Artesãs da Cooperativa de Trabalho e Produção das Pessoas Unidas de São Sebastião (Cooperunião), localizada na cidade satélite de São Sebastião, no Distrito Federal, reaproveitam o papel kraft dos sacos de cimento usados na construção civil para fazer flores artificiais e outros produtos.
A iniciativa das artesãs, ainda no começo, é um exemplo de que promover negócios sustentáveis é uma forma de garantir inclusão social e geração de renda. Leia entrevista com Maria Freitas, coordenadora do grupo.
Mobilizadores COEP – Em que região do Distrito Federal está localizada a Cooperativa de Trabalho e Produção das Pessoas Unidas de São Sebastião (Cooperunião)? Como é a realidade da comunidade local?R.: A cooperativa fica em São Sebastião, cidade satélite de Brasília. É uma comunidade bastante pobre, em que a maioria das mulheres não tem renda, é dependente dos maridos, que trabalham, em geral, em obras, como pedreiros, eletricistas etc.
Mobilizadores COEP ? Quando a cooperativa foi criada e a que atividades se dedica? R.: A Cooperunião foi criada em 2002, quando houve na cidade um projeto de capacitação do Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda (Pronager)*1. Algumas pessoas quiseram dar continuidade ao que tinham aprendido e criaram a cooperativa, que se dedica hoje a três ramos de atividades: cabeleireiro e manicure; culinária e artesanato. Ao todo, somos 25 cooperados. Na área de cabeleireiro e manicure, são oferecidos cursos com duração de 4 e 3 meses respectivamente. Um curso de cabeleireiro custa em média R$ 400,00. Durante os cursos, os alunos também atendem gratuitamente as pessoas da comunidade que nos procuram querendo cortar o cabelo, fazer as unhas etc.Na parte de culinária, a base do trabalho é a alimentação alternativa, com o reaproveitamento e o enriquecimento dos alimentos. São usados sementes de linhaça, farelo de trigo, cascas de frutas etc. Além de cursos para a comunidade, a cooperativa também faz coffee breaks e almoços para órgãos públicos.A terceira área é a de artesanato. Somos cinco mulheres, na verdade, 5 Marias: Maria Freitas, Maria Nilda, Maria José, Maria Luzia e Ivonete Maria. Trabalhamos basicamente com sacos de cimento, que pegamos nas ruas, nas obras. Agora mesmo, a delegacia da cidade está sendo reformada, e nossa matéria prima está sendo recolhida lá.
Mobilizadores COEP – Como surgiu a ideia de reutilizar sacos de cimento? Qual era o destino dado aos sacos antes de esta ideia surgir? R.: Eu vim para a cooperativa no final de 2005 para dar aulas de biscuit. Já havia alguma produção em crochê, mas nada significativo. Percebi logo a necessidade de direcionar nossa produção, focá-la. Em 2006, por coincidência, o professor e artesão Virgílio Mota e sua sobrinha Nicole que trabalham com materiais recicláveis, principalmente com papelão e sacos de cimento, vieram até a cidade e procuraram um espaço para realizar uma oficina de confecção de objetos de papelão, reciclagem e seleção do lixo. E foi assim que começamos a reutilizar os sacos de cimento que antes eram deixados de lado nas obras ou descartados no lixo. Como eu já trabalhava com filtros de café usados, fazendo flores, experimentei a técnica de fazer as flores com o papel Kraft dos sacos de cimento. Fiz vários testes, inclusive de cores. Percebi que as mais fortes, como vermelho e azul e escuro, eram as que melhor se adequavam. Então, mostrei às meninas da cooperativa, e elas gostaram. Começamos, então, todas a fazer flores com sacos de cimento.
Mobilizadores COEP – As flores, então, são o carro-chefe da cooperativa. Que etapas envolve seu processo de produção? Que outras peças são produzidas com os sacos?
R.: O processo de produção é basicamente este: lavamos e cortamos os sacos, depois os tingimos com tinta para tecido, deixamos secar, cortamos as pétalas e as folhas e montamos as flores em arames galvanizados.
Além das flores, fazemos agendas, blocos de notas e começamos recentemente a fazer papel reciclado, usando, além dos sacos de cimento, fibra de bananeira, casca de cebola, casco de alho. Também estamos testando uma capa para CDs, a pedido de uma loja. Está em fase experimental ainda. Mas a ideia é que os compradores peçam mesmo produtos diferentes, e a gente desenvolva.Mobilizadores COEP – Em média, qual o preço dos produtos? Como vocês definem o preço? R.: Uma flor custa de R$ 5,00 a R$ 8,00. O bloco de notas, R$ 5,00; a agenda, R$ 10,00; e as caixas variam de R$ 3,00 a R$ 20,00. Contamos com o apoio da Incubadora do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB), desde 2008. Aliás, o apoio deles tem sido fundamental. Antes, nossos produtos não tinham um bom acabamento, não sabíamos como divulgá-los, como colocar preço neles. Até mesmo para usar a verba que o Ministério da Ciência e Tecnologia nos destinou em 2009, o apoio do CDT foi decisivo, pois eles nos orientaram a como usar da melhor e mais proveitosa forma possível o dinheiro.
Mobilizadores COEP – Como é feito o controle de qualidade das peças?R.: Com a capacitação da incubadora, estamos nos aprimorando cada vez mais. Sabemos que temos de ter um produto bonito e bem acabado para ser comercializável. Levamos, em média, 20 minutos fazendo uma flor, isso já com os sacos cortados e tingidos, e trabalhamos cerca de três horas por dia, de segunda à sexta. Mas se tivermos encomendas, trabalhamos mais.
Mobilizadores COEP – Onde a cooperativa comercializa os produtos criados? Tem recebido encomendas significativas?
R.: Por enquanto, só vendemos os produtos em feiras ou sob encomenda. A Secretaria de Trabalho do município é que faz esta ponte com o consumidor. Ela leva os nossos produtos para as feiras. Em maio de 2010, por exemplo, nossas flores estavam no Salão de Turismo, em São Paulo. Nossa meta é aumentarmos a produção, mas isso só vai ocorrer se as pessoas conhecerem nossos produtos, daí a importância de participarmos das feiras. Estamos para fechar uma grande parceria com uma rede de lojas em cadeia nacional, mas por enquanto é segredo.
Uma das encomendas que mais repercutiu par nós foi a do estilista Ronaldo Fraga. Ele encomendou muitas flores vermelhas e sem tingimento para decorar o desfile de sua grife, realizado este ano em Belo Horizonte (MG). Ficamos muito orgulhosas.
Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades do grupo?
R.: No momento, nossa maior dificuldade é que ainda não temos uma renda fixa para nos manter. Nosso objetivo é ganharmos pelo menos R$ 300,00 por mês.
Mobilizadores COEP – De que forma o trabalho na cooperativa vem modificando a realidade de vocês?
R.: Além de ter melhorado nossa autoestima, pois nos sentimos mais independentes, também despertou nossa consciência de que podemos reaproveitar vários outros materiais, além dos sacos de cimento. Até em casa, e essa consciência é passada para os nossos filhos.
Mobilizadores COEP – O que aconselha a outros artesãos que desejam produzir de forma cooperativa?
R.: Persistência e força de vontade. Tivemos algumas mulheres que quiseram trabalhar, mas, por causa dos maridos, dos afazeres de casa, das dificuldades, deixaram de lado seus sonhos. _____________________________________
*1 O Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda (Pronager) é resultado do acordo de cooperação técnica firmado entre o governo brasileiro, através do Ministério da Integração Nacional (MI) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU); um de seus objetivos é reduzir o desemprego e o subemprego em comunidades urbanas e rurais.Entrevista do Grupo Gênero, Combate à Discriminação e Grupos Populacionais Concedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo
Parabéns e Sucesso!!
Parabéns pelo trabalho!! Que dê muitos frutos e por muito tempo!!