O coordenador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, João Joaquim de Melo Neto, do Instituto Banco Palmas, explica o conceito, o funcionamento e as necessidades dos bancos comunitários ? uma iniciativa que fortalece as economias locais, favorece a organização comunitária e promove a inclusão social. A entrevista aborda ainda temas como moedas sociais, acesso ao microcrédito e objetivos e perspectivas da Rede Brasileira de Bancos Comunitários.Mobilizadores COEP – O que são e como funcionam os bancos comunitários e de que forma eles contribuem para impulsionar a economia solidária?R. Os bancos comunitários são serviços financeiros, solidários, em rede, de natureza associativa e comunitária, destinados a reorganizar as finanças locais, na perspectiva da economia solidária. É um conceito gigante, mas que exprime o que são esses bancos: eles têm natureza associativa e comunitária porque a propriedade de cada banco é de uma organização social local (uma associação de moradores, um assentamento, um grupo de mulheres…); trabalham em rede porque organizam as pessoas daquele município, daquele bairro, para comprarem e produzirem em função um do outro; são solidários porque para a pessoa ter acesso ao banco o que influencia não é o SPC [Serviço de Proteção ao Crédito], a Serasa, e sim a vizinhança, que vai falar se a pessoa é honesta ou não; e tem a perspectiva de gerar trabalho e renda. A filosofia desses bancos é que não existem bairros ou municípios pobres, mas que se empobrecem porque compram tudo de fora: roupas, remédios, materiais de beleza, de limpeza etc. E tudo isso se pode produzir localmente. Os bancos comunitários funcionam investindo crédito para a produção local de gêneros de primeira necessidade e também para o consumo desses produtores locais. Por isso que crédito de consumo é feito em moeda social. Cada banco comunitário tem uma moeda social própria, que circula ali na comunidade, naquele município, naquele bairro, gerando um comércio local, fazendo com que a riqueza circule na própria redondeza e com que as pessoas não dependam do mercado externo, mas passem a comprar e produzir localmente. Isso é o que a gente chama de uma rede de ?prossumidores” (produtores + consumidores), um conceito que diz que um ser humano vivo é ao mesmo tempo produtor e consumidor. Então, todo dia, de alguma forma, eu produzo e consumo. O que é preciso é fazer com que as pessoas produzam e consumam uma das outras no município.Lembrando que os bancos comunitários cumprem um papel que seria dever do Estado: levar serviços financeiros para a população. Essa é uma das obrigações do Banco Central do Brasil, que deve não só fiscalizar, como garantir serviços financeiros. Em 90% dos locais onde os bancos atuam não têm sequer uma agência bancária. Somos nós que levamos os serviços de conta corrente, crédito, moeda social, possibilidade de pagamento de aposentadoria. Os bancos comunitários estão oferecendo uma série de serviços financeiros que os bancos oficiais não querem oferecer porque não é lucrativo. Para eles, não é bom ir para a beira do rio, para uma comunidade quilombola ou implantar uma agência num distrito afastado 30, 40 quilômetros da sede. Mobilizadores COEP – Como os Bancos Comunitários se relacionam com as moedas sociais?R. Todo banco comunitário tem uma moeda social própria, faz parte da essência dele. Ela circula livremente na comunidade, gerando a riqueza local, fazendo as pessoas comprarem e venderem ali. Elas são emitidas pelos bancos comunitários e têm algumas regras: têm lastros em reais e permitem o câmbio, ou seja, qualquer comerciante ou produtor que precise de reais para comprar alguma coisa que não tem no município pode ir ao banco comunitário e trocar a moeda social por reais. Elas têm lastro, são indexadas (cada um real vale uma moeda social), são emitidas com extremo controle de segurança, tem tarja holográfica, infravermelho, números seriais, código de barras, enfim os sete elementos de segurança, e todas levam o selo de certificação da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Essas moedas circulantes nos municípios e nos bairros onde há bancos comunitários são certificadas pela Rede. O banco comunitário informa ao Banco Central dados sobre circulação das moedas, quais estão surgindo, qual o volume de moeda em circulação. Isso é um acordo que nós tivemos com o Banco Central que, no começo, ficou se questionando sobre a validade ou não desse processo, mas permitiu que ele pudesse acontecer, desde que a gente informasse sobre o surgimento das moedas, até para nos protegermos dos vigaristas que queiram criar uma moeda por aí. Agora, o Banco Central instituiu uma comissão de estudo sobre o funcionamento das moedas sociais no Brasil inteiro, acompanha o movimento dos bancos comunitários e permite que as moedas circulem. A moeda social é o coração dos bancos comunitários porque estimula a circulação da riqueza local. São 16 bancos na Rede Brasileira de Bancos Comunitários, são 16 moedas sociais em circulação nos seus municípios.Mobilizadores COEP – Como é feita a gestão dos bancos comunitários?R. A gestão do banco comunitário se dá no seio de uma organização comunitária. A comunidade é proprietária do banco. Ela elege um conselho gestor – formado por representantes da sociedade – que nomeia uma organização comunitária local para gerir o banco. O conselho gestor também faz o controle social do banco. A organização comunitária local – pode ser uma ONG, uma associação de moradores, um fórum de assentamentos, um grupo de mulheres, um grupo de artesãos – vai gerir o banco: atender, despachar, liberar os créditos. Alguns bancos funcionam de forma diferente. Aqui no [Conjunto] Palmeira [comunidade de Fortaleza (CE)], por exemplo, o Banco Palmas tem um fórum econômico local, que é um fórum amplo de articulação de produtores, comerciantes, moradores, e é esse fórum que faz o controle social do banco e delibera as decisões do banco (taxas de juros, produtos do banco, prestação de contas). O banco comunitário é sempre assim: gerido por uma organização comunitária local e com um conselho, um fórum ou uma articulação maior para fazer o controle social. Os membros dos fóruns são produtores, comerciantes, lideranças, e, às vezes, um padre, um pastor, um diretor de escola. Os fóruns são sempre abertos.Mobilizadores COEP – Quais são as funções e os objetivos da Rede Brasileira de Bancos Comunitários? Quantas são e qual o perfil das instituições integrantes da Rede? Todos trabalham com moedas sociais?R. O Banco Palmas foi o primeiro banco comunitário, ele foi criado em 1998. Em 2005, o Ministério do Trabalho – através da Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária) – e o Banco Popular do Brasil se juntaram ao Instituto Palmas (criado em 2003 para difundir a experiência do Banco Palmas) para fazer a difusão da experiência em outros municípios. De 2005 a 2008, criamos 16 bancos comunitários em todo o Brasil: 10 no Ceará, um na Bahia, dois no Espírito Santo, um no Mato Grosso do Sul, um no Maranhão e um no Piauí. Esses bancos não são filiais um do outro, cada qual tem um nome, mas eles se integram na Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Essa rede troca informações, tecnologias, capacitações, mas também tem a meta de virar uma rede de negócios. Nós estamos mapeando as cadeias produtivas de cada município, através da metodologia do Mapa da Produção e do Consumo. Com esse mapa, sabemos o que cada população dos municípios onde os bancos trabalham já produz e consome. Agora o objetivo é fazer um corredor comercial entre esses municípios para que produtores possam comprar insumos uns dos outros, possam fazer compras conjuntas, possam comercializar em conjunto. A idéia é que essa rede possa avançar cada vez mais e deixar de ser a rede de relacionamentos que é hoje, para tornar-se uma rede de resultados concretos, de negócios concretos. Nessa perspectiva, a rede, esse ano, vai passar de 16 para 36 bancos. Na festa de 10 anos do Banco Palmas [realizada no final de fevereiro], o governo federal, através da Senaes, lançou o Programa Nacional de Apoio aos Bancos Comunitários, que vai criar mais 30 bancos comunitários no Brasil, em mais 10 estados. A meta, bem ousada do Instituto Palmas – através de todos os parceiros – como o Ministério do Trabalho e