A imagem é comum: garrafas PET se acumulando em cursos d’água e em lugares inapropriados. Tartarugas morrendo asfixiadas com sacolas plásticas soltas em alto mar. Talvez, por esses e outros motivos, o plástico é frequentemente visto como o grande vilão do meio ambiente. E ele não é?
De acordo com o pesquisador José Carlos Pinto, professor do Programa de Engenharia Química (PEQ) e coordenador do Laboratório de Engenharia de Polimerização da Coppe/UFRJ, um especialista quando se fala em polímeros, não. De acordo com ele, “quando a sociedade descarta os rejeitos plásticos como lixo, ela demonstra estar deseducada e desinformada, pois todo material plástico é potencialmente reciclável e reutilizável. Portanto, não faz sentido jogar plástico fora”.
Nessa entrevista, José Carlos derruba diversos mitos atribuídos aos materiais plásticos e enumera uma série de vantagens que esses materiais oferecem à sociedade e que explicam o êxito de seu emprego nos dias de hoje. Para ele, tratar plástico como lixo é um grande equívoco e a sociedade precisa ampliar o debate acerca do uso, reuso e reciclagem dos plásticos e no desenvolvimento de políticas públicas e ambientais consistentes para o setor.
Rede Mobilizadores – Os plásticos, muito presentes na composição de diversos materiais e também nas embalagens, são imprescindíveis para a nossa sociedade atualmente? Por quê? Poderia citar as vantagens e desvantagens da escolha do plástico como material de embalagens?
R.: Afirmo com toda convicção que os plásticos são insubstituíveis, absolutamente necessários e fazem parte do conforto e do grau de tecnologia que a sociedade atingiu atualmente. Eles têm dezenas de aplicações e são amplamente utilizados na medicina, por exemplo, com as luvas descartáveis, e na indústria, com as embalagens. No campo particular das embalagens e do reuso, os plásticos são imbatíveis e as vantagens da utilização deste material são inúmeras.
Plásticos são leves, ao contrário dos vidros, cerâmicas e metais, permitindo o transporte de carga com menos consumo de combustível e, portanto, menos impacto ambiental. Plásticos são resistentes, o que não acontece com a maior parte dos papéis, vidros e cerâmicas. Plásticos não se decompõem na prateleira, quando acondicionados em ambientes pouco agressivos, como vemos com as latas e os papéis. E, muito importante, os processos que produzem plásticos em geral requerem relativamente pouca energia e são pouco poluentes, ao contrário da indústria de latas, vidros e cerâmicas, estas grandes consumidoras de energia, e da indústria de papel, grande geradora de resíduos poluentes. Em outras palavras, a produção e o uso de plásticos é ambientalmente benéfica, pois o saldo ambiental é positivo, ao contrário do que o senso comum parece acreditar.
Como desvantagem, sua utilização em algumas aplicações não é adequada, como no caso em que se trabalha com altas temperaturas, por exemplo, em utensílios utilizados na cozinha, em fogões e em fornos microondas.
Rede Mobilizadores – Como é o processo para a produção de plásticos? Qual sua diferença em relação à produção de outros materiais utilizados em embalagens, como papel, latas, vidros e cerâmicas?
R.: As diferenças na produção de materiais plásticos são muitas, considerando-se o ponto de vista técnico. A produção de plásticos tem como matéria-prima o petróleo e consome relativamente pouca energia, se comparada com a fabricação de outros materiais como alumínio, vidros, que necessitam de um aquecimento absurdo para seu processamento. Alumínios e vidros têm como matéria-prima fontes minerais e seu processamento e purificação requerem um alto consumo de energia elétrica, às vezes, superiores ao consumo de cidades. Além disso, a quantidade de resíduo gerado na sua produção é mínima, ao contrário da fabricação de papel, por exemplo, que gera enorme quantidade de resíduo tóxico, muitas vezes descartado diretamente no meio ambiente.
Rede Mobilizadores – Considera um equívoco atribuir ao plástico o papel de vilão do meio ambiente? Por quê?
R.: É um equívoco acreditar que o plástico é o vilão do meio ambiente. A poluição visual causada pelos materiais plásticos descartados incorretamente na natureza leva grande parte das pessoas a acreditar que ele é o grande vilão ambiental. Mas, é equivocado tratar o material plástico como lixo – plástico deve ser tratado como matéria-prima. Todo material plástico, e é importante frisar que todo, é potencialmente reciclável e reutilizável. Países como Japão e Alemanha reciclam 100% do plástico, mas são países que têm limitações de espaço, de matéria-prima e usam esta limitação a seu favor. Portanto, não faz sentido jogar plástico fora. Quando a sociedade descarta os rejeitos plásticos como lixo, ela demonstra estar deseducada e desinformada.
Parece-me que o grande problema, neste caso, é com relação ao seu descarte incorreto na natureza. Os plásticos não devem chegar até os rios, o correto seria estimular o uso, reuso e a reciclagem.
Rede Mobilizadores – Saberia dizer qual o percentual de lixo gerado pelo descarte de material plástico? É correto afirmar que eles são causadores de enchentes e do assoreamento dos rios?
R.: Os estudos científicos mais confiáveis sugerem um percentual de 10% de resíduos plásticos entre todo o material descartado em lixões e aterros sanitários. Esses dados apontam uma média nacional, tendo variações regionais. Portanto, boa parte do lixo gerado no país é de origem orgânica.
Não acredito que os plásticos sejam os causadores de enchentes e do assoreamento dos rios. Mesmo porque, como vimos, plásticos são leves e boiam. Acredito sim que eles podem contribuir para este panorama, mas é injusto afirmar que são a causa.
Os causadores de enchentes e assoreamento dos rios são a ocupação desordenada das margens dos rios e encostas, fazendo com que a água das chuvas escorra pelo asfalto e não mais seja absorvida; a impermeabilização dos solos com o asfaltamento e a cimentação das ruas; e o lixo orgânico gerado pelo acúmulo de folhas e pelo descarte incorreto de materiais, sejam eles orgânicos ou não.
Rede Mobilizadores – A proibição das sacolas plásticas nos supermercados de algumas cidades brasileiras gerou muito debate. O que você acha dessa medida?
R.: Essa é uma decisão absurda, tecnicamente pouco embasada e, mais importante, uma decisão política, que tem por trás a atuação de lobbies e de grandes corporações, a quem não interessa investir na reciclagem deste tipo de material.
Há muito se fala na proibição das sacolas plásticas, atribuindo-lhes todo o mal gerado ao meio ambiente. Obrigar os estabelecimentos comerciais a utilizarem sacolas plásticas oxibiodegradáveis não faz sentido, já que em sua composição este tipo de plástico leva catalisadores baseados em metais pesados, que são usados para promover a decomposição dos plásticos que constituem as sacolas, gerando resíduos potencialmente muito mais prejudiciais ao ambiente do que os materiais originais que os geraram.
O que devemos considerar, neste caso, são técnicas para otimizar o uso de embalagens comerciais e os materiais que podem ser usados para fabricar embalagens. Simplesmente porque não é possível transportar produtos de um lugar para o outro, se estes não estiverem de alguma forma embalados e acondicionados. Nesse campo, o reuso e a reciclagem parece ser fundamentais. Aliás, quando se sugere a uma dona de casa que ela leve para a feira a sua própria bolsa, sugere-se na verdade o reuso da embalagem e não o banimento do material plástico que faz a bolsa. A questão relevante não é o banimento da embalagem, mas o incentivo ao reuso.
Rede Mobilizadores – Por que afirma que ser biodegradável não é necessariamente bom? Quais as implicações de uma sacola biodegradável, por exemplo? Poderia explicar como funciona esse processo?
R.: A biodegradabilidade é considerada por muitos como uma qualidade dos materiais, porque parece mesmo ecologicamente correto que os materiais possam ser reciclados naturalmente no meio ambiente. No entanto, essa é uma crença que não pode ser suportada por argumentação técnica mais profunda. Alguém se incomoda com o fato das chuvas não dissolverem as paredes de prédios, as calçadas e as vias de circulação? Portanto, ser biodegradável não é necessariamente bom.
Biodegradar não significa sumir e ser agregado à natureza. Significa transformar uma coisa em outra e, no caso dos plásticos, as toxinas geradas pela sua decomposição são altamente prejudiciais ao meio ambiente.
É importante que se perceba que, se o material plástico se degradasse, como os alimentos e dejetos orgânicos, o material resultante da degradação, por exemplo metano e gás carbônico, iria parar na atmosfera e nos mananciais, contribuindo sobremaneira com o aquecimento global e com a degradação da qualidade das águas e dos solos.
Além disso, exatamente porque os plásticos não se degradam facilmente é que é possível utilizá-los muitas vezes, em diferentes aplicações.
Rede Mobilizadores – Você afirma que os materiais plásticos têm um problema de imagem. Por quê? O que fazer para mudar isso?
R.: O debate sobre o que fazer com os rejeitos plásticos gerados pela sociedade moderna ainda não atingiu o estágio de debate técnico maduro, estando contaminado por preconceitos que caracterizam o que eu chamo de “problema de imagem“. Sim, os plásticos sofrem de problema de imagem e a desinformação a esse respeito me parece a grande questão.
Acredito que o estado poderia tratar das políticas de educação ambiental e de reciclagem e reuso dos materiais plásticos, em vez de querer dissolvê-los no ambiente. Isso não apenas tornaria possível a redução dos lançamentos de materiais nos cursos d’água, mas também resultaria em uso mais eficiente das frações de petróleo que geram o plástico, com óbvia sinergia com as políticas de proteção do ambiente. Para isso, poderia começar com uma campanha publicitária incentivando a população a fazer coleta seletiva do lixo e reciclar o material plástico.
Rede Mobilizadores – Com o uso, reuso e reciclagem de materiais plásticos, quais as vantagens que se têm? E as desvantagens?
R.: Com o reuso de materiais plásticos, temos como benefícios a economia de matéria prima, a redução no consumo de energia e a redução de resíduos em aterros. A grande vantagem do plástico está justamente na possibilidade de uso, reuso e reciclagem, reduzindo enormemente os impactos causados ao meio ambiente.
A desvantagem em se reciclar plásticos está na perda de propriedades, digamos, originais, à medida que o processo de reciclagem se repete. Nenhum material nesse ponto é perfeito, todos têm suas perdas quando são reciclados.
Mas ainda assim é muito vantajosa a reciclagem deste material, basta que as aplicações sejam observadas. Por exemplo, uma garrafa PET pode ser transformada em fibras de tecido ou solas de sapato e, nesse caso, mudou-se apenas a forma de apresentação. Em alguns casos, o plástico pode ser decomposto e voltar à cadeia produtiva como combustível. A pior das soluções é ser largado no meio ambiente.
Rede Mobilizadores – Um dos problemas da coleta de embalagens plásticas para reciclagem é o grande volume que geram. Um quilo de latinhas é bem mais fácil de ser acondicionada e carregada por um catador de recicláveis do que a mesma quantidade de plástico. Como solucionar esta questão?
R.: A lógica da reciclagem para os plásticos não pode ser a mesma já utilizada para os alumínios, por exemplo. Para vender o que coleta, um catador se vale do peso dos materiais. Assim, quanto mais pesado, mais vale o material coletado. No caso dos plásticos, que apresentam maior volume e pouco peso, esta lógica não é rentável. É óbvio que o mercado de plásticos não vai fazer isso sozinho, porque as empresas ganham mais dinheiro fazendo e vendendo mais plásticos. O Governo Federal tem aqui importante papel a executar, como regulador das políticas de reciclagem e reutilização de materiais plásticos. As empresas têm o compromisso de estimular a coleta deste material e realizar a logística reversa, mais ainda não o fazem. Neste caso, as cooperativas de catadores podem desempenhar um papel fundamental.
Entrevista para o Eixo de Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidades
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araújo