Rosimere de Souza éassistente social, representante da Organização de Direitos Humanos Projeto Legal e membro da Coordenação da Associação Nacional dos Centros de Defesa para Criança e do Adolescente ? ANCED. Nessa entrevista, ela nos fala sobre as políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas para as crianças e adolescentes, como o Estado está organizado para promovê-las, e sobre a comemoração dos 15 anos de aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mobilizadores Coep – O que são Políticas Publicas para crianças e adolescentes?
R. São todas as ações públicas voltadas para a defesa, garantia e promoção dos direitos infanto-juvenis, desenvolvidas por organismos do governo e da sociedade civil nos municípios e estados. Na área da criança e do adolescente trabalha-se com a idéia de um Sistema de Garantia de Direitos (SGD) no qual se articulam representações do Estado (Ministério Público, Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário) e da sociedade civil (instituições de atendimento, centros de defesa de direitos, fundações, institutos, igrejas, etc) e ainda Conselhos de Defesa dos Direitos, Conselhos Tutelares e Fóruns. Espera-se que os atores que compõem tal sistema, ao cumprirem com suas atribuições de forma articulada, contribuam para a efetiva implementação da Proteção Integral propugnada pela Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente e consubstanciada na Constituição Federal de 1998 (especialmente no artigo 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8069/90). A Proteção Integral vem a ser um novo paradigma no campo de atenções à criança e ao adolescente no Brasil, uma vez que rompe com conceitos e formas de atendimento até então vigentes. A criança e o adolescente em situação de risco passam a ser vistos como sujeitos de direitos, com vez e voz e não mais como alguém em situação irregular ou uma ameaça social. A política passa a ser pensada de forma horizontalizada e não mais verticalizada, o que traz como resultado uma maior adequação dos instrumentos e recursos às necessidades de crianças e adolescentes em suas respectivas regiões. Os Conselhos de Direito – órgãos compostos por representações dos governos e da sociedade civil em todas as esferas – são, neste conceito, os espaços legítimos de discussão e produção de subsídios para a elaboração de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes.
Mobilizadores Coep – Sobre quais eixos prioritários estão pautadas as Políticas Publicas para a infância e a adolescência? E como vêm sendo desenvolvidas?R: Os eixos prioritários sobre os quais estão pautadas as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes hoje no Brasil são os seguintes:Eixo da defesa – onde se encaixam os órgãos de justiça, de segurança pública, os centros de defesa de direitos, dentre outros, responsáveis pela atenção jurídico-social às situações de violação ou ameaça aos direitos infanto-juvenis. Podemos destacar, neste campo, as ações judiciais em defesa dos adolescentes em conflito com a lei, em cumprimento de medida sócio educativa de internação, que têm sofrido maus tratos e tortura nestas unidades, e ações judiciais em defesa de meninas e meninos explorados sexualmente, entre outras. Também podemos ressaltar a preocupação do governo com a criação de Varas Especializadas para atendimento a este segmento no âmbito da Justiça e Núcleos de Atendimento nas Defensorias Públicas daqueles estados em que tais organismos existem.
Eixo do controle ou vigilância – onde está o Ministério Público, os Conselhos Tutelares, a sociedade civil por meio dos Conselhos de Direitos, todos voltados para a atenção ao cumprimento dos direitos por parte do Estado e da própria sociedade civil: é o espaço de monitoramento e incidência social e política. Após a CF de 1988, com o aumento das atribuições do Ministério Público, a sociedade civil ganhou um novo aliado. Este guardião da cidadania tem contribuído muito para a proteção de crianças e adolescentes, propondo em muitas situações termos de ajustamento de conduta para aqueles governos que, por algum motivo, não conseguem garantir condições mínimas de vida para sua população menor de idade. Além disto, podemos destacar que, após 15 anos de ECA, a sociedade está mais consciente sobre sua responsabilidade neste campo, pois como diz o artigo 227 da CF “é dever do Estado, da sociedade e da família zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”. A ANCED (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) em parceria com o FDCA (Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) apresentou, perante o Comitê da Criança da ONU, o Relatório da Sociedade Civil sobre o “Cumprimento dos Direitos da Criança e do Adolescente previstos na Convenção dos Direitos”. Tal relatório teve grande repercussãona ONU e contribuiu para fundamentar o rol de recomendações dessa Organização para que o Governo Brasileiro faça os ajustes necessários nas políticas de atenção à crianças e adolescentes brasileiros.
Eixo da promoção dos direitos – Este é o eixo no qual se situam os programas, projetos e ações voltados para o atendimento às necessidades de crianças e adolescentes. É o campo da execução das políticas. Hoje, no Brasil, há vários programas de atenção sendo debatidos, planejados, aperfeiçoados, paraque possam atender às situações de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual, do trabalho forçado, do tráfico de seres humanos, envolvidos com drogas, sob risco ou ameaça de morte, entre outras. Mobilizadores Coep – Em 2005, comemoramos os 15 anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da ratificação pelo Brasil da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). Quais avaliações vêm sendo feitas em relação aos ganhos e dificuldades encontrados?
R: Recentemente a ANCED lançou uma publicação sobre este tema, sob o título “15 olhares sobre os 15 anos do ECA”. Na opinião dos Centros de Defesa, houve avanços no que diz respeito à regulamentação dos direitos do ponto de vista da construção do marco legal. Contudo, o mesmo não ocorreu no campo do atendimento. Ainda são muitos os problemas para a implementação da Proteção Integral. Hoje vivemos um grande problema que é a perda de status da autoridade central que trata das questões infanto-juvenis no Governo Federal, o que significa um retrocesso do processo de institucionalização dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil. Aliado a este fato, temos observado uma gradativa redução dos recursos Federais para esta área nos últimos anos. Outra questão é que os municípios ainda não estão preparados para assumirem completamente alguns programas de atendimento, por diversos problemas. Um deles diz respeito à inadimplência (por isto não podem fazer convênio com o Governo Federal) e à falta de estrutura interna (falta de profissionais capacitados na área). A situação do adolescente em conflito com a lei está cada vez mais séria e os governos ainda tratam este tema, que é uma questão social, como caso de polícia e de segurança pública. Os Conselhos de Direitos e Tutelares, principais mecanismos de exigibilidade de direitos de crianças e adolescentes, estão sem condições de atuação, seja por problemas de infra-estrutura, seja por falta de capacitação de seus membros. Ainda que tais problemas estejam presentes em todos os outros setores das políticas sociais, quem mais sofre são os grupos vulneráveis (mulheres, crianças) e as minorias (étnicas e religiosas). Mobilizadores Coep – Quais os desafios que o governo e a sociedade civil vêm enfrentando para a melhoria do bem-estar da população infanto-juvenil?
R: Penso que muito já foi dito nas questões anteriores, mas o que mais temos reivindicado se resume em dois aspectos: mais recursos e mais estrutura pois, de acordo com a nossa Carta Magna, criança é prioridade absoluta.
Mobilizadores Coep – Fale um pouco sobre sua experiência como Membro da Coordenação da Associação Nacional dos Centros de Defesa para Criança e do Adolescente – ANCED e da Organização de Direitos Humanos Projeto Legal?
R: Para entender minha experiência na ANCED é importante conhecer um pouco maisa organização.Atuo nesta área desde 1989, antes mesmo de me formar como assistente social. Estou na coordenação da ANCED, representando a Organização de Direitos Humanos Projeto Legal (Rio de Janeiro) desde o início deste ano, mas já estive nesta posição nos anos de 2000 a 2002. A ANCED existe há 12 anos e, desde então, renovamos a coordenação entre os Centros de Defesa (ou CEDECAs) de 2 em 2 anos. Hoje, além do Projeto Legal, compartilho esta coordenação com Nelma Silva do CEDECA; Marcos Passerini (São Luiz, Maranhão); e Eliana Athayde da Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião (Rio de Janeiro, RJ). Temos como objetivo principal contribuir para a implementação integral da Política de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, assegurando, em especial, o acesso à justiça para efetivação de seus Direitos Humanos, com vistas a um Estado e à uma sociedade democráticos e sustentáveis. Estamos na atual gestão do CONANDA – Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – representados por Renato Roseno (CEDECA/Ceará). Promovemos os debates internos por meio de uma rede virtual que congrega 5 Grupos de Trabalho: GT Orçamento Criança; GT Violência Sexual; GT Impunidade; GT Ato Infracional e GT Convenção dos Direitos da Criança. Tais GTs realizam debates sobre estes temas com o objetivo de incidir sobre os rumos das políticas voltadas para crianças e adolescentes.