Emprego, da Petrobras, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e outros que estão compreendendo como os bancos comunitários são capazes de fazer inclusão social com muita rapidez e consistência – é que, até 2010, a gente possa ter mil bancos comunitários no Brasil.Mobilizadores COEP – Que outros objetivos a Rede tem?R. O primeiro objetivo é multiplicar experiências, criando outros bancos em novos municípios do Brasil. Quando falo em municípios, não me refiro só à sede do município, mas àqueles locais em que não há agências bancárias (como assentamentos, vilas e pequenos distritos). A proposta é levar serviços financeiros onde eles não existem. Depois, é fazer a capacitação, a formação destes gestores dos bancos comunitários, dos agentes de desenvolvimento, dos caixas. A rede também se preocupa em nivelar, trazer tecnologias, informações, melhorar o atendimento. Outro objetivo, no qual agora estamos avançando, é mapear, nos municípios onde os bancos atuam, os empreendimentos de economia solidária e os produtores existentes para criar um corredor comercial entre os vários municípios. Tem município em que a tendência é o artesanato, em outro é a pesca, em outro é a produção de farinha. A gente acha que dá pra fazer muita coisa entre esses municípios. E, claro, quanto mais bancos criarmos, mais famílias estamos atendendo. Em média, no primeiro ano de implantação, um banco comunitário atende 150 famílias. A gente quer ampliar o número de famílias atendidas no Brasil. A rede também tem uma grande tarefa no Brasil que é a de criar o marco legal dos bancos comunitários. Esses bancos não têm hoje uma legislação que regulamente tudo isso. Estamos colocando um peso muito grande no marco legal. Estamos no Conselho Nacional de Economia Solidária, que é um conselho nomeado pela Presidência da República, ajudando a criar o sistema nacional de finanças solidárias, que vai possibilitar recursos, tecnologias, treinamento para esses bancos. Também estamos acompanhando de muito perto o projeto de lei complementar [93/07] da deputada federal Luiza Erundina [PSB-SP], que está em tramitação no Congresso Nacional. É uma lei complementar que institui no Brasil os bancos comunitários de desenvolvimento e regula a capacidade desses bancos receberem recursos da União e fazerem poupança. Hoje, o Banco Central não permite que a gente faça poupança. É uma lei muito estratégica e a rede tem promovido audiências públicas sobre ela. Criar um marco legal também é uma tarefa da Rede Brasileira de Bancos Comunitários.Mobilizadores COEP – Existe um perfil dos integrantes da Rede ou as características são distintas?R. Os bancos integrantes da Rede atendem uma população de alto risco, que os bancos oficiais têm horror. Nenhum banco quer saber de pobre. Qualquer banco do mundo empresta dinheiro pra ganhar dinheiro, mas os bancos comunitários priorizam os mais pobres. Os usuários dos bancos comunitários são, em sua maioria, pessoas em situação de risco social, beneficiários dos programas de distribuição de renda (Bolsa Família, PETI ? Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e outros tipos de assistência pública. Outra característica é que eles atendem uma população de, no máximo, 30 mil habitantes. A metodologia não permite que eles atuem em grande escala. Os bancos comunitários se situam em locais onde não há nenhum atendimento bancário, onde o sistema financeiro não chega, não só porque são locais geograficamente distantes, mas por serem caracterizados por alta vulnerabilidade social. Eles também se caracterizam por atuarem obrigatoriamente com duas moedas: a moeda oficial do país, o real, e a moeda social local para estimular a produção e o consumo local. Outra característica muito forte é que a propriedade do banco é da comunidade. O dono, o gestor, o que fica com os resultados do banco é a própria comunidade.Mobilizadores COEP – Quantos são os usuários dos bancos comunitários no Brasil hoje? R. Isso vai variar muito de local pra local. O Banco Palmas, por exemplo, tem 10 anos de funcionamento e 1400 famílias beneficiadas. Tem bancos com dois meses de funcionamento, outros com quatro meses, outros com um ano. Em média, nós consideramos que estamos atendendo diretamente cerca de sete mil famílias no Brasil.Mobilizadores COEP – Que tipo de dificuldades os bancos comunitários enfrentam? R. Para se conseguir uma escala maior e se criar mais bancos comunitários, o marco legal é uma questão, assim como os créditos. Não adianta ter os bancos, se não se tem dinheiro para os créditos. Quando falo de crédito, é crédito pra pobre, em quantidade e condições suficientes (taxas de juros pequenas, prazo de pagamento elástico, com carência). Não se tem no Brasil um programa de crédito para os pobres. O mais próximo que existe é o PNMPO (Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado), criado pelo governo Lula, que ainda tem taxas de juros bastante elevadas e uma burocracia para acessar ainda muito grande. Os 10 bancos comunitários no Ceará ? em outros estados há outras fontes – utilizam recursos do PNMPO, mas ainda é muito burocrático. Os recursos ainda têm que passar por dentro de um banco oficial, antes de ir para o Instituto Palmas, para o Instituto poder operar. As taxas de juros ainda são altas. Temos que pegar o recurso, pagar o banco e passar os juros para os tomadores de crédito. Crédito é um problema, marco legal é um problema, capacitação é um problema, assim como o fomento. A gente precisa de recursos para comprar máquinas, equipamentos, computadores, enfim, dinheiro para fomento. Em média, com 30 mil reais se implanta um banco comunitário. São recursos para capacitação, compra de equipamentos e fomento. E geralmente se começa com 30 mil reais de crédito também. Então precisamos de 60 mil reais para começar a operar como um banco comunitário, com a moeda social e com o crédito produtivo. Esses recursos não são fáceis de conseguir. Todo ano temos que bater nas portas dos ministérios e buscar dinheiro. Mas temos confiança que, com o marco legal e com o programa nacional que a Senaes está criando, isso possa ser facilitado.Mobilizadores COEP – E a impossibilidade de se receber a poupança dos moradores?R. O sistema financeiro nacional só permite poupança nos bancos oficiais. Não tem marco legal que permita fazer isso no Brasil hoje. O que para nós é um absurdo, já que é fundamental para um banco e, na nossa concepção, é um direito do morador. Se temos um banco comunitário e nossos sócios, nossos filiados, nossos moradores acreditam no nosso banco e querem colocar o dinheiro aqui, não podem porque tem uma lei que diz só se pode depositar no banco oficial. Na nossa concepção isso é até anti-democrático, mas não tem nenhum marco legal que permita fazer isso. O projeto de lei da Luiza Erundina dá direito aos bancos comunitários de captarem poupança. Isso vai ser uma revolução no país tanto do ponto de vista dos direitos dos moradores, que poderão colocar o dinheiro onde quiserem, como para capitalizar os bancos comunitários. Em regra geral, qualquer banco vive do dinheiro que capta ? em conta corrente ou em aplicações financeiras. Se não tenho meus correntistas, meus poupadores, é difícil conseguir dinheiro. Isso é a lógica do sistema financeiro. Quem tem que sustentar os bancos comunitários são os poupadores comunitários, a população daquele local. Isso no Brasil é extremamente delicado e não é permitido porque o lobby dos bancos é violento nisso. Só os bancos oficiais podem guardar o dinheiro dos pobres e investirem com esse dinheiro. Mas o banco muitas vezes vai empobrecer a comunidade, porque tira o dinheiro dali e vai investir nos grandes centros urbanos, empobrecendo cada vez mais os pequenos municípios. Os pobres financiam os ricos. Os bancos comunitários querem quebrar isso: os pobres daqui têm que poupar aqui e nós mesmos nos auto-financiarmos com nossos próprios recursos, nosso próprio dinheiro.Mobilizadores COEP – Que políticas públicas são necessárias para o fortalecimento dos bancos comunitários?R. A primeira coisa seria pensar um programa de crédito para esses bancos. Não adianta criar um banco seco, sem dinheiro. Tem que pensar uma política de crédito, uma linha de financiamento que o Brasil pudesse criar com recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] ou do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e que representasse para esses bancos um recurso muito barato, com taxa de juros perto de zero ou até subsidiada, quem sabe. Precisaria de uma política de multiplicação desses bancos: de capacitação de agente de crédito e de gerente de crédito. Quando falo de capacitação de agente de crédito, é capacitação para a economia solidária, não um treinamento clássico, bancário, em que o agente é capacitado para ver se o cara pode pagar ou não. Precisaria de fomento, estruturar as organizações comunitárias, equipá-las com computador e internet ? para ter um banco você precisa ter internet -, capacitá-las para usar computador e internet. Com isso, podemos criar milhares de bancos comunitários. O Ministério do Trabalho e o da Educação poderiam ter uma intervenção forte nisso: um programa nacional de educação financeira para as populações locais, valorização da economia solidária, da produção e do comércio local. Isso é um grande desafio porque as pessoas, geralmente, querem comprar produto de marca, não querem valorizar o local.Mobilizadores COEP – Qual a característica desse agente de crédito para a economia solidária? Que formação ele precisa ter e que aspectos precisa considerar para conceder o crédito?R. Eles são agentes locais, então são profundos conhecedores do local onde moram. E quando digo conhecedor, não é porque pegou um livro e leu, mas porque viveu naquele local, tem sua tradição, sua raiz, conhece a dinâmica, cultura, a economia do local. A primeira característica é essa: é um conhecedor do local. Uma segunda característica é que ele deve ser uma pessoa bem quista no local. Mais do que um analista externo que vem julgar, agente de crédito é um parceiro, um aliado daquela comunidade.Para ter um crédito no banco comunitário, é preciso ter três características: primeiro tem que ser um morador daquela localidade; segundo tem que ter uma proposta econômica viável – e o analista de crédito precisa considerar que realmente aquela proposta vai gerar renda -; e o terceiro é um elemento que a gente chama de aval de confiança. O banco não vai pedir fiador ou consultar o SPC. Quem vai dizer que aquela pessoa é honesta ou não, se merece o crédito ou não, são os seus vizinhos. O analista de crédito conversa com a vizinhança e pergunta: ?Conhece o fulano? Ele já trabalhou com isso? Na sua opinião, ele é uma pessoa honesta? Merece o empréstimo do banco?? Se a pessoa tem um sinal positivo dos seus vizinhos, se o analista considera viável a proposta que ela está pensando em criar ou aumentar, e ela é moradora daquele local, vai ter acesso ao crédito.Mobilizadores COEP – Uma das principais características da atuação dos bancos comunitários é a democratização do acesso ao crédito. Qual a importância dessa democratização? Apenas esse acesso é suficiente para que a população de baixa renda desenvolva empreendimentos para a geração de trabalho e renda?R. O nosso grande diferencial nem está no acesso ao crédito, mas na reorganização das economias locais. O banco empresta crédito para a produção e para o consumo porque nós temos essa tese que o crédito sozinho, isolado, tem dois riscos grandes. O primeiro é a falência, porque a pessoa não tem comprador, não tem escala e não tem consumidor porque o mercado capitalista estimula todo mundo a comprar produtos de fora, fabricados pelas grandes empresas. O segundo elemento, e a gente tem que ter muita atenção quanto a isso, é que muitos programas de crédito enfocam o cliente, ou seja, você analisa se a pessoa tem condição ou não de pagar aquele crédito. Se ela tiver, você vai investir nela. Mas o que acontece muitas vezes? Digamos que a pessoa quer montar um bar. Ela pode criar um bar bom, melhorar a condição daquele bar e quebrar o bar do vizinho. Aí você gera um emprego e desemprega o outro. O banco comunitário não foca na pessoa, no tomador de crédito, mas no território porque quer que o território se desenvolva. Então vai analisar isso. Antes de implantar um banco, a gente faz o mapa da produção e do consumo pra saber quem está produzindo onde e quem está consumindo o quê. Depois, para emprestar o crédito, a gente pergunta: ?O que você quer fazer? Já tem alguém fazendo?? – Ah, eu quero colocar uma fábrica de confecção. Quando você olha o mapa, vê que já tem uma outra pessoa fazendo isso três quarteirões depois. ?Então você diz: se você fizer a fábrica, ou não vai se dar bem porque ela [o concorrente] vai dominar você ou [você] vai crescer e quebrar o negócio dela?. Isso não interessa ao banco comunitário. Por isso, a gente reorganiza as economias locais, estimulando que um produza em função do outro: é o crédito orientado tanto do ponto de vista tecnológico, auxiliando o produtor a produzir melhor, quanto do social, orientando para que o crédito ajude a potencializar a economia local e não a estimular a concorrência. A estratégia de empreendedorismo econômico, de as pessoas sozinhas empreenderem e disputarem o mercado, levou o mundo à desgraça que está hoje: quem é mais forte se dá bem, quem é mais fraco quebra. Isso não interessa. O banco comunitário trabalha o crédito, mas estimulando a criação de cadeias produtivas, estimulando que um produza e consuma em função do outro. Isso é o marco da economia solidária. É um grande diferencial em relação a uma instituição financeira tradicional, por isso a gente nem se considera uma instituição de microfinança, mas um programa de desenvolvimento focado na reorganização das economias locais. Quando você pega um crédito num banco comunitário, você entra numa rede local, que é a rede de ?prossumidores?. Esse banco automaticamente te manda um monte de clientes porque ele empresta também para o consumo, você vai entrar nessa relação de produtores a serem beneficiados por esses consumidores. Se quiser, pode expor na loja solidária, que o banco cria nas comunidades para vender os produtos, pode ter uma barraca na feira, vai ter uma série de capacitações através de uma rede de relacionamentos que o banco tem. No caso do Palmas, temos relacionamento com o Sebrae, a universidade, a prefeitura. Você é muito mais que um cliente, é membro de uma rede local. O papel do banco é criar rede local de desenvolvimento e animar os processos dessa rede com crédito, capacitação, tecnologias, organização da produção e do consumo.Mobilizadores COEP – No II Encontro da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, realizado de 18 a 21 de abril de 2007, no Ceará, foram definidas algumas propostas para os bancos comunitários. Uma delas diz respeito à ?criação de um fórum local para que haja maior participação da comunidade e para que a mesma possa exercer um maior controle social sobre as ações do banco?. De que forma a comunidade pode exercer esse controle social? Já existe alguma experiência neste sentido em curso? Qual é a importância dessa participação?R. Os bancos comunitários primam por dois fatores fundamentais: a autonomia e o controle social. Quanto à autonomia, esses bancos não pertencem ao governo, a um candidato, a um deputado ou vereador, a um empresário; são bancos da comunidade. Primam também pela transparência em tudo o que fazem. A primeira instância de transparência é a organização comunitária da qual fazem parte. Tem que ser uma organização democrática, com um conjunto de diretores, uma assembléia de sócios, uma rede que se reúne periodicamente. Todos os bancos comunitários criam um controle social externo – um conselho, um fórum – isso faz parte da metodologia e tem que ser criado. E também tem que divulgar seus resultados. Aqui no Banco Palmas, a gente tem um jornal chamado Banco Palmas na Rede, que é distribuído para a população, contendo os números e os dados do banco. Em Vila Velha [ES], tem o ?conselhão? da região ? que foi premiado pela Caixa Econômica Federal – que discute o banco, cria os produtos. Em Santana do Acaraú, no Ceará, o Banco Bassa tem o fórum dos assentados. Todos os assentamentos da região se reúnem uma vez por mês e discutem as questões do banco. Em Alcântara [MA], no Banco Quilombola, o Mabe [Movimento dos Atingidos pela Base Espacial] reúne dezenas de comunidades quilombolas, de organizações locais, e o banco está ligado a este fórum. De maneira que, em todos os locais, o que dá sentido e sustentabilidade ao banco comunitário não é seu poderio econômico, não é sua gestão institucional complexa e bem organizada, não são os produtos financeiros que ele tem, mas a mobilização e a organização da comunidade. É isso que segura o banco e dá credibilidade. Nenhum banco comunitário se sustenta sem uma base social, sem um controle social muito forte.Mobilizadores COEP – Uma outra proposta do encontro fala sobre o engajamento da Rede de Bancos Comunitários no apoio ao movimento pelo consumo consciente. Qual a relação do consumo consciente com a atuação dos bancos comunitários?R. A base de um banco comunitário é criar a rede de ?prossumidores?, de produtores e consumidores, de valorização de produtos locais. O banco entende que é produzindo e consumindo do local que se consegue o desenvolvimento econômico. Então, a rede tem uma série de instrumentos, como campanhas educativas promovidas por cada grupo, para conseguir isso: campanha nas escolas, nas igrejas, teatro, fotonovela, vídeo. Aqui no Banco Palmas temos vídeo, fotonovela, peças de teatro, música, bloco de carnaval. São dezenas de manifestações artísticas, culturais e de instrumentos pedagógicos que esses bancos foram criando para levar a lógica do consumo consciente. Tem também as lojas solidárias. Tem aqui em Fortaleza, em Vitória do Espírito Santo, com o Banco Bem, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, com o Banco Pirê. As lojas solidárias têm se multiplicado muito, colocando os produtos locais. Não se conseguiu avançar ainda na relação com o movimento do comércio justo, do comércio consciente. Estamos fazendo alguns contatos, mas não temos ainda um engajamento mais concreto, mas essa é uma meta para os próximos 10 anos. Mas, localmente, têm sido criados muitos instrumentos, tanto instrumentos pedagógicos, de conscientização dos moradores, quanto instrumentos de locais de comercialização ao redor ou anexos aos bancos comunitários.Mobilizadores COEP ? Entre os resultados que os bancos comunitários já têm alcançado, quais o senhor destaca?R. Há resultados quantitativos e qualitativos. Em 2007, foram beneficiadas diretamente cinco mil famílias atendidas pelos produtos de crédito, capacitação e formação dos bancos comunitários. Quanto ao microcrédito, estamos emprestando em todo o Brasil cerca de um milhão de reais. O microcrédito está chegando às famílias mais pobres. Foram mais de três mil contas correntes abertas por pessoas que jamais tiveram uma conta. Os bancos criaram, ano passado,15 pequenas empresas solidárias em todo o Brasil: empresas de confecção, de sapato, artesanato, de material de limpeza, sabonete, fabricação de doces caseiros etc. Estamos fazendo esse balanço mais geral agora, mas esses bancos têm concretamente levado trabalho e gerado renda no Brasil inteiro. Há também aspectos qualitativos. Quando têm bancos comunitários, as comunidades se organizam melhor, se empoderam, abrem canais de comunicação, criam parcerias, o que é muito importante. Essa capacidade de levar à organização é a maior contribuição dos bancos comunitários. Dois bancos da Rede ? o Banco Bem e o Banco Terra ? ganharam. em 2007, o prêmio Melhores Práticas do Brasil, promovido pela Caixa Econômica Federal. O Banco Palmas também ganhou prêmios no ano passado: da revista Trip, da UBS, da Ashoka. Esses bancos têm conseguido trazer esse orgulho, essa capacidade de organização, de se mobilizar as comunidades locais, que contribuem efetivamente para a melhoria da comunidade. São resultados que trabalham o empoderamento, a organização popular, os processos de lutas comunitárias e isso vai trazer novas conquistas.Conheça os bancos comunitários existentes hoje e os municípios onde estão sendo implantados novos bancos, clique aqui.Entrevista concedida à: Danielle BittencourtEdição: Danielle Bittencourt e Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Antevejo com os bancos comunitários uma verdadeira revolução que transcorre pacificamente, utilizando técnicas que não têm cor política. Gostaria de visitar o BAnco Palma. Assim que tiver condições irei a Fortaleza para conhcer essa inciativa. Parabéns a todos que es~tao iniciando e praticando essa nova idéia de grande alcance social.
J. Anchieta Correia – Ms
Parabens Espirito Santo pelo fortalecimento dos Bancos Comunitários
Para demonstra que o nosso Estado está participando do Desenvolvimento de Bancos Comunitários, com atuação de organizações associadas ao COEP/ES, veja o que ocorreu em Vitória :
Seminário propõe apoio do Governo do Estado para os Bancos Comunitários Capixabas
O comprometimento do Governo do Estado do Espírito Santo com o fortalecimento dos Bancos Comunitários Capixaba: este foi o desafio apresentado e discutido no Seminário ?Bancos Comunitários de Desenvolvimento ? O Desafio de uma Proposta? realizado, no dia 04 de abril de 2008, no auditório do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (BANDES), em Vitória., pela organizações associadas ao COEP/ES , que foi uma parceria entre o BANDES, a Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (SETADES), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Rede Capixaba de Bancos Comunitários.
O seminário é o primeiro passo na estruturação da parceria entre o Governo do Estado e a Rede Capixaba de Bancos Comunitários. Durante o evento foram discutidos temas como Economia Solidária e a atuação dos bancos comunitários. Também houve a apresentação de experiências dos Bancos Palmas, de Fortaleza (CE), e dos bancos capixabas ?Bem? e ?Terra?.
A experiência poderá ser ampliada a partir dos bancos comunitários que já atuam no Estado e amparada em parcerias com entidades já existentes, estruturadas e que conheçam a realidade dos municípios. A idéia é que, ainda este ano, alguns bancos comunitários como o Banco Terra, em Vila Velha, e o Banco Bem, em Vitória, que já atuam em áreas de grande vulnerabilidade social, recebam apoio. Outros dois bancos em formação também serão beneficiados: um em Cariacica e outro em Vila Velha.
A previsão é que mais parcerias sejam firmadas com novos bancos comunitários no Estado.
Como resultado do Seminário foi criado um grupo de trabalho com representantes da SETADES, BANDES, SEBRAE e Rede Capixaba de Bancos Comunitários, com o objetivo de desenhar a proposta de apoio do Estado para os Bancos Comunitários no prazo de 40 dias e em seguida apresenta-la à comunidade.
parabens a coep e parabens ao joao, por ter cedido essa entrevista tao importante para nós presidentes de associacoes. muito obrigado
Muito bacana ler essa entrevista e ao mesmo tempo fico imensamente feliz por saber que outras pessoas vão conhecer e valorizar os Bancos Comunitários como solução, desvinculado do mercado capitalista, em uma Noca Economia Acontece. No Espírito Santo, fiz parte do nascimento do Banco Bem, em Vitória, do Banco Terra em Vila Velha, e agora estamos a caminho de mais um Banco que será o SOL em Cariacica.
Nao dia 04/04 em Vitória estara realizando o Seminário: Bancos Comunitários de Desenvolvimento – O Desafio de uma Proposta – na certeza que teremos mais recursos. Vamos contar com a presença do João Joaquim de Melo Neto.
Parabéns pela equipe dos mobilizadores do COEPNacional.