De acordo com Ana Lúcia Fittipaldi, nutricionista do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, associada ao COEP, o maior desafio na nutrição infantil hoje, no Brasil, é estimular o aleitamento materno exclusivo e a alimentação complementar, considerados intervenções fundamentais para diminuir o número de morte de crianças com menos de 5 anos.
Nesta entrevista, Ana Lúcia também explica como funciona a Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (Enpacs), instrumento que visa fortalecer as ações de apoio e promoção à alimentação complementar saudável no Sistema único de Saúde (SUS).
Mobilizadores COEP – Quantas crianças com menos de 5 anos morrem hoje no país? Quais as principais causas desta mortalidade e quais as regiões mais afetadas?
R.: A mortalidade entre crianças menores de cinco anos no Brasil caiu de 52,01 mortes por mil nascidos vivos em 1990 para 22,58 em 2009. A região Nordeste é a região com o maior índice de mortalidade infantil, seguida da região Norte e Centro-Oeste. Houve uma mudança nas causas de mortalidade infantil relacionada à melhoria da saúde das crianças a partir de ações de prevenção por meio de vacinação, combate à desnutrição e diarréias agudas. Na década de 80, as mortes estavam mais relacionadas com as doenças infecciosas(infectocontagiosas) e atualmente crescem as causas relacionadas a problemas durante a gravidez, parto e nascimento.
Mobilizadores COEP – Por que a nutrição infantil é um desafio para a saúde pública no Brasil?
R.: As alterações na saúde durante a infância são responsáveis por graves consequências tanto na própria infância quanto na fase adulta. Consideramos que, atualmente, o maior desafio na nutrição infantil está focalizado no aleitamento materno exclusivo e na alimentação complementar (introdução de alimentos com a finalidade de complementar o leite materno a partir dos seis meses de vida), uma vez que estão diretamente relacionados com a saúde infantil.
Apesar das ações que já foram implementadas pelo Ministério da Saúde para promoção e proteção do aleitamento materno, dados de pesquisas mostram que a prevalência de aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida ainda está abaixo do preconizado. Assim, é preciso um esforço coletivo intersetorial para estimular o aleitamento materno exclusivo, promover condições mínimas para que a mulher possa amamentar de forma segura e adequada e promover a alimentação complementar saudável.
Mobilizadores COEP – Quais as estratégias de intervenção nutricional mais importantes para a redução da mortalidade em crianças menores de 5 anos no país? Quais delas já estão em vigor?
R.: Algumas ações em vigor no país são importantes na redução da mortalidade infantil como um todo: promoção e proteção ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida; aumento do acesso ao pré-natal; aumento da cobertura vacinal; Programa Nacional de Suplementação de ferro e de vitamina A; e, mais recentemente, a Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (Enpacs).
Um estudo do Ministério da Saúde feito em 2006 mostrou que a implantação da Estratégia da Saúde da Família teve impacto significativo na redução da mortalidade infantil. Para cada aumento de 10% de territórios acompanhados pela Estratégia da Saúde da Família houve queda da mortalidade infantil em 4,5%. Em 2008, o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) reconheceu a Estratégia da Saúde da Família como uma das principais políticas responsáveis pela redução da mortalidade infantil no país.
Mobilizadores COEP – Em que consiste a Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (Enpacs)? Por quem foi elaborada? Quais seus principais objetivos?
R.: Consiste em um instrumento para fortalecer as ações de apoio e promoção à alimentação complementar saudável no Sistema único de Saúde (SUS). Foi proposta pelo Ministério da Saúde por meio da Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição (CGPAN) em parceria com a Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN Brasil), a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Departamento de Atenção Básica, do Programa Saúde da Família/Ministério da Saúde.
O principal objetivo da Enpacs é incentivar a orientação da alimentação complementar como atividade de rotina nos serviços de saúde, estimulando a formação de hábitos alimentares saudáveis desde a infância, com introdução da alimentação complementar ao leite materno de qualidade, no momento oportuno, respeitando a diversidade cultural e alimentar das regiões brasileiras.
Mobilizadores COEP – A Enpacs será implementada em todo o país? De que forma?
R.: Sim, o objetivo é que seja implementada em todo o país. A implementação será em etapas: realização de oficinas para formação de tutores da Enpacs dirigidas aos profissionais das Unidades de Atenção à Saúde; sensibilização dos gestores estaduais e municipais para implantação da Enpacs; sensibilização e mobilização dos profissionais de saúde; divulgação dos materiais de apoio elaborados pelo Ministério da Saúde; acompanhamento da implantação da estratégia nos estados e municípios através de indicadores previamente definidos; monitoramento e avaliação da implantação da Enpacs através de sistemas de informação.
Mobilizadores COEP – Que ações estão sendo ou vão ser empreendidas para mobilizar a população?
R.: Através da implantação da Enpacs nos estados e municípios, espera-se que as Unidades de Saúde, principalmente através dos profissionais da Estratégia da Saúde da Família, desenvolvam ações que visem orientar a população sobre a maneira correta de introduzir novos alimentos, para que complementem o leite materno de forma adequada e saudável, a partir dos seis meses de vida.
Mobilizadores COEP – Qual o papel dos profissionais de saúde no incentivo ao aleitamento materno, principalmente em comunidades de baixa renda?
R.: O profissional de saúde é um ator fundamental na promoção do aleitamento materno exclusivo, principalmente os profissionais da Atenção Básica*1, que acompanham a mãe no pré-natal e nos primeiros quinze dias de vida da criança (período considerado crítico para o sucesso do aleitamento materno). É importante que o profissional de saúde saiba orientar a mãe sobre a importância do leite materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida e apresentar propostas para vencer as dificuldades mais comuns que aparecem nesse momento, tornando a mãe mais segura sobre a sua capacidade de amamentar.
Entre as comunidades de baixa renda essas informações são vitais, uma vez que a alimentação inadequada na infância está relacionada com o aumento de doenças, principalmente infecciosas, desnutrição, excesso de peso, e carências de nutrientes como ferro, zinco e vitamina A. O leite materno evita o aparecimento dessas doenças e, além disso, é de graça, não gerando um custo adicional às famílias que já vivem com poucos recursos.
Mobilizadores COEP – Como os profissionais de saúde estão sendo capacitados para atuarem com a nova estratégia e multiplicarem seu conhecimento?
R.: Através de Oficinas para formação de tutores da Enpacs, que irão capacitar multiplicadores da estratégia para atuarem nos estados e municípios.
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*1 Atenção Básica – A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde.Entrevista do Grupo Promoção da SaúdeConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo