A agricultura é emissora de gases de efeito estufa (GEE) à medida que converte áreas com vegetação nativa, revolve o solo, utiliza alta mecanização e fertilizantes nitrogenados, por exemplo. De acordo com o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Giampaolo Queiroz Pellegrino, há, no entanto, soluções que reduzem as emissões de GEE na agricultura, como a recuperação do potencial produtivo de pastagens, a integração lavoura pecuária e o destino adequado de resíduos da produção suína e aumento da base florestal. Ao mesmo tempo que tais práticas colaboram para a redução das emissões de GEE, conferem também maior resistência e eficiência ao sistema agrícola, sendo uma forma de adaptação às mudanças climáticas.
Por outro lado, o impacto das mudanças climáticas sobre as culturas agrícolas também é, de maneira geral, negativo levando à redução da área potencial de plantio e, portanto, a uma ameaça à segurança alimentar do país. De acordo com o pesquisador, uma das áreas mais afetadas será o Semiárido brasileiro, por já ter temperaturas e déficits hídricos mais elevados e por serem estes os dois principais fatores agravados pelas futuras mudanças no clima,. A região, portanto, terá ainda menos opções de culturas e sistemas de produção agrícola do que hoje.
Mobilizadores COEP – Como os modelos de desenvolvimento agrícola de países em desenvolvimento podem agravar as mudanças climáticas?
R.: A agricultura não é apenas vítima das mudanças climáticas. Ela também é emissora de gases de efeito estufa (GEE)*1, agravando o problema através da conversão de áreas com vegetação nativa em espaços agricultáveis ou pastos, alta mecanização e revolvimento do solo, utilização de fertilizantes nitrogenados e produção pecuária extensiva ineficiente, por exemplo.
Essas características normalmente estão associadas à grande propriedade e ao agronegócio com grandes investimentos, mas também o pequeno agricultor contribui para isso, com a utilização do fogo, com o mau aproveitamento dos resíduos animais e vegetais e por buscar um modelo agrícola quase que exclusivamente baseado no uso de insumos, defensivos e combustível derivados do petróleo e com alto potencial de agravar o aquecimento global.
Portanto, independente da escala, ou do tamanho da propriedade, é necessário que o agricultor encontre subsídio técnico e político para exercer sua atividade de maneira mais eficiente. Isso exige um novo modelo – eu diria até um novo conceito – de desenvolvimento agrícola, que inclua um manejo sistêmico e integrado, com base em um planejamento estratégico da propriedade e, além disso, guiado nacionalmente por uma política cientificamente embasada.
Esse manejo sistêmico deve contar necessariamente com a adoção de boas práticas agrícolas, numa combinação de técnicas tradicionais e alternativas que garantam um maior acúmulo de carbono e uma redução na emissão de gases de efeito estufa no agroecossistema, buscando a sustentabilidade no seu sentido amplo, envolvendo as vertentes econômica, social, ambiental, institucional, política.
Mobilizadores COEP – De que forma o uso intensivo de energia e produtos químicos contribui para o aumento nos níveis de emissão de gases do efeito estufa?
R.: Os combustíveis fósseis, usados na agricultura como fonte de energia para diversos fins, e os produtos químicos derivados de petróleo, como os insumos e defensivos agrícolas, que garantiram e ainda garantem o grande desenvolvimento da nossa sociedade contemporânea, liberam seus elementos constituintes rapidamente para a atmosfera na forma de GEE, que continuam se acumulando à medida que os usamos. E o ciclo não se fecha enquanto não tivermos uma forma eficiente e rápida de retirá-lo novamente da atmosfera.
O aumento da demanda por produtos da agricultura, e o consequente aumento da produção visando atendê-lo, aliado ao acesso mais fácil a esses produtos derivados de material fóssil e às tecnologias nele baseadas, intensificam o seu uso. Logo, levam ao aumento dos níveis de emissão de GEE na agricultura, caso não se adote um novo modelo de manejo que reduza seu uso e favoreça o armazenamento de carbono no solo.
Mobilizadores COEP – É possível reduzir os efeitos nocivos da agricultura sem comprometer a segurança alimentar da população? Que soluções práticas que podem ser aplicadas?
R.: Considerando que por “efeitos nocivos da agricultura” esteja querendo se referir às emissões de GEE, sim. De maneira geral, as soluções práticas que reduzem as emissões de GEE na agricultura como, por exemplo, recuperação do potencial produtivo de pastagens, integração lavoura pecuária, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, destino adequado de resíduos da produção suína e aumento da base florestal, ao mesmo tempo que colaboram para a incorporação de carbono e/ou para a redução de suas emissões, conferem também maior resistência e eficiência ao sistema agrícola, sendo também uma forma de adaptação às mudanças climáticas.
Assim, permitem diversificar a produção e aumentar a produtividade, principalmente na pecuária extensiva, que pode liberar áreas para a produção de alimentos sem avançar sobre as áreas naturais ainda preservadas, melhorando a segurança alimentar e a sustentabilidade do agroecossistema.
