De acordo Walter Belik, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a transição nutricional por que passam os brasileiros, com a diminuição da pobreza no país e o aumento da renda da população, se reflete num maior gasto com alimentos na cesta de consumo, porém nem sempre de alimentos com valor nutricional maior.
Este tipo de comportamento alimentar vem gerando não só o aumento de casos de obesidade entre os brasileiros, como o crescimento de doenças crônicas dela decorrentes, impactando diretamente o sistema de saúde público do país.
Para o estímulo a hábitos alimentares saudáveis, Walter considera de suma importância o país adotar uma legislação mais rígida para a propaganda dirigida a adultos e crianças. Além disso, acredita ser imprescindível um programa de educação alimentar, que deve ser obrigatório no curriculum escolar, assim como nos locais de trabalho e lazer.
Walter também preconiza uma intervenção mais efetiva por parte do Estado no tipo de gasto que é feito para alimentação com recursos públicos. Cita, como exemplo, os recursos repassados para programas como o Bolsa Família. Para ele, o beneficiário desses programas deveria receber, necessariamente, orientação sobre como gastar melhor o dinheiro reservado à sua alimentação.
Mobilizadores COEP – No Brasil, ainda é grande a ocorrência de doenças infecciosas ligadas à desnutrição? Comente.
R.: A ocorrência dessas doenças está mais ligada à deficiência de micronutrientes. O caso mais evidente é a alta incidência de Anemia Ferropriva [provocada pela deficiência de ferro] para crianças de até 2 anos de idade. Pesquisas realizadas após os anos 2000 mostram que essa deficiência estava presente em mais de 30% das crianças. No Norte e Nordeste, as cifras chegaram a dobrar. Há também o caso do Beribéri causado pela ausência de vitamina B1. Imaginava-se que essa doença estava extinta no Brasil, mas, recentemente, surgiram novos surtos, e a doença se alastrou nos estados do Maranhão, Tocantins e Roraima. Segundo levantamentos realizados em 2006, ocorreram várias mortes. Existem outras doenças provocadas pela alimentação insuficiente e más condições de vida, porém não temos muita informação a respeito, e essa não é sistematizada.
Mobilizadores COEP – De que forma a redução da pobreza vem contribuindo para mudanças nos padrões alimentares do brasileiro?
R.: A pobreza vem se reduzindo rapidamente no Brasil. Estima-se que 28 milhões de pessoas tenham saído da situação de indigência nos últimos oito anos e hoje já se tenta entender os hábitos de consumo de uma nova classe média. Nesse particular, o Brasil não difere muito dos outros países no que tange ao fenômeno da transição nutricional. Há um maior gasto com alimentos na cesta de consumo dessas famílias, mas, proporcionalmente, gasta-se menos e o conteúdo nutricional desses alimentos nem sempre é melhor. Outro fator importante é o crescimento das refeições fora de casa. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-09 demonstram que, no primeiro estrato de renda (até 2 salários mínimos), já se compromete quase 20% do gasto com alimentos em restaurantes, lanchonetes e no comércio ambulante. No estrato de renda mais elevado, essa proporção supera os 50%. Tendo em vista a urbanização e as alternativas de lazer à disposição da população, essa realidade deverá se ampliar, o que leva a um risco maior em termos de consumo de alimentos inadequados.
Mobilizadores COEP – Na sua opinião, como a mídia influencia o consumo alimentar do público, em especial do público infantil?
R.: A propaganda de alimentos, sem o controle por parte das autoridades de saúde, e o aumento de renda da população fazem parte de uma equação mortal, que deverá levar a maiores pressões sobre o nosso combalido sistema de previdência pública. É absolutamente necessário que o apelo publicitário seja revertido para o consumo saudável de alimentos e para a preservação da economia popular. O público infantil é o mais prejudicado por essa equação. A publicidade já percebeu que apelar para o público infantil, que é mais mal informado e passa mais horas diante da televisão, poder ser o caminho mais fácil para maiores vendas, inclusive de produtos que nada tem a ver com o universo das crianças.
Mobilizadores COEP – A legislação brasileira prevê normas de marketing que levem em conta o público infantil?
R.: A legislação brasileira é muito fraca no sentido de controlar a propaganda para o público infantil. O que vigora, no nosso país, é a auto-regulamentação, e essa é insuficiente para evitar problemas como aqueles gerados pelo consumo excessivo de alimentos não saudáveis. Em determinados países da Europa, a legislação é muito mais rígida e não se permite, por exemplo, a propaganda de alimentos durante programas infantis da TV. Há também a proibição de apresentadores de programas infantis fazerem propaganda de alimentos em qualquer mídia. Enfim, não é somente com programas de alimentação saudável que se combate a obesidade infantil e as doenças dela decorrentes, mas também com ações diretas de controle sobre o que é anunciado e como esses produtos são vendidos.
Mobilizadores COEP – O que ainda é preciso fazer para reduzir a influência negativa da mídia sobre os hábitos alimentares da população?
R.: O problema não é a mídia, mas, sim, os apelos utilizados pela indústria de alimentos para a colocação dos seus produtos. Há muito o que fazer nesse particular, desde uma legislação mais rígida para a propaganda (que deve ser dirigida para os adultos), à normatização de embalagens e um maior controle sobre o que se comercializa de alimentos e guloseimas em pontos de venda como farmácias, bancas de jornal, equipamentos de lazer como estádios esportivos, cantinas escolares, cinemas e teatros infantis.
Mobilizadores COEP – Tendo em vista o cenário atual, que medidas podem promover mudanças nos hábitos de consumo alimentar dos brasileiros?
R.: Além de um efetivo programa de educação alimentar, que deve ser obrigatório no curriculum escolar, assim como nos locais de trabalho e lazer, o Estado intervir diretamente no tipo de gasto que é feito para alimentação com recursos públicos. Um exemplo que merece maior atenção é o recurso que é repassado para programas como o Bolsa Família. Não é possível que o beneficiário receba a transferência de renda e não tenha nenhuma orientação sobre como gastar melhor o dinheiro que é reservado à alimentação. Outros recursos como aqueles que vão para a alimentação escolar, alimentação em presídios, forças armadas etc. poderiam ser bem empregados se os nutricionistas responsáveis (quando existem) banissem frituras, refrigerantes, parte dos doces e confeitos entre outros alimentos nocivos dos cardápios.
Mobilizadores COEP – Qual o impacto dos hábitos alimentares da população sobre o sistema público de saúde brasileiro?
R.: Não conheço nenhuma pesquisa sobre o custo econômico dos crescentes hábitos alimentares não saudáveis sobre o sistema público de saúde. Há várias pesquisas que calculam o custo econômico da fome e desnutrição que pode ser medida não apenas pelos maiores gastos em termos de saúde, mas, também, com a perda de produtividade dos trabalhadores e com o baixo rendimento dos estudantes.
Como está mudando o perfil nutricional do brasileiro, é muito importante que tenhamos estimativas também das pressões que são exercidas nos gastos públicos de saúde pelas doenças crônicas provocadas pela obesidade. Igualmente seria importante traduzir em números outros fatores não econômicos decorrentes da alimentação não saudável, que provoca a obesidade, a perda de auto-estima e o absenteísmo.
Mobilizadores COEP – Qual o papel da escola na promoção de hábitos alimentares saudáveis?
R.: A escola, como se sabe, é a chave para o desenvolvimento de hábitos alimentares mais saudáveis. A instituição tem meios para provocar o interesse das crianças por alimentos locais, in natura e mais adequados. São várias as experiências de escolas que passaram a utilizar o alimento como fio condutor das suas atividades pedagógicas. Nesse caso, empregando as mesmas armas que a propaganda utiliza para a indústria de alimentos, as crianças demonstram que têm capacidade de influenciar os hábitos alimentares dos adultos, provocando uma reviravolta no consumo da família.
Entrevista do Grupo Combate à Fome e Segurança Alimentar
Concedia à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo