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Quais as principais dificuldades por que passam os pequenos produtores rurais na hora de comercializarem seus produtos? De que forma podem se unir para vencer estes obstáculos? Até que ponto a qualidade dos produtos interfere no processo de comercialização? Como eliminar o papel do atravessador? Estas e outras perguntas são respondidas por Ricardo Costa e Terezinha Pimenta, da Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa (Capina), entidade que presta assessoria nos campos de gestão da produção, comercialização e educação para o trabalho.
Foto: Ricardo Costa e Terezinha Pimenta
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades enfrentadas, hoje, pelo pequeno produtor brasileiro?
R.: São muitas e de diversas naturezas. Aquelas relacionadas à necessidade de criação e/ou adaptação da legislação vigente, e mesmo de criação de políticas públicas específicas, estão fora de sua governabilidade individual, dependem de ações coletivas, e, em alguns casos, de estudos mais aprofundados que permitam formular propostas que sejam realmente adequadas à realidade e aos interesses dos pequenos produtores brasileiros.
Mas há também as dificuldades sobre as quais podemos ajudar os produtores a tomar iniciativas no sentido de começar a superá-las. Ainda é frequente entre os grupos de produção, sejam da cidade ou do campo, a visão de que o que importa é a produção: trabalhar é produzir. A venda é para ser cuidada depois de o produto estar pronto. Isso era verdade no tempo em que se fazia produção visando principalmente ao autoconsumo – para venda só se mandava o excedente.
A realidade hoje é outra. A maioria destes grupos depende da venda de seus produtos para viver. Sendo assim, é preciso ter claro que o processo de produção só termina quando o produtor recebe o pagamento proveniente da venda de sua produção. A conclusão é que não basta saber produzir, é preciso saber vender também. Este é um campo no qual podemos ajudar os pequenos produtores.
Mobilizadores COEP – Em se tratando de produtos agrícolas, que características determinam um produto de boa qualidade?
R.: Aqui vai uma resposta aparentemente simplista, mas que dá uma ideia de como funciona a coisa. As características que determinam um produto de boa qualidade dependem do estágio que o produtor quer alcançar na cadeia comercial.
Explicando melhor: se o produtor se satisfaz com os preços pagos pelo comerciante local, mais comumente conhecido como atravessador, não há grande necessidade de se preocupar com qualidade. O atravessador quando compra, carrega praticamente tudo o que foi produzido ? e ganha dinheiro em cima desta carregação ? porque sabe como proceder.
Em contrapartida, se o produtor quer receber um preço melhor, ele tem de sair em busca de outros compradores, e para isso deve procurar conhecer o mercado em que o atravessador vende. Digamos que vá visitar alguns atacadistas de uma cidade maior do que a dele. Nesse caso, ele terá que conhecer quais são as exigências que estes atacadistas fazem e que permitem pagar esse preço melhor. Ou seja, o produtor tem que aprender o que o atravessador já sabe.
A primeira destas exigências é a classificação dos produtos. Existem diversos tipos de classificação. Cada produto, com suas características próprias, deve ser classificado de alguma forma, seja por tamanho, cor, grau de amadurecimento, etc.
Se o produtor quer vender em um estágio, ainda mais acima, ele pode procurar o tipo de cliente para quem o atacadista vende. Digamos que sejam armazéns ou pequenos supermercados. Nesse caso, além de ter que dar conta da classificação com rigor, ele terá que lidar com algumas sofisticações como, por exemplo, embalagens com quantidades menores.
Terá que organizar um sistema de entregas, e aqui já estamos tratando de um outro conceito de qualidade: a qualidade do serviço que faz parte do fornecimento do produto. Em resumo, o grau de qualidade que o produto deve apresentar depende do tipo de cliente que se almeja conquistar.
Mobilizadores COEP – E no caso do produto artesanal?
R.: Qualidade em produção artesanal tem a ver, evidentemente, com estar bem feito, bem acabado, mas tem também a ver com como conseguir sensibilizar o gosto da freguesia. E para isso é necessário conhecer este gosto. Aqui, mais uma vez, a qualidade depende do mercado que se quer atingir.
Mobilizadores COEP – Em geral, quais são os principais problemas de qualidade na produção da agricultura familiar e na produção artesanal?
R.: Não creio que a qualidade na produção dos agricultores familiares seja um fator que impeça bons resultados nas vendas. De um modo geral, os seus produtos são de boa qualidade ? no sentido de que são bem aceitos por seus compradores. Uma melhora de qualidade, esta sim, de enorme importância para a saúde humana e a dos produtores, seria a transição massiva da agricultura familiar para os processos agroecológicos de produção. Mas esse é outro assunto, e não resolve os problemas imediatos com a comercialização.
No nosso entender, a questão que se coloca é a organização para a venda. Um dos papéis que o atravessador cumpre é o de transformar as produções pequenas de diversos produtores em uma quantidade maior, o que lhe dá meios para negociar com mais e melhores compradores. Isolados, os agricultores que ainda vivem na dependência dos atravessadores terão dificuldades para superá-la.
Quanto ao artesanato, vale o mesmo raciocínio acima. Mercados mais sofisticados, produtos sofisticados ? mercados simples, produtos simples. Entendendo que simplicidade não dispensa o bom acabamento do produto. Cabe registrar que grupos que receberam assessorias de especialistas em design têm relatado bons resultados.
Mobilizadores COEP – Em geral, como é a relação entre o pequeno produtor e o atravessador? Como o pequeno produtor pode superar sua dependência em relação a este intermediário no processo de comercialização?
R.: Em geral, esta relação é de submissão, de dependência em relação ao conhecimento sobre o assunto, como informações sobre os diversos preços de venda, dos concorrentes etc. Na maior parte das vezes, o produtor é obrigado a acreditar no preço que o atravessador oferece por não ter idéia de seu valor. Aqueles que, minimamente, sabem alguns destes preços (por meio de programas de rádio, informações de amigos, contatos com associações de outras cidades, etc.) já conseguem ter algum poder de negociação, principalmente se houver, na região, um outro atravessador com quem ele possa negociar de forma alternativa.
Um dos caminhos para a superação dessa dependência é o trabalho associativo. É uma questão de os produtores se convencerem de que não dá mais para viver entre as quatro linhas da propriedade. Que é preciso conhecer o mundo do lado de fora. Conhecer para onde vai a sua produção, quem a compra e, principalmente, convencer-se de que, trabalhando em conjunto, na associação, esse e outros conhecimentos são alcançados mais facilmente.
Mobilizadores COEP – Para comercializar, necessariamente, é preciso ter capital de giro?
R.: Esta é uma afirmação que os produtores costumam fazer porque estão acostumados a negociar com os atravessadores que, normalmente, retiram a mercadoria na casa do produtor e efetuam o pagamento, ali mesmo, na hora. Há, inclusive muitos casos em que o pagamento é feito adiantado. É claro que em contrapartida eles pagam preços inferiores.
Quase todo processo de compra e venda envolve, sim, capital de giro, mas não necessariamente esse capital de giro se apresenta na forma de dinheiro. Compradores que pagam preços melhores do que os do atravessador geralmente estão em outras cidades. Vender para eles, portanto, permitirá receber mais pela venda, mas implicará ter que aguardar um pouco para receber o pagamento. O valor da venda durante esse tempo que transcorre entre a remessa da produção e o recebimento de seu pagamento é capital de giro. O capital de giro continua existindo, mas não sob a forma de dinheiro; ele é o próprio produto. Conclusão: se a venda estiver negociada por um preço melhor, a falta de dinheiro para financiar o capital de giro não é motivo para perder essa boa oportunidade.
Mobilizadores COEP – Quais os tipos mais comuns de comercialização coletiva?
R.: Supondo que a associação dos produtores seja o agente desta comercialização coletiva, ela pode comprar a produção dos associados para depois revender (atua sem a participação dos associados no processo de comercialização), ou pode agenciar a comercialização, ou seja, buscar compradores, negociar o preço da venda entre os produtores e o comprador, fechar o negócio, organizar a coleta da produção, promover a entrega, receber o pagamento e repassar o valor da venda para os associados (os associados influenciam na decisão da venda e onde mais quiserem, dependendo do que estiver combinado). Cada um dos sistemas tem suas vantagens e dificuldades.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades para iniciar um processo de comercialização coletivo? O que é preciso para vencer estas barreiras?
R.: O agricultor familiar brasileiro tem um rico histórico de iniciativas tomadas de forma coletiva; desde as festas tradicionais até as mobilizações de natureza política. Costuma se dizer que o povo do campo sabe se organizar. Entretanto, essa larga experiência nunca passou pelas atividades que envolvem aspectos econômicos. Todos se conhecem razoavelmente bem no aspecto social, mas é difícil encontrar alguém que tenha conhecimento da produção do conjunto dos associados, ou seja, a produção da associação como um todo. É comum, o atravessador saber mais sobre este assunto do que os próprios associados. Nós ainda não logramos conseguir que os agricultores familiares encontrem na organização coletiva do trabalho comercial o fortalecimento da organização política de sua comunidade/associação. Outro aspecto que precisa ser trabalhado pelas organizações é o conhecimento dos agricultores sobre o trabalho que o atravessador faz; este conhecimento ainda é muito superficial.
Mobilizadores COEP – Poderia citar exemplos de organizações de agricultores familiares que vêm desenvolvendo, de forma bem-sucedida, a venda coletiva?
R.: Não há tantas quanto desejaríamos, mas dá para citar algumas dentre as que conhecemos. Há de haver muitas outras.
Projeto Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (Reca) (http://www.clab.it/gc/reca/), em Nova Califórnia (RO): Surgiu como alternativa de sobrevivência para as famílias agricultoras, que migraram de diversas regiões do Brasil para a região oeste de Rondônia. Elas buscam na floresta a preservação do meio ambiente e sustentabilidade econômica. As famílias se organizaram e empiricamente implantaram sistemas agroflorestais, beneficiando e comercializando seus produtos. O projeto RECA é coordenado e gerido exclusivamente por agricultores.
Associação em Áreas de Assentamentos no Estado do Maranhão (Assema), em Cocais do Maranhão (MA) (http://www.nordestecerrado.com.br/assema-associacao-em-areas-de-assentamento-do-estado-do-maranhao-ma/). A ONG desenvolve proposta de agroextrativismo com pequenos agricultores familiares no vale do Mearim, na região dos Cocais do Maranhão, praticando e utilizando os princípios agroecológicos. Visa à diversificação de alimentos, aumento da produtividade da agricultura familiar, o seu auto-abastecimento e a manutenção dos babaçuais: povoamentos naturais de uma palmeira de uso diverso e de grande importância socioeconômica para o uso tradicional e sustentável da terra.
Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (Apaeb), em Valente (BA) (http://www.apaeb.com.br/portal/): Tem como objetivo promover o desenvolvimento social e econômico sustentável e solidário, visando à melhoria da qualidade de vida da população da região sisaleira. A Apaeb foi criada após uma mobilização no final da década de 1970, quando os agricultores do Semiárido fizeram manifestação viajando até Salvador para pedir o fim do imposto que pagavam ao vender nas feiras livres o produto excedente da sua agricultura de subsistência caseira.
Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), em Turmalina (MG) (http://www.centraldocerrado.org.br/comunidades/cav/): Com abrangência comunitária e regional, atua na difusão de tecnologias de agrossilvicultura, na recuperação ambiental e na preservação de nascentes, na produção de sistemas agroflorestais e no beneficiamento e comercialização de frutas desidratadas, mel e derivados de cana-de-açúcar, como a cachaça e o açúcar mascavo.
Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre) , em Rio Branco (AC) (http://www.cooperacre.com/quem_somos.html): Central que congrega 20 cooperativas e associações espalhadas em mais de 10 municípios do Estado do Acre, atendendo mais de 1.800 famílias extrativistas. Tem como objetivo organizar, representar e garantir a sustentabilidade extrativista, agregando valor aos produtos, operando o resgate da credibilidade, da dignidade e da educação, promovendo a igualdade social, econômica e ambiental.
Cooperativa dos Beneficiários Artesanais de Castanha de Caju (RN) (Coopercaju), em Serra do Mel (RN) (http://www.caatingacerrado.com.br/coopercaju-cooperativa-dos-beneficiarios-artesanais-de-castanha-de-caju-rn/): Produz mensalmente 15 toneladas de castanha de caju, que são exportadas para países da Europa, como Suíça, Áustria e Itália. Possui certificação orgânica do IBD e realiza o comércio justo e solidário.
Mobilizadores COEP – Quais as principais linhas de atuação da Capina? Que tipo de assessoria presta às organizações econômicas populares?
R.: Capina atua desenvolvendo tecnologias de formação que, superando a carência existente, sejam apropriadas para o fortalecimento dos empreendimentos associativos da economia dos setores populares. As atividades onde se aplicam estas tecnologias são cursos (viabilidade econômica e gestão democrática), oficinas (comercialização) e assessorias específicas (por demanda ? elaboração coletiva de planos de negócio, por exemplo).
Os Cursos de Viabilidade Econômica e Gestão Democrática visam contribuir para o fortalecimento da sustentabilidade dos empreendimentos econômicos populares, proporcionando formação para a elaboração de estudos de viabilidade econômica.
A ideia é qualificar o trabalho dos assessores, habilitando-os para discutirem as questões da sustentabilidade com os grupos que acompanham.
A primeira preocupação é desmistificar a complexidade das contas, demonstrando que, para se elaborar um bom Estudo de Viabilidade Econômica, é mais importante conhecer profundamente a atividade do que deter conhecimentos complicados de economia ou matemática.
Entendido o mecanismo das contas em sua simplicidade, o desafio do assessor passa a ser testar o conhecimento do grupo (e o seu próprio) sobre a sua atividade, no sentido de todos buscarem identificar os números necessários para a elaboração do estudo. Das discussões para equacionamento destes números, surgirão as questões ligadas à distribuição das tarefas. É a grande oportunidade para se construir, coletiva e democraticamente o processo de gestão do empreendimento.
Assim, a realização do Estudo de Viabilidade Econômica, mais do que um trabalho tecnocrático, realizado por especialistas externos ao grupo e que desconsidera o contexto cultural e a lógica peculiar de funcionamento dos empreendimentos populares, passa a constituir uma construção coletiva de conhecimentos em que os integrantes dos grupos e os assessores descobrem as condições necessárias à sustentabilidade do empreendimento em seus aspectos econômicos, de gestão e associativos.
Os procedimentos adotados marcam uma diferença entre uma simples transferência de conteúdos e uma atividade formativa mais ambiciosa, na qual os sujeitos do processo se descobrem mais fortalecidos no que são, no que fazem e no que podem.
Nesse sentido, no intervalo entre os dois módulos, o que se pretende com o trabalho de campo é que cada participante elabore, dentro destes moldes, o Estudo de Viabilidade Econômica do grupo que assessora.
Essa abordagem também contribui para a reflexão sobre o lugar do assessor como educador, cuja postura corresponde muito mais às indicações inscritas nos procedimentos e dispositivos inerentes à própria execução do estudo, em contraposição ao assessor, exclusiva ou essencialmente técnico.
Mobilizadores COEP – Desde 1994, a Capina desenvolve serviço de apoio à comercialização de produtos de agricultores familiares. Como é prestado este serviço e como as organizações podem participar?
R.: A Capina assessora e ajuda a concretizar as vendas para o mercado do Rio de Janeiro, de excedentes ofertados pelas organizações da agricultura familiar. Busca alternativas de vendas em condições mais vantajosas do que as que os produtores normalmente conseguem (e, portanto, em quantidades maiores) com vistas a estimular a que se organizem para vender em coletivo.
Qualquer organização de agricultores familiares que disponha de excedentes de produção pode participar. Basta se comunicar através, por exemplo, do endereço: capina@capina.org.br
Mobilizadores COEP – E quanto às oficinas de comercialização, como são realizadas? Quem pode participar?
R.: A oficina aborda todos os aspectos práticos necessários ao bom desempenho da venda nos diversos processos de comercialização. Explora também uma gama variada de cuidados e situações que devem ser analisadas durante a preparação e a realização de uma venda. São questões ligadas à negociação, ligadas ao produto, ligadas à atitude do vendedor e ao comprador. Nas cidades em que houver possibilidade, poderá ser feita uma visita prática a mercados e feiras.
Foi concebida para encarregados de vendas das organizações econômicas populares (associações e cooperativas de agricultores).
Estamos em processo de preparação de um novo modelo de oficina que será destinada às organizações urbanas da economia dos setores populares.
Mobilizadores COEP – De que forma o COEP pode contribuir para que os pequenos produtores das comunidades onde atua consigam mais qualidade em seus produtos e mais facilidade na hora de comercializá-los?
R.: Explorando o uso da informação, demonstrando que se trata do mais importante ingrediente de uma boa comercialização. Um exemplo seria divulgar experiências exitosas e também as que enfrentam dificuldades como forma de estimular um debate em torno da necessidade de formação qualificada para os empreendimentos populares. Seja no campo da comercialização seja no da qualidade dos produtos.
Entrevista do Grupo Geração de Trabalho e Renda
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo