Hoje, a sociedade tem uma maior sensibilidade para as questões ambientais e muitos percebem que não é possível pensar em meio ambiente desvinculado dos aspectos social, econômico e cultural. No entanto, ainda precisamos avançar muito no que se refere à participação da sociedade brasileira na construção de políticas públicas ambientais, no desenvolvimento de planos municipais, regionais e nacional de desenvolvimento, no planejamento de grandes obras de infraestrutura e no controle social das políticas públicas na área de meio ambiente. A avaliação é de Ângelo José Lima, biólogo e analista de conservação do WWF Brasil.
Ele ressalta que um dos fatores que colaboram para que não ocorra o efetivo cumprimento da legislação ambiental é o fato de os instrumentos de planejamento não conseguirem articular minimamente os segmentos da sociedade para discussão e construção destes instrumentos. Angelo lembra que a sociedade muitas vezes é chamada a participar, mas não há uma divulgação eficaz, nem mecanismos que garantam a representatividade de diferentes setores sociais no processo.
Nessa entrevista, ele fala sobre alguns avanços obtidos no país na área ambiental nos últimos 20 anos e sobre os desafios a serem enfrentados nos próximos cinco anos.
Rede Mobilizadores – Em que aspectos o país mais avançou na área ambiental, nos últimos 20 anos?
R.: Faço uma ressalva de que minhas respostas não são definitivas, não pretendem abordar todos os aspectos da questão, e muito menos podem ser consideradas como verdades absolutas. Esclarecido isso e considerando que não é uma pergunta fácil de responder, diria que o que mais avançou na área ambiental foi:
a) a sensibilização da sociedade para com o tema ambiental. Após várias conferências ambientais, seminários, mudança de conceitos, a questão ambiental hoje é entendida de uma forma mais ampla, demonstrando que meio ambiente está ligado às questões social, econômica, cultural, enfim, está relacionado com a qualidade de vida;
b) o surgimento de práticas de políticas públicas que proporcionam a possibilidade de participação da sociedade brasileira nos debates para influenciar estas políticas, ainda que, infelizmente, isso venha sendo limitado;
c) elaboração de planos e instrumentos, que, no entanto, ficaram limitados à elaboração e ainda não passaram para a fase de implementação.
Rede Mobilizadores – Como você avalia a legislação ambiental brasileira? Ela contempla todos os aspectos fundamentais? Em caso negativo, o que ainda é preciso?
R.: Entendo que a legislação ambiental avançou em alguns aspectos, como no caso da gestão de recursos hídricos. A partir da Lei 9.433/97 – a qual diz que a gestão das águas deve ser descentralizada e participativa -, avançamos e, hoje, já temos mais de 200 comitês de bacias. Mas, de outro lado, como no caso da mudança do Código Florestal, ela retrocedeu, pois o que faltava na lei anterior era a implementação e não havia necessidade de mudança. Se houvesse alguma crítica em relação ao Código Florestal anterior, poderíamos dizer que ele olhava do rio para dentro do território; com a mudança, isso se inverteu. O novo código trabalha olhando da propriedade para o rio e, por isso, diminuiu em muito a possibilidade de efetivamente proteger os rios e manter sua qualidade e quantidade.
Rede Mobilizadores – Quais as maiores deficiências para o efetivo cumprimento da legislação ambiental?
R.: São vários aspectos que colaboram para o não cumprimento da legislação brasileira: a dimensão do país, de fato dificulta; a falta da implementação dos instrumentos de planejamento – por vezes, eles são realizados, a exemplo do zoneamento econômico e ecológico de um estado, mas ficam no papel.
Outro fator que também colabora para que não ocorra o efetivo cumprimento da legislação é o fato de que os instrumentos de planejamento não conseguem articular minimamente os segmentos da sociedade para discussão e construção de fato destes instrumentos, que são elaborados de uma forma muito rápida e, por isso, insuficiente para sensibilizar os setores a utilizarem esses planejamentos. Aliás, por vezes, isso acontece dentro do próprio governo, ou seja, as outras secretarias, que não a de meio ambiente, não levam em consideração os instrumentos elaborados na área ambiental. Outro aspecto é o fato de o instrumento de planejamento ambiental não se articular a outras áreas de governo, como planejamento, infraestrutura, cidades, etc.
Rede Mobilizadores – Como obter o equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ecológica e contemplar as populações mais vulneráveis?
R.: Em primeiro lugar, creio que é conhecer as vulnerabilidades econômica, social e ecológica. Não temos um mapeamento dessas vulnerabilidades no Brasil. É muito provável que algumas regiões tenham o mapa da vulnerabilidade social, outra região, o mapa de outra vulnerabilidade, mas não temos um mapa único. Evidentemente, temos algumas exceções, como no caso do mapeamento de grandes metrópoles, mas não temos um mapa integrado da maior parte do Brasil.
Após esse mapeamento, poderemos conhecer a situação das populações mais vulneráveis e desta forma formular e implantar políticas públicas que possam enfrentar estas vulnerabilidades. Tendo esse mapeamento e a formulação das ações, poderemos buscar o equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ecológica, por isso, a importância de ter um mapeamento integrado.
Se temos um mapeamento somente com uma das dimensões acima, possivelmente sempre iremos provocar desequilíbrios na hora de formular e implementar políticas públicas.
Rede Mobilizadores – O que considera como principais desafios na área ambiental no Brasil nos próximos cinco anos?
R.: Os desafios na área ambiental, mesmo com o avanço da visão sobre meio ambiente, são:
a) sensibilizar a sociedade brasileira para que ultrapasse a visão que tem sobre a importância do tema para ação, especialmente em algumas questões muito caras, como, por exemplo, a questão da água. O tema ambiental tem que ser de fato estratégico para a sociedade e, assim, possivelmente será para o tomador de decisão;
b) integrar as políticas ambientais com outras áreas, pois, será muito difícil implementar políticas públicas na área ambiental, se a mesma não tiver interface com o planejamento de infraestrutura, articulado e integrado com a saúde e também sendo trabalhado na educação. O tema ambiental precisa ser internalizado em praticamente todas as políticas públicas;
No caso do Código Florestal há a necessidade de um planejamento para sua execução e, após a fase da implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), é necessário um forte programa de recuperação de áreas degradadas, com efetivos recursos financeiros, pois, mesmo considerando que foi um retrocesso a mudança do Código Florestal, o que vale é este que está aí e, portanto, ele tem de ser implementado. Mas será insuficiente implementar o CAR e depois não ter recursos para recuperação de áreas degradas.
c) implementação dos planos, programas, instrumentos de planejamento. Por vezes eles são elaborados, mas ficam no papel e, portanto, temos que construir um sistema de monitoramento destes planos, programas e instrumentos, para acompanhar e verificar se eles estão sendo executados. Aliás, isso serve para todas as outras políticas públicas.
d) por hora, um último desafio, é a necessidade de fortalecer o papel da sociedade brasileira em todos os momentos de construção de políticas públicas, como na discussão do modelo energético brasileira, no desenvolvimento de planos municipais, regionais e nacional de desenvolvimento, na elaboração de grandes obras de infraestrutura, etc. E chamo a atenção para a necessidade de que este processo participativo seja realizado com muita qualidade e cuidado. Às vezes, somos chamados a participar, mas a informação do processo, por exemplo, não é realmente socializada, não é garantida a representatividade da sociedade, etc.
É muito provável, que ainda existam muitas questões, mas vou ficar por aqui e no debate [durante a oficina Meio Ambiente e Populações Vulneráveis] vamos trocando experiências e conhecimentos.
Entrevista do Eixo de Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidades
Concedida à: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa
gostaria muito qeco ep tratase qetao abiental