Márcio Mattos de Mendonça, coordenador do programa Agricultura Urbana da Ong Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA)nos explica o que é a agricultura urbana, como ela é desenvolvida e seu potencial de proporcionar alimentação saudável e contribuir para a sustentabilidade das cidades. Segundo ele, a agricultura urbana promove laços de sociabilidade e elevação de auto-estima dos moradores das cidades, além de proporcionarem geração de renda.
Mobilizadores COEP – O que é agricultura urbana? O que a motiva e como ela está relacionada ao acelerado processo de urbanização registrado nos últimos 40 anos em todo o mundo?
R. Agricultura urbana é toda a prática da agricultura dentro das cidades. Inserem-se aí as atividades de cultivos de plantas alimentícias (sejam hortaliças, legumes e frutas); plantas medicinais e ornamentais; as criações de animais; a produção de insumos para a agricultura e pecuária nas cidades; o processamento e consumo dessa produção.
As motivações e funções para isso são diversas – o que nós costumamos chamar de multifuncionalidade da agricultura urbana. Faz parte da cultura de muitas pessoas, que moram na cidade, a prática da agricultura e o modo de vida rural. Essa é uma forma de manter vivas as tradições regionais e/ou familiares. A produção nas cidades cumpre uma função importante na economia para os/as agricultores/as envolvidos/as, seja na economia do deixar de gastar, seja na economia pela geração de renda. Além disso, a produção nas cidades tem gerado alimentos saudáveis, diversificando as dietas em comunidades de baixa renda. Para os governos locais e nacionais, a agricultura urbana pode cumprir também importante papel ambiental e social, recebendo mais investimentos de diferentes áreas de governo, como ministérios e secretarias de governo de assistência social e meio ambiente.
A agricultura urbana existe desde que existem cidades. A agricultura urbana existe desde que o ser humano passou a domesticar as plantas, trazendo aquelas plantas para perto de si. Com o crescimento das cidades e todo o processo de urbanização, a questão da agricultura urbana passa a se inserir na discussão da sustentabilidade das cidades.
Mobilizadores COEP – Onde e como a agricultura urbana é realizada? Qual o perfil das pessoas que a praticam? Que tipos de cultivos são mais comuns?
R. A agricultura urbana é praticada nos mais diversos espaços. Recentemente realizamos um diagnóstico sobre a agricultura urbana no Rio de Janeiro e entorno e encontramos diferentes agriculturas, realizadas em diferentes espaços. Latas, potes, recipientes reaproveitados, dispostos em quintais, sobre as lajes, em cima ou pregadas nos muros. Em quintais familiares, desde os muito pequenos até os maiores; em terrenos baldios, em quintais de igrejas, escolas, postos de saúde e outros espaços institucionais; e em áreas maiores, como pequenos sítios…
Os cultivos são muito diversificados. Costumamos dizer que as pessoas nas cidades não têm medo da biodiversidade. Nós achamos isso muito bom, porque a diversificação é um dos princípios mais importantes da agroecologia, para manter ambientes saudáveis. Exceção faz-se a projetos de agricultura urbana que desconsideram as experiências das pessoas moradoras das comunidades. Esses projetos são muito comuns, principalmente os de implantação de hortas comunitárias, que inibem a criatividade das pessoas, retardando as iniciativas espontâneas.
Os diagnósticos de realidade mostram dados interessantes: em comunidades onde residem muitas pessoas oriundas do Nordeste ou de Minas Gerais, por exemplo, as plantas típicas daquelas regiões aparecem bastante. Isso mostra que as pessoas trazem para dentro da cidade a cultura do seu local de origem. Essa é uma das grandes riquezas da agricultura urbana e é por isso que achamos péssima a idéia dos projetos que determinam o que deve ser plantado nos quintais e principalmente nas hortas comunitárias; quem deve determinar isso são os próprios moradores. Um fato comum na maioria das comunidades é a presença de plantas de uso medicinal e o conhecimento sobre o preparo de remédios caseiros, o que representa também a resistência da cultura tradicional do povo brasileiro.
As mulheres vêm demonstrando grande interesse nessas práticas. Nos grupos com quem trabalhamos, elas são mais de 80 % das participantes. Ainda estamos para fazer uma análise deste fato, mas percebemos que as mulheres assumem para si, muito mais do que os homens, a responsabilidade do cuidado das famílias.
Mobilizadores COEP – De que forma a agricultura urbana está relacionada com a questão da segurança alimentar?
R. A agricultura está sempre relacionada com a segurança alimentar das famílias que a praticam. No caso da agricultura urbana, na realidade em que nós da AS-PTA trabalhamos ? comunidades de baixa renda ? essas práticas vêm cumprindo uma função muito importante de incremento, em termos quantitativos e qualitativos, nas dietas das famílias. Além disso, a agricultura urbana promove laços de sociabilidade e elevação de auto-estima, elementos fundamentais também para a garantia da segurança alimentar. Outro elemento importante é a geração de renda promovida pela prática. Todos esses fatores relacionam-se com a melhoria da qualidade de vida nas comunidades, elementos imprescindíveis para a garantia da segurança alimentar num conceito amplo. Outro aspecto a ser considerado é a possibilidade de produção de alimentos orgânicos, disponibilizados para camadas da sociedade que não teriam acesso não fosse através dessa prática.
Mobilizadores COEP – Que contribuições a agricultura urbana traz para a cidade, seus habitantes e para o meio ambiente e quais os principais problemas enfrentados?
R. A sociedade precisa se repensar. É preciso repensar as cidades. É preciso repensar as cadeias produtivas relacionadas à produção e consumo de alimentos pelos moradores das cidades. É preciso repensar o ambiente cidade. Embutido nessa discussão está o papel da agricultura urbana na cidade que queremos. Numa cidade sustentável a agricultura colabora para uma alimentação saudável, para que as pessoas mantenham outras relações com os elementos da natureza (terra, chuva, sol, luz, plantas e animais). Em uma cidade saudável, a agricultura urbana colabora para a manutenção de relações de trocas entre vizinhanças, colabora para a manutenção da saúde através da disponibilização de plantas medicinais. Os problemas enfrentados são de diversas ordens, uma vez que as cidades estão cada vez mais caóticas: violência, politicagem, fome, miséria, desemprego, poluição, perda de cultura…
Mobilizadores COEP – O que diferencia a agricultura urbana da agricultura rural? Cite exemplos.
R. Uma das características que diferencia a agricultura urbana é o modo de vida das pessoas que a praticam, que estabelece uma relação mais próxima com o modo de vida urbano. Isso diz respeito aos horários, à cultura, ao entendimento dos ciclos da natureza, à geração de renda. Outra característica diferencial bastante marcada são os laços de sociabilidade estabelecidos pelos praticantes da agricultura urbana. As organizações sociais no meio urbano são outras e estabelecem agendas próprias do meio urbano, enquanto no meio rural, as questões relacionadas à agricultura se sobressaem. Para exemplificar, deixando mais claro, no meio rural encontramos associações de agricultores, sindicatos de trabalhadores rurais, que pautam no seu cotidiano as questões relacionadas à saúde do trabalhador rural, financiamento da produção, conflitos fundiários, técnicas agrícolas, entre tantas outras questões eminentemente rurais. Já no meio urbano, tanto associações, como igrejas, grupos comunitários etc. inserem em suas agendas questões relacionadas ao transporte urbano, à violência urbana, ao desemprego urbano… questões que na maioria das vezes (obviamente) não dizem respeito às práticas agrícolas.
Mobilizadores COEP – Existem diferenças entre agricultura familiar e/ou comunitária em áreas urbanas e a agricultura urbana? Quais? R. O diagnóstico que fizemos para tipificação da agricultura urbana no Rio de Janeiro e entorno revelou que existem diferentes tipos de agricultura urbana. Consideramos desde a agricultura intra-urbana em potes e latas, áreas sem solo, até a ?agricultura rural? dentro da cidade, que seria o que você está chamando de agricultura familiar em área urbana. Aqui no Rio de Janeiro o que predomina é a agricultura em quintais urbanos. Infelizmente, esse tipo fica oculto nos levantamentos agrícolas. Só para você ter uma idéia, fizemos uma pesquisa em uma comunidade que possui aproximadamente 1500 lotes e encontramos em torno de 150 iniciativas espontâneas de agricultura nos quintais. Essa é uma realidade encontrada na grande maioria das comunidades em que atuamos. Por outro lado, hortas comunitárias são praticamente inexistentes de maneira espontânea. Isso significa que não é o natural das pessoas fazerem. Se não é o natural, é necessário muito cuidado ao incentivar esse tipo de prática, para que ela tenha sustentabilidade. Infelizmente o que vemos na maioria dos projetos de incentivos a hortas comunitárias é o puro interesse eleitoreiro dos mesmos. Combatemos ferrenhamente essa idéia.
Mobilizadores COEP – O que motivou a criação do programa de agricultura urbana da AS-PTA?
R. Eu diria que foram dois motivos: pressão dos parceiros da AS-PTA e inquietação interna da instituição sobre o papel e a capacidade de se praticar agroecologia na cidade, de maneira participativa. Pressão dos parceiros porque a AS-PTA tem tradição de articulação em rede com outras organizações do meio rural na busca de construir métodos para que um outro modelo de agricultura se implemente no Brasil. Modelo este que repense os paradigmas da sustentabilidade da vida no campo e na cidade. Justamente por não possuir experiência até então no meio urbano, é que a AS-PTA aceitou o desafio de iniciar esse programa de agricultura urbana, buscando adaptar os métodos participativos e o enfoque agroecológico.
Mobilizadores COEP – Há quanto tempo e onde o programa é realizado e quais seus objetivos?
R.Iniciamos em outubro de 1999, em 4 comunidades da zona Oeste do Rio de Janeiro (Vilar Carioca, Vila Esperança, Loteamento Ana Gonzaga e Cantagalo, todas elas nos bairros de Campo Grande e Inhoaíba) . Atualmente trabalhamos em mais de 40 comunidades, principalmente na zona oeste do município do Rio de Janeiro. As principais ações ocorrem nos bairros de Inhoaíba, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba, Sepetiba.
Os nossos principais objetivos relacionam-se com a melhoria da qualidade de vida das populações envolvidas com o programa, através da prática da agricultura urbana, de maneira a gerar referências metodológicas que possam ser adaptadas a outras regiões e contextos sociais.
Mobilizadores COEP – Quais as características das comunidades envolvidas no projeto?
R. O programa é desenvolvido em comunidades de baixa renda. Atualmente, são mais de 40 comunidades que vivem situações de violência, fome, desemprego, e falta de ocupação produtiva para crianças e adolescentes. Em muitas delas há falta de saneamento básico e água. Nessa realidade, as pessoas encontram-se com a auto-estima muito afetada. Para piorar a situação, existem inúmeras iniciativas assistencialistas e caciques eleitoreiros dominando a região.
Mobilizadores COEP – Você poderia relatar as principais mudanças identificadas nas comunidades após a implantação do programa?
R. Se eu tivesse que eleger um benefício que essa iniciativa vem promovendo na região, eu diria que está no resgate da cultura e fortalecimento da auto-estima. A partir daí, os outros benefícios são percebidos: melhorias na alimentação, mobilização comunitária, etc.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades que o programa encontrou?
R. Em primeiro lugar, conhecer o meio urbano e as conformações sociais existentes. Depois disso, lidar com os programas assistencialistas e clientelistas existentes na região. A violência também é um fator que interfere negativamente. É necessário que haja mais fóruns para a discussão destas e outras questões relacionadas à agricultura urbana e à cidade que desejamos. Se alguém desejar mais informações, entre em contato pelo e mail.
Entrevistaconcedida à: Marize Schicanel Chicanel
Edição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
É uma opção interessante. Considerando que muitas pessoas se mudaram do meio rural para as cidades. E o fato de que muitos não tem condições de se alimentar adequadamente. Mesmo com um pequeno espaço, muito pode ser feito. Gostaria de saber se existe algum trabalho para São Paulo e a possibilidade de divulgar entre outras redes
Abraços
Excelente matéria, adorei. Em comunidades de baixa renda, onde o espaço para a a agricultura urbana é muito pequeno, pode-se trabalhar a solidariedade, vejo uma grande oportunidade de um trabalho educativo, não só no plantio, mas na educação para a boa alimentação. Parabéns pela matéria
Fiquei bastante interessada em saber mais sobre o programa. Sabemos que na grande maioria dos bairros periféricos das cidades várias comunidades vivem em vulnerabilidade social, precisamos resgatar a auto estima e dignidade dessa população.
Ok Gerdalva,
para maiores informações sobre o programa de agricultura urbana da AS-PTA, entre em contato conosco através do email:urbana@aspta.org.br
Abraços, Marcio
Flavia Loureiro,
no início deste ano foi realizada uma pesquisa nacional sobre agricultura urbana e periurbana em diversas capitais do país, coordenada pela ONG Rede de Intercâmbio, de Minas Gerais, numa parceria com o Ministério do desenvolvimento Social e Combate à fome (MDS). Aquí no Rio de Janeiro nós da AS-PTA fomos os responsáveis pela condução da pesquisa. Em São Paulo quem coordenou e pode te passar informações foi o pessoal do Instituto Kairós. O contato da pessoa responsável (Ana Flavia) é: anaflaviab@terra.com.br
Abraços, Marcio
Maravilhosa matéria, principalmente para quem atua no meio rural como urbano.
Abraços, Sandra Barbosa
A terra é uma riqueza inesgotável que o Homem precisa cultivar…aprender a gerar alimento, plantar, colher…tudo é fonte de riqueza. O lixo em sua maioria não é algo imprestável… Ninguém passará fome se tiver boa vontade, interesse e educação ambiental… O ser humano desconhece a rriqueza que tem nas mãos e sob os próprios pés.
Muito boa a matéria, proporcionando mais opção para a melhoria da alimentação da população mais pobre. Parabéns pela entrevista.
Acredito sumariamente em resultados positivos com a Agriculturas urbana, vejo neste projeto dois focos de extrema importancia, primeiro educativo. levar as familias de baixa renda nas periferias das cidades o conhecimento das tecnicas de como é produzido os alimentos de um modo em geral, por outro lado veja o segundo a questão do reforço alimentar, onde ele próprio vai gerar uma complentação para auxiliar na alimentação de sua familia, e diminuindo o tempo vasio dos membros da familia.
Estes projetos são super importantes para as comunidades. Aqui em Belo Horizonte, nós da AAC estamos em parceria com a Associação Comunitária dos Moradores da Vila Santana do Cafezal – Aglomerado da Serra, e desenvolvemos ações para reestruturação da horta, além de estarmos todos envolvidos com a AMAU – Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana. Além de orientarmos os participantes nos conceitos da agroecologia, a auto-estima dos participantes está em altíssimo nível. Vale a pena!