Mobilizadores COEP – Quais as características de uma agricultura de baixo carbono?
R.: Na verdade, a expressão “agricultura de baixo carbono” se refere a uma agricultura com baixa emissão ou com redução de emissão de carbono. Sendo assim, as principais características são a incorporação de técnicas que garantam uma redução das emissões e o aumento do armazenamento do carbono no sistema agrícola. Além disso, ela traz consigo o aumento da eficiência energética e da produtividade do sistema.
Mobilizadores COEP – Seria possível disseminar em larga escala o modelo agroecológico no país? Em caso afirmativo, o que é necessário para isso?
R.: Diante do desafio das mudanças climáticas, provavelmente o modelo agroecológico, com sua concepção integrada e sistêmica da unidade de produção, seja um modelo com menor emissão de GEE e mais adaptado ao novo clima futuro, se comparado a um modelo agrícola mais tradicional, baseado exclusivamente na mecanização intensa e no uso de insumos e defensivos. Eu não teria capacidade de analisar a viabilidade de implantá-lo em larga escala e sua capacidade de garantir o atendimento às demandas agrícolas atuais e futuras do país. Porém, considero mandatório que práticas do modelo agroecológico, do orgânico e de outros, ainda hoje consideradas alternativas em alguns meios, sejam incorporadas aos sistemas produtivos ditos tradicionais. Isso já tem sido notado, inclusive por grandes produtores do agronegócio e, em algumas situações, é o que permite que a sua atividade produtiva se mantenha viável, pois confere melhores características físicas, químicas e biológicas ao solo e ao agroecossistema em geral.
Mobilizadores COEP – Observando pelo outro lado da moeda, quais os efeitos das mudanças climáticas (como grandes secas e enchentes) sobre a agricultura e vegetação e, consequentemente, sobre a segurança alimentar da população?
R.: O impacto das mudanças climáticas sobre a maioria das culturas agrícolas já analisadas pela Embrapa é, de maneira geral, negativo levando à redução da área potencial de plantio com baixo risco climático e, consequentemente, a uma ameaça à segurança alimentar do país. Porém, algumas culturas, como a cana-de-açúcar e a mandioca, têm a sua área potencial aumentada, pois se beneficiam com o aumento de temperatura. A mandioca, porém, exemplifica bem a questão da segurança alimentar. Embora sua área potencial aumente no país, no Nordeste, onde ela é a base da alimentação e que já não conta com muitas outras opções, sua área potencial é bastante diminuída.
Essa análise é baseada principalmente no aumento médio da temperatura. Porém, quando se considera a projeção de aumento na probabilidade da ocorrência de eventos extremos, como um evento de seca prolongada ou de fortes tempestades, pode-se dizimar uma produção. Por isso, é necessário que o país antecipadamente planeje e invista em ações de adaptação à nova condição climática futura. Esse é o objetivo principal das simulações e análises realizadas pela Embrapa.
Mobilizadores COEP – Em se tratando do Brasil, num cenário futuro, que áreas seriam mais comprometidas? Por quê?
R.: Eu diria que, ao longo do tempo, toda a agricultura do país necessitaria ir se adaptando. Com o aquecimento global, culturas agrícolas como o café, por exemplo, já estão migrando para regiões mais amenas, como o café, por exemplo. Ou então novas culturas mais adaptadas às novas condições podem ser incorporadas aos sistemas produtivos locais. Mas, acredito que o Semiárido – por já estar numa condição de temperaturas e déficits hídricos mais elevados e por serem estes os dois principais fatores que serão ainda agravados pelas futuras mudanças no clima, segundo as projeções – terá ainda menos opções de culturas e sistemas de produção agrícola do que hoje. É como no caso da mandioca que, embora tenha um aumento de área no resto do país, na região Nordeste teria sua área potencial de baixo risco reduzida. É o processo de aridização, ou intensificação da aridez, do “Semiárido”.
A Amazônia, nos cenários mais graves de aquecimento global, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também sofreria um processo de transformação para uma condição climática mais propícia ao desenvolvimento da vegetação de cerrado, o que alguns chamam de “savanização” da Amazônia. O problema ali não seria tanto pela falta de opções agrícolas, mas, sim, pela perda da biodiversidade e possibilidade de se encontrarem novos fármacos, novo genes, novas espécies, novos nichos e estruturas ecossistêmicas que nem imaginamos.
Além disso, por meio da circulação atmosférica continental, a Amazônia presta um serviço de regulação climática e fornecimento de umidade a toda a região centro sul do país, o que seria bastante afetado com esse processo de “savanização”.
Mobilizadores COEP – Como o tema agricultura e mudanças climáticas vem sendo tratado no cenário internacional? Quais as principais diretrizes apontadas pela COP 16?
R.: A agricultura sempre foi um tema de difícil solução no cenário internacional, pois, além de ser um sistema bastante complexo e diversificado e de difícil mensuração dos estoques, fluxos e emissões de GEE e permanência do carbono, é a base da economia de muitos países ou tem um grande peso na sua balança comercial.
Esse tema só foi incorporado com mais profundidade nas discussões de negociação entre os países na COP 15 em Copenhagen, onde se avançou bastante num entendimento inicial sobre a agricultura dentro do que se chama de abordagem setorial. Ainda na COP15, o Brasil levou uma proposta de redução de metas que envolvia quatro atividades de redução de emissões, especificamente relacionadas à agricultura, além de outras nas quais o setor agrícola teria forte contribuição. Essa proposta brasileira, incorporada internamente, já faz parte do plano setorial da Agricultura de Baixa Emissão do Carbono, divulgado pelo Ministério da Agricultura e que conta com forte participação da Embrapa.
Durante as reuniões preparatórias para a COP16 e na própria COP muito se discutiu e se avançou no texto sobre agricultura a ser incorporado no acordo de Cancún, porém, após alguns entraves ainda não solucionados (entre os países desenvolvidos, que viam alguns desdobramentos sobre os seus interesses comerciais no setor, e os em desenvolvimento, que procuravam se resguardar de possíveis futuras barreiras comerciais não-tarifárias), optou-se por não se apresentar o texto para a inclusão no acordo final de Cancún, e provavelmente ele será retomado no decorrer de 2011 até a próxima COP.
Além das negociações no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima da ONU, algumas alianças internacionais de pesquisa, envolvendo essa interação das mudanças climáticas e agricultura, vêm sendo estruturadas e, com certeza, permitirão o desenvolvimento e a disseminação científica no tema, espera-se, com pouca influência negativa da evolução das negociações políticas.
Mobilizadores COEP – Que pesquisas a Embrapa vem realizando para prever cenários futuros para os agrossistemas e ecossistemas naturais brasileiros e propor medidas de adaptação às mudanças climáticas?
R.: A Embrapa tem feito um grande investimento no entendimento das relações entre mudanças climáticas e agricultura, seja na coordenação da Rede Agrogases, focada na emissão de GEE na Agricultura; pela contratação, desde 2006, de pesquisadores focados especificamente nas subáreas desse tema; seja pela estruturação, desde de 2007, de uma Plataforma de Pesquisa em Mudanças Climáticas e Agricultura Tropical.
Essa plataforma se baseia em uma rede de pesquisa que vai além da Embrapa e inclui pesquisadores do Brasil todo que já vinham se envolvendo nas pesquisas sobre o Zoneamento Agrícola de Risco Climático e na definição de políticas públicas para a agricultura desde a década de 1990. Nos projetos de Zoneamento de Risco Climático, é que foram feitas as primeiras simulações de zoneamentos futuros desde o ano 2000. Já no final da década de 1990 e ao longo dos anos 2000, mais de 200 projetos da Embrapa, parcial ou integralmente, abordavam as principais linhas de pesquisa da que vieram a compor a Plataforma.
Hoje, essa Plataforma de Mudanças Climáticas se estrutura em projetos nacionais do MacroPrograma1 da Embrapa que buscam, por exemplo, o aprimoramento das Simulações de Cenários Agrícolas Futuros (Projeto SCAF) e a análise do efeito do clima sobre as Pragas, Doenças e Plantas Daninhas (Projeto Climapest). Além desses, três outros projetos MP1 estão sendo articulados e focam o balanço de carbono e emissões de gases de efeito estufa na pecuária, sistemas de produção de grãos e em florestas naturais ou plantadas. Um quarto projeto MP1 foca a relação entre os recursos hídricos a agricultura e as mudanças climáticas.
Vários outros projetos nos demais MacroProgramas da Embrapa focam outros temas específicos. Todos esses projetos têm como alvo final e mais aplicado a proposição de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas na agricultura e dar suporte à definição de políticas públicas, como já ocorreu na proposição de ações de Mitigação Apropriadas Nacionalmente (NAMAs), incorporadas na elaboração do Plano Setorial da Agricultura e no Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Programa ABC*) do Ministério da Agricultura.
*1 Os GEE são substâncias gasosas que absorvem parte da radiação infravermelha, emitida principalmente pela superfície terrestre, e dificultam seu escape para o espaço. Isso impede que ocorra uma perda de calor para o espaço, aquecendo a Terra. Dentre estes gases, podem-se citar o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).
*2 O plano ABC vai atender a um setor responsável diretamente por cerca de 20% das emissões brasileiras, além de colaborar indiretamente também com aproximadamente 60%, relacionados ao desmatamento. Com o programa, a agricultura deverá assumir quatro compromissos: plantio direto, integração lavoura-pecuária e/ou florestas, recuperação de solos e pastagens degradas e fixação biológica do nitrogênio.
Entrevista do grupo Combate à Fome e Segurança Alimentar
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo