O Projeto Mulheres do Campo visa aumentar a participação efetiva e autônoma das trabalhadoras rurais da Amazônia em processos de produção e espaços políticos. A agroecologia é base de suas ações, com valorização e diversificação da produção regional para garantia da segurança alimentar e saúde das agricultoras familiares e suas famílias.
A iniciativa é realizada pela Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (Apacc), em parceria com o Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA) e Ong Pão para o Mundo. Conta com o co-financiamento da União Européia.
Nesta entrevista, Daltro Paiva, coordenador executivo da Apacc, explica como vem sendo realizado o projeto, que começou a ser executado em 2010, e já atinge 19 municípios do nordeste paraense.
Rede Mobilizadores – Quais os principais desafios enfrentados pelas populações tradicionais da Amazônia?
R.: Dependendo do foco e leitura da realidade, os desafios se multiplicam, mas aponto dois que considero estratégicos: a homogeneização das práticas alimentares e o avanço do agronegócio sobre estas populações, pressionando suas práticas de cultivos de alimentos e suas áreas plantadas.
Em relação ao primeiro desafio temos visto mudanças radicais nas práticas alimentares destas comunidades, com a substituição de alimentos milenares por novas formas de alimentação, especialmente com o consumo de alimentos industrializados.
Já o segundo desafio relaciona-se às opções que o Estado brasileiro tem feito para inserir a região como produtora de agrocombustíveis e commodities no mercado internacional, apresentando tais opções como as “salvadoras da pátria” para a agricultura familiar, no sentido de inserir estas populações em tal lógica. Ainda que o discurso seja de que não haverá impactos sobre as áreas cultivadas de alimentos, não é isso que se tem constatado na prática.
Rede Mobilizadores – Neste sentido, como a agroecologia pode contribuir não só para garantir o direito à alimentação a estas populações, mas também para seu fortalecimento e para o desenvolvimento regional?
R.: As propostas agroecológicas são justamente o contraponto destas opções pelo agronegócio. As práticas agroecológicas asseguram a produção de alimentos com qualidade e diversidade, fortalecendo os saberes e conhecimentos das comunidades tradicionais, povos originários e populações agroextrativistas. Assim, estamos falando de uma dinâmica de desenvolvimento que articula a intervenção humana com o respeito à natureza, porque porque o ser humano se reconhece como parte dela e não como aquele que simplesmente deve explorá-la.
Rede Mobilizadores – Nesta perspectiva, quais os principais objetivos do projeto Mulheres do Campo?
R.: O projeto Mulheres do Campo foi elaborado em 2009 e começou a ser executado em 2010. A proposta é que, até o final de seu período de implementação [três anos], ao menos 175 mil pessoas dos seis estados da região Norte brasileira sejam beneficiadas, ainda que indiretamente, pelas ações do projeto que vêm sendo desenvolvidas em 19 municípios do nordeste paraense. Seja nos processos políticos, seja na produção, beneficiamento e comercialização de seus produtos agroecológicos.
O projeto é executado pela Apacc, em parceria com o Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA) e a Ong Pão para o Mundo (PPM), e co-financiado pela União Européia.
Rede Mobilizadores – Por que o projeto é voltado às mulheres trabalhadoras rurais da região? Quais as principais atividades produtivas destas mulheres?
R.: Porque as mulheres no meio rural vivem uma situação ambígua. Elas são as principais responsáveis pela segurança alimentar de suas famílias e ao mesmo tempo são elas que correm o maior risco de insegurança alimentar. Estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostram que são as mulheres as que vivem em situação de fome, especialmente nas comunidades rurais.
No caso do nordeste paraense, o diagnóstico inicial do projeto apresentou um dado desafiador: embora as mulheres e suas famílias estejam produzindo alimentos de qualidade, consomem alimentos industrializados e de baixo valor nutricional, pois sua produção se destina à comercialização.
Quanto às atividades produtivas destas mulheres, o foco maior é na fruticultura, mandiocultura, produção de mel, beneficiamento de polpas de frutas e no artesanato.
Rede Mobilizadores – No escopo de suas ações, a iniciativa considera as alterações climáticas na região?
R.: Tendo em conta que a metodologia de projeto exige um recorte, foram considerados os processos que impactam o solo na região – como o uso de fogo para o preparo da terra, o avanço das áreas plantadas sobre as matas ciliares e o uso de insumos químicos para o combate a parasitas e outras fitopatologias – e, consequentemente, alterações do clima. Assim, ao articular os eixos da Agroecologia, Gênero e Segurança Alimentar, o projeto também promove o enfrentamento às mudanças climáticas.
Rede Mobilizadores – Atualmente, quantas trabalhadoras rurais estão envolvidas na iniciativa?
R.: A meta inicial do projeto foi de atender 1.400 mulheres. No entanto, percebeu-se que a meta foi super estimada, tendo em visa o prazo do projeto. Sendo assim, atualmente estamos atendendo 800 mulheres, em 19 municípios paraenses.
O projeto já atua de forma articulada com outros estados, pois atende às organizações que compõem a Articulação Nacional de Agroecologia na região Amazônica. Hoje, estão participando do projeto os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão e Tocantins.
Rede Mobilizadores – De que forma as trabalhadoras rurais são sensibilizadas e mobilizadas para participarem do projeto?
R.: O principal instrumento é a nucleação em grupos, os quais são organizados nas comunidades em que estas mulheres se inserem. Portanto, parte-se das diversas formas de organização já existentes e com estas organizações se desenvolvem as atividades.
Rede Mobilizadores – Quais as principais ações já realizadas pela iniciativa?
R.: O primeiro ano do projeto foi dedicado ao diagnóstico, resultando em macro indicadores da situação da mulher do nordeste paraense, os quais podem ser acessados no blog do projeto (mulheresdocampo.blogspot.com.br).
O segundo ano, que finalizamos em março/2012, foi de intensificação das ações de campo, entre as quais destacamos a realização de quatro feiras intermunicipais, a ação política articulada com outras organizações que resultou na apresentação de quatro documentos reivindicatórios sobre políticas públicas para mulheres e a elaboração de cinco projetos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e um para a instalação de uma minifábrica de beneficiamento de frutas.
Rede Mobilizadores – De que forma o projeto estimula o trabalho coletivo, mutirões, troca de informações entre as trabalhadoras envolvidas?
R.: O projeto reforça as práticas coletivas que já estão presentes nas comunidades, as quais vão desde a definição dos projetos produtivos até a capacitação para o acesso ao mercado institucional (fomentado pelo PAA e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE).
Destaca-se a capacitação em métodos de construção dos conhecimentos agroecológicos, nos quais as agricultoras e agricultores familiares são os agentes educativos e por isso mesmo atuam como multiplicadores/as destes conhecimentos por meio de atividades em suas comunidades e até mesmo fora delas (visitas de campo, mutirões, oficinas comunitárias, etc). Até o momento, já foram realizadas 33 atividades deste tipo, alcançando 536 pessoas.
Entrevista do Grupo Geração de Trabalho e Renda
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo