresça e suas sugestões, com um cardápio de alternativas às pessoas que querem agir.
Alguns materiais da campanha foram concebidos de forma pedagógica e divertida, como o vídeo “3 mitos sobre a agroecologia” (http://www.youtube.com/watch?v=FpEL21Lr8kk) no qual desmistificamos, em pouco mais de um minuto, as seguintes afirmações:
1) “os produtos orgânicos são mais caros”: de fato não são necessariamente mais caros – os supermercados cobram até 400% a mais por eles. Alternativa: eles podem ser encontrados em feiras de produtores;
2) “a agroecologia é menos produtiva do que a agricultura convencional”: ao contrário, a agroecologia é tão produtiva quanto e tem a vantagem de não degradar o solo pela variedade de produtos cultivados e de técnicas, e da não utilização de agrotóxicos;
3) “adotar a agroecologia significa um retrocesso em termos de emprego de tecnologia e conhecimento”: ao contrário, as técnicas utilizadas são muito evoluídas, baseadas em muitos estudos e experiências, apenas não empregam métodos altamente mecanizados e artificiais.
Rede Mobilizadores – Que outras instituições participam da iniciativa? De que forma?
R.: Várias instituições parceiras da Oxfam participam da iniciativa, de diversas formas. Além de replicarem as mensagens da campanha, contribuem para modificar a realidade do sistema, com estudos e ações que visam fortalecer os circuitos curtos de produção e consumo. Organizações como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Kairós têm atuado no sentido de aumentar a penetração dos produtos agroecológicos e a organização dos consumidores.
Outras iniciativas visam aproximar as mulheres produtoras no campo das mulheres consumidoras em centros urbanos, a fim de criar estratégias que facilitem a distribuição e comercialização desses produtos nas cidades. O Desafio Cresça já conta com o apoio de Idec, Slow Food Brasil, ONG Banco de Alimentos, Mesa Brasil (Sesc/SP), Segunda Sem Carne e Vitae Civilis. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Federação Brasileira de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e a Action Aid são outros parceiros importantes.
Rede Mobilizadores – Que políticas públicas brasileiras já estão alinhadas com os objetivos do desafio e de que forma a iniciativa pretende impulsionar novas?
R.: Avanços consideráveis foram conquistados e, hoje, várias políticas públicas contribuem para amenizar os efeitos do sistema alimentar injusto e desigual, no Brasil. A emenda constitucional que estabelece o direito à alimentação é uma das principais e significa a institucionalização de um direito que norteia, de certa forma, todas as demais políticas públicas relacionadas ao sistema alimentar.
Entre elas podemos citar a Política Nacional de Alimentação Escolar, que inclui a merenda escolar regionalizada, a Política de Aquisição de Alimentos, que determina que 30% das compras públicas de alimentos devem ser provenientes da agricultura familiar, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Nacional de Promoção dos Produtos da Sociobiodiversidade, a Política Nacional de Agroecologia e Produtos Orgânicos, além de todas as políticas que apoiam a agricultura familiar, como, por exemplo, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O Plano Nacional de Combate à Obesidade também merece ser citado, pois reconhece a importância de uma alimentação saudável, o que indiretamente contribui para fortalecer a proposta da agroecologia.
Rede Mobilizadores – O Desafio já acontece em outras partes do mundo? Onde? Quais os resultados até agora?
R.: O Desafio Cresça já está em ação na Inglaterra, Espanha, México, Estados Unidos, Austrália, Itália e Hong Kong (China). Como ele é recente, os resultados até agora têm sido em função de engajamento de pessoas na plataforma online, seu uso e compartilhamento.
Rede Mobilizadores – Onde encontrar informações sobre o Desafio e participar? De que forma os internautas podem colaborar?
R.: As informações sobre o Desafio Cresça estão na página da campanha Cresça no Facebook: http://bit.ly/desafiocresca
O relatório “Transformação do Sistema Alimentar: utilizando o poder do consumidor para criar um futuro alimentar justo” traz informações mais detalhadas sobre os princípios do Desafio e pode ser baixado através do link http://bit.ly/NTPvbR
Entrevista do Eixo Erradicação da Miséria
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo