“A maior e mais concorrida parada gay do mundo está no Brasil, assim como a maior associação LGBT da América latina. O casamento homoafetivo foi legalizado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal e as novelas mostram cada vez mais personagens “fora do armário”. Por outro lado, o Brasil ainda hoje é cenário de cruéis espancamentos e assassinatos de gays e travestis”. A afirmação é de Nashla Dahás, historiadora e pesquisadora da Revista de História, da Biblioteca Nacional, cuja edição de agosto teve como tema “Homossexualidades – Da perseguição à luta por igualdade”.
Nashla defende a necessidade de nos empenharmos para desconstruir a homofobia cultural enraizada em nossa sociedade, que impede o reconhecimento dos direitos das “chamadas minorias sexuais e de gênero”, e defende “a erradicação da homofobia partidária”, para que grupos e partidos não possam mais se manifestar “em favor da violência e do preconceito contra a comunidade LGBT”.
Rede Mobilizadores – O que é o dossiê Homossexualidades? O que o motivou? Que aspectos se destacam?
R. O dossiê pretendeu historicizar algumas das principais ideias ligadas atualmente ao termo homossexualidade(s) no Ocidente, sobretudo a partir da Época Moderna, enfatizando os vieses cultural e político.
No que diz respeito ao Brasil, demos destaque ao discurso médico-religioso do século XIX na busca pela disciplinarização dos sexos, bem como ao surgimento das militâncias dos diferentes grupos que se opunham àquele movimento no século XX. Buscamos, ainda, abordar os projetos e políticas públicas persecutórias – ainda não totalmente dissipadas, além de discutir a questão a partir de diferentes perspectivas, incluindo os campos da arte e da educação.
Além de todas essas questões, é preciso colocar como motivação fundamental para a produção do dossiê aquilo que a própria carta do editor deste número ressalta: “o Brasil é líder mundial em crimes homofóbicos, A intolerância em atos e palavras tem formado um ambiente social que, no limite, leva ao assassinato e ao suicídio”.
Rede Mobilizadores – Quais os principais ganhos do movimento LGBT no Brasil e quais os maiores desafios hoje?
R. Pode-se dizer que, atualmente, alguns respeitados líderes católicos e protestantes se esforçam para desconstruir as supostas condenações de Javé aos homens e mulheres que se amam e desejam. Como lembra o professor e fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, recentemente, o próprio papa Francisco declarou: “quem somos nós para julgar os homossexuais?”.
Do lado das conquistas, podemos dizer que a maior e mais concorrida parada gay do mundo está no Brasil, assim como a maior associação LGBT da América latina. O casamento homoafetivo foi legalizado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal e as novelas mostram cada vez mais personagens “fora do armário”.
Por outro lado, o Brasil ainda hoje é cenário de cruéis espancamentos e assassinatos de gays e travestis, alimentados inclusive, por declarações altamente homotransfóbicas de parlamentares e lideranças cristãs.
Rede Mobilizadores – O surgimento da Aids acirrou o preconceito contra os homossexuais. De que forma esse preconceito foi alimentado e qual foi a reação dos movimentos LGBT?
R. O artigo de Joana Maria Pedro e Elias Ferreira Veras trata especificamente sobre esse tema. Eles mostram como a cruzada religiosa-médica-midiática dos anos de 1980 transformou os gays em sinônimo da Aids, contribuindo para que parte da sociedade acreditasse na epidemia como castigo divino.
Ao mesmo tempo, entretanto, o pânico social e moral da Aids fortaleceu a luta homossexual contra os preconceitos. Em 1985, por exemplo, o Grupo Gay da Bahia (GGB) conseguiu uma vitória significativa: em campanha, fez o Ministério da Saúde excluir o código que definia a homossexualidade como “desvio ou transtorno sexual”.
Rede Mobilizadores – A homossexualidade feminina é menos estudada. Por quê?
R. Segundo pesquisadores do tema como James Green, as fontes a respeito da homossexualidade feminina são menos numerosas. As lésbicas costumam ser menos visíveis em função da opressão da mulher na sociedade brasileira. Até o surgimento do movimento LGBT, é muito difícil encontrar na história registros documentais para pesquisar. Porém, como afirma Green, o entrevistado da edição RHBN “Homoessexualidades”, as coisas estão mudando, há uma nova geração mais audaz, mais disponível hoje.
Rede Mobilizadores – Na sua avaliação quais as principais políticas públicas deveriam ser adotadas para combater a homofobia?
R. É preciso empenho no sentido da desconstrução de uma homofobia cultural enraizada e atualizada que impede a sociedade heteronormativa de reconhecer os direitos das chamadas minorias sexuais e de gênero. As universidades podem ajudar ampliando os incentivos à pesquisa histórica em torno do tema.
Na área das políticas públicas, precisamos urgentemente erradicar a clara homofobia partidária, impedindo que grupos e partidos se manifestem em favor da violência e do preconceito contra a comunidade LGBT.
Entrevista concedida a: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa