As causas e as conseqüências do bullying e a forma como professores, pais ou responsáveis podem contribuir para seu combate ou prevenção são os temas desta entrevista com o pediatra Lauro Monteiro, fundador da Abrapia – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e a Adolescência -,idealizador e editor do site Observatório da Infância. Segundo Lauro Monteiro, por vezes, as vítimas do bullying são escolhidas por apresentarem algumas diferenças em relação ao grupo no qual estão inseridas e, assim, é fundamental que responsáveis e escolas ajudem ?as crianças a lidar com as diferenças, procurando questionar e trabalhar seus preconceitos?.
Mobilizadores COEP – O que é o bullying e quais são suas principais causas?
R. É uma situação que ocorre, sobretudo, mas não apenas, nas escolas, caracterizada por atos agressivos, repetitivos e deliberados de alguns alunos contra um ou mais colegas. A palavra bullying é muito forte e concisa. Ainda não temos em português uma palavra capaz de resumir e englobar tão bem as diversas formas de agressividade. Quando iniciamos no Brasil, em 2001, o nosso trabalho nessa área, achávamos que haveria problemas com o termo, mas vemos hoje que ele já está inserido no cotidiano de muitas escolas, da mídia, da sociedade em geral. O bullying ocorre em qualquer escola, independente de condições sociais e econômicas dos alunos. Participam do bullying nas escolas os alunos-alvo (que sofrem o bullying), os alunos-autores (que praticam o bullying) e os alunos testemunhas silenciosas (que assistem aos atos de bullying, sem nada fazer). É comum que as crianças passem por situações na vida, em que se sintam fragilizadas e, em decorrência, disso tornem-se temporariamente agressivas. Assim, o nascimento de um novo bebê na família, a separação dos pais ou a perda de algum parente próximo podem ser motivo para a mudança repentina no comportamento da criança. No entanto, normalmente, essa “tempestade” aos poucos vai passando e volta a “calmaria”. Mas, há casos em que se observa algo diferente: algumas crianças apresentam uma agressividade não apenas transitória, mas permanente. Parecem estar sempre provocando situações de briga. Os autores do bullying são, comumente, indivíduos que têm pouca empatia. Freqüentemente, pertencem a famílias desestruturadas, nas quais há pouco relacionamento afetivo entre seus membros. Seus pais exercem uma supervisão pobre sobre eles, toleram e/ou oferecem como modelo para solucionar conflitos o comportamento agressivo ou explosivo. Outros motivos que contribuem para que a criança se torne agressora crônica são: ter sido mal acostumada e por isso esperar que todo mundo faça todas as suas vontades e atenda sempre às suas ordens; gostar de experimentar a sensação de poder; não se sentir bem com outras crianças, tendo dificuldade de relacionamento; sentir-se insegura e inadequada; sofrer intimidações ou ser tratada como bode expiatório em sua casa; ter sido vítima de algum tipo de abuso; ser freqüentemente humilhada pelos adultos; viver sob constante e intensa pressão para que tenha sucesso em suas atividades. Evidentemente, essas crianças precisam de ajuda, mais do que de punição. Torna-se urgente dar assistência a elas, para que se possa interromper esse ciclo de violência que vai se instalando em suas vidas.
Mobilizadores COEP – E qual o perfil das que sofrem o bullying?
R. Geralmente, os autores de bullying procuram pessoas que tenham alguma característica que sirva de foco para suas agressões. Assim, é comum eles abordarem pessoas que apresentem algumas diferenças em relação ao grupo no qual estão inseridas, como por exemplo: obesidade, baixa estatura, deficiência física, ou outros aspectos culturais, étnicos ou religiosos. O que se verifica é que essas crianças são alvos mais visados e tornam-se mais vulneráveis ao bullying, por possuírem algumas dessas características específicas. Mas, o fato de sofrer bullying não é culpa da vítima, pois ninguém pode ser responsabilizado por ser diferente! Na verdade, a diferença é apenas o pretexto para que o agressor satisfaça uma necessidade que é dele mesmo: a de agredir. Tanto os pais, quanto as escolas, devem ajudar as crianças a lidar com as diferenças, procurando questionar e trabalhar seus preconceitos. E uma das boas maneiras de se lidar com isso é promovendo debates, nos quais os jovens possam tomar consciência dessas questões e confrontar suas idéias com a de outros jovens.
Mobilizadores COEP – Quais são as conseqüências do bullying?
R. A vítima pode apresentar baixa auto-estima, dificuldade de relacionamento social e no desenvolvimento escolar, fobia escolar, tristeza, depressão, podendo chegar ao suicídio e a atos de violência extrema contra a escola. Já os autores podem se considerar realizados e reconhecidos pelos seus colegas pelos atos de violência e poderão levar para a vida adulta o comportamento agressivo e violento. As testemunhas silenciosas também sofrem, pela sua omissão e falta de coleguismo. Muitos se sentem culpados por toda a vida.
Mobilizadores COEP – Como identificar uma situação que poderia ser classificada de bullying? Que atitudes caracterizam a prática e como perceber que uma criança pode estar sendo vítima de bullying?
R. As atitudes mais comuns são as de ofensas verbais, humilhações, exclusão, discriminação, mas também podem envolver agressões físicas e sexuais. Apelidos ofensivos é a principal queixa dos alunos-alvo. Duas situações freqüentes nas pesquisas européias sobre o tema ainda são pouco citadas entre nós – a homofobia é uma, e a outra é o “cobrar pedágio”, extorquindo dinheiro do lanche, por exemplo. Alguns indicadores de quando a criança ou adolescente está sendo alvo de bullying são quando demonstram falta de vontade de ir à escola; sentem-se mal perto da hora de sair de casa; pedem para trocar de escola; revelam medo de ir ou voltar da escola e pedem sempre para ser levado/a; mudam freqüentemente o trajeto entre a casa e a escola; apresentam baixo rendimento escolar; voltam da escola, repetidamente, com roupas ou livros rasgados; chegam muitas vezes em casa com machucados inexplicáveis; tornam-se pessoas fechadas, arredias; parecem angustiadas, ansiosas, deprimidas; apresentam manifestações de baixa auto-estima; têm pesadelos freqüentes, chegando a gritar “socorro” ou “me deixa” durante o sono; “perdem”, repetidas vezes, seus pertences, seu dinheiro; pedem sempre mais dinheiro ou começam a tirar dinheiro da família; evitam falar sobre o que está acontecendo, ou dão desculpas pouco convincentes para tudo; passam a apresentar sinais de somatizações (diarréia, vômitos, dores abdominais, asma, insônia e pesadelos) e problemas emocionais (como tristeza, depressão) ou sociais (como isolamento e não participação em atividades de grupo); tentam ou cometem suicídio. Se seu filho (filha) apresenta alguns dos sinais descritos acima, pode ser que ele (ela) esteja sendo alvo de bullying. Os pais devem estar sempre atentos para essa possibilidade. Acompanhar a socialização da criança é tão ou mais importante quanto tomar conhecimento do seu aproveitamento escolar. Uma boa dica é convidar os colegas da escola para irem à sua casa. Tente conversar com a criança sobre o assunto e, caso confirme sua suspeita, procure o professor e/ou a direção da escola para ajudarem a solucionar o problema. Não exija da criança o que ela não se sente capaz de realizar, não a culpe pelo que está acontecendo e elogie sua atitude de relatar o que a está atormentando.
Mobilizadores COEP – A partir da identificação da ocorrência do bullying, que medidas devem ser tomadas tanto em relação aos que praticam ou os que são vítimas?
R. O primeiro passo é o reconhecimento pela sociedade, pelos pais e, sobretudo pelas escolas de que o bullying existe, é danoso e não pode ser admitido. À escola cabe a responsabilidade maior de envolver todos seus membros na não aceitação do bullying privilegiando a prevenção. Diante de casos ocorridos, à escola compete reunir todos os participantes e as famílias. Os pais e os alunos têm, obrigatoriamente, que participar. Os pais devem incentivar o filho a falar, ir à escola e buscar uma solução que envolva toda a comunidade escolar. É lógico que isso só será possível se a escola tiver como lema a não aceitação do bullying. É bom lembrar que o bullying ocorre em todas as escolas. Diz-se que a escola que afirma que lá não ocorre o bullying é provavelmente aquela onde há mais incidência dessa prática, porque nada fazem para prevenir e reprimir. Se você for informado de que seu(sua) filho(a) é um(a) autor(a) de bullying, converse com ele(a) e saiba que ele(a) está precisando de ajuda. Não tente ignorar a situação, nem procure fazer de conta que está tudo bem; procure manter a calma e controlar sua própria agressividade ao falar com ele(a).-Não o(a) agrida, nem o(a) intimide, mostre que a violência deve ser sempre evitada. Diga que você sabe o que está acontecendo, mas procure demonstrar que o(a) ama, apesar de não aprovar esse seu comportamento.-Garanta a ele(a) que você quer ajudá-lo(a) e que vai buscar alguma maneira de fazer isso.-Tente identificar algum problema atual que possa estar desencadeando esse tipo de comportamento e, nesse caso, ajude-o(a) a sair disso.-Com o consentimento dele (a), entre em contato com a escola; converse com professores, funcionários e amigos que possam ajudá-lo(a) a compreender a situação. Dê orientações e limites firmes, capazes de ajudá-lo(a) a controlar seu comportamento.-Procure auxiliá-lo(a) a encontrar meios não agressivos para expressar suas insatisfações.-Encoraje-o(a) a pedir desculpas ao colega que ele(a) agrediu, seja pessoalmente ou por carta.-Tente descobrir alguma coisa positiva em que ele(a) se destaque e que venha a melhorar sua auto-estima.-Procure criar situações em que ele(a) possa se sair bem, elogiando-o(a) sempre que isso ocorrer.
Mobilizadores COEP – E como deve ser feita a prevenção do bullying nas escolas?
R. Diretores, coordenadores e professores que desejam reduzir o bullying dentro das escolas precisam, desde o primeiro dia de aula, avisar aos alunos que essa prática não será tolerada nas dependências da escola. Todos devem se comprometer com isso: não o praticando e avisando à direção sempre que ocorrer um fato dessa natureza. Também devem promover debates sobre o tema nas classes, fazendo com que o assunto seja bastante divulgado e assimilado pelos alunos. Os estudantes podem ser estimulados a fazer pesquisas para saber o que alunos, professores e funcionários pensam sobre o bullying e como acham que se deve lidar com esse assunto, e os diretores podem convocar assembléias, reuniões ou afixar cartazes para que os resultados da pesquisa possam ser apresentados a todos os alunos. É importante também oferecer a oportunidade de que os próprios alunos criem regras de disciplina para suas classes. Essas regras, depois, devem ser comparadas com as regras gerais da escola, para que não haja incoerências. Da mesma maneira, devem permitir que os alunos busquem soluções capazes de modificar o comportamento e o ambiente. Sempre que ocorrer alguma situação de bullying, procure lidar com ela diretamente, investigando os fatos, conversando com autores e alvos. Quando ocorrerem situações relacionadas a uma causa específica, tente trabalhar objetivamente essa questão, talvez por meio de algum projeto que aborde o tema. Evite, no entanto, focalizar alguma criança em particular. Converse com os alunos envolvidos e diga-lhes que seus pais serão chamados para que tomem ciência do ocorrido e participem junto com a escola da busca de soluções. Interfira diretamente nos grupos, sempre que isso for necessário para quebrar a dinâmica de bullying: faça os alunos se sentarem em lugares previamente indicados, mantendo afastados possíveis autores de seus alvos. Converse com a turma sobre o assunto, discutindo sobre a necessidade de se respeitarem as diferenças de cada um. Reflita com eles sobre como deveria ser uma escola onde todos se sentissem felizes, seguros e respeitados.
Mobilizadores COEP – Poderia citar estratégias de intervenção bem-sucedidas contra o bullying em escolas brasileiras?
R. Em 2002/2003, fizemos uma pesquisa [Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes, realizada pela Abrapia e disponível no site do Observatório da Infância em www.observatoriodainfancia.com.br] em nove escolas públicas e duas particulares no Rio de Janeiro. No Colégio Santo Inácio (zona sul do Rio), já havia um programa contra qualquer tipo de discriminação, que mobilizava toda escola. O Colégio Notre Dame da Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), que é uma rede nacional, demonstrou um interesse recente de reproduzir o nosso livro sobre o programa. As escolas, por vezes, nos chamam para fazer palestras, mas a coisa não evolui como uma política. Tivemos dificuldades com algumas escolas, que diziam que não tinham bullying. Quem deveria começar isso, deveria ser o serviço público, que deveria instalar um programa contra discriminação e, mais especificamente, contra o bullying nas escolas públicas. Hoje o projeto sobre o bullying acabou e não sei se essas escolas continuam com algum programa. Nosso trabalho só continua através de palestras. Muitas informações sobre a pesquisa estão no site do Observatório da Infância. As pessoas dão uma ênfase maiorà violência dos professores contra alunos, dos alunos contra professores, porte de armas pelos alunos, e ainda não muito sobre o bullying, que é um dos sub-temas do grande tema da violência nas escolas. Acho que as pessoas estão começando a pensar nisso, mas ainda está muito lenta a discussão. Estão acontecendo ações isoladas. Se houvesse uma mobilização em conjunto, partindo dos governos, acho que haveria uma ação maior.
Entrevistaconcedida à: Danielle BittencourtEdição: Danielle Bittencourt e Eliane Araujo Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Brilhante entrevista.
Que muitas vezes praticantes desses diferenciados tipos de atitutes, também são vítimas de tais práticas. Quantas vezes ouvimos falar de pais agressivos que apanharam muito na infância e hoje praticam tais atos. Necessário se faz invertir antes de tudo em políticas eficazes de combate a esses e tantos outros tipos de violência. também acabar com determinados atos como educar batendo como prática pedagógica. Se vivemos numa sociedade, onde ainda se vê a discriminação contra crianças negras, abandonadas, as guerras e os conflitos pela terra, recursos naturais, homofobia, preconceitos contra idosos e deficientes dentre outros, como vamos mudar tais comportamentos? É preciso, antes de tudo, mudar interiormente, para que um dia quem sabe, possamos viver um mundo com pouca violência
Crianças que “pulam” séries, por apresentar excelente desempenho escolar e atendendo à ansiedade de pais que querem colocar os filhos em destaque, podem ser alvos do bullying. Muitas vezes apresentam estaturas inferiores aos demais colegas e nível de maturidade naturalmente inferior. Há que se considerar estes aspectos frente à possibilidade de antecipar séries, pois o objetivo de motivar a criança pode ter consequencias emocionais negativas.
Esse é problema corriqueiro nas escolas e nas empresas também. Não estaá acontecendo só com crianças. Há um estado geral de abandono dos pais que dão liberdade demais aos filhos e cuidam menos deles com amor e carinho que essas crianças aprendem a jogar nas outras os seus desajustes.
É necessário cuidar das crianças e jovens para que essa violência seja erradicada. Os pais e professores devem tomar conhecimento do que acontece enas escolas e até em casa