Além de alto valor nutricional, o licuri [uma palmeira nativa do Semiárido] representa também possibilidades de aumentar o desenvolvimento socioeconômico do Semiárido baiano, por meio da geração de emprego e renda em torno de sua cadeia produtiva.
Entre 2003 e 2005, um grupo de pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA), à época Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet-BA), estudaram a cadeia produtiva do licuri, sob a coordenação da professora Djane Santiago de Jesus.
A partir do estudo, os pesquisadores descobriram que, da polpa e amêndoas do licuri, podem ser feitas compotas, iogurtes, geléias, sorvetes, licores, batidas, barras de cereais etc. Das folhas da palmeira, podem ser confeccionadas sacolas, chapéus, vassouras, espanadores e outros produtos artesanais.
O conhecimento foi repassado a duas comunidades do município baiano de Caldeirão Grande e, hoje, o Projeto Licuri abrange todo o município, a partir de quatro núcleos que agregam um total de 56 comunidades. Para enfrentar os gargalos tecnológicos da cadeia do licuri, os extrativistas se organizaram e constituíram a Cooperativa de Produtores e Beneficiadores do Licuri (Cooperlic).
Além disso, de acordo com Djane, outros municípios produtores de licuri do Semiárido baiano estão se articulando com os extrativistas de Caldeirão Grande para replicar as tecnologias sociais do aproveitamento do licuri e criar uma Central de Cooperativas de Produtos do Licuri.
Mobilizadores COEP – O que é o licuri e qual sua importância para as populações extrativistas do Semiárido baiano, especialmente do ponto de vista da geração de renda?
R.: O licuri, também conhecido como nicuri, ouricuri e aricuri, de nome científico Syagrus coronata (Martius) Beccari, é uma palmeira nativa do Semiárido, constituindo-se em umas das principais fontes de renda para muitos municípios da região. O licuri possui grande potencial alimentício e valor socioeconômico para a população local, pois sua extração representa uma forma de enfrentar as limitações da terra para a agricultura.
Mobilizadores COEP – Qual o potencial nutricional do licuri? Que tipo de produtos alimentícios podem ser feitos com o licuri? E quanto ao óleo, como pode ser aproveitado?
R.: Um estudo realizado por um grupo pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA), sob minha coordenação, com a polpa e amêndoas processadas ou in natura, revelou o alto teor de minerais na composição do fruto do licuri (selênio, cobre, cálcio, magnésio, zinco, manganês, ferro), essenciais para o organismo humano e animal.
Vários produtos podem ser desenvolvidos com as amêndoas e polpa do licuri, como farinha, compotas, iogurtes, geléias, sorvetes, licores, batidas, barras de cereais entre outros. Das suas folhas, podem ser confeccionados sacolas, chapéus, vassouras, espanadores e outros produtos, abrindo espaço para o artesanato.
Quanto ao óleo de licuri, além de ser alimentício, tem um alto índice de combustão, o que favorece a produção de biodiesel. Além disso, com 5% de acidez, o líquido ? de fácil absorção ? é usado também na área de cosméticos.
Mobilizadores COEP – Quais os principais gargalos tecnológicos identificados na cadeia produtiva do licuri?
R.: Em princípio, foram identificados, junto com a comunidade, três gargalos tecnológicos. O primeiro foi em relação ao manejo do fruto. Para resolvê-lo, foi proposta a transformação dos catadores de licuri em colhedores de licuri, por meio do Programa Colhedores de Licuri. O program visa transformar a lógica de aproveitamento do licuri, ampliando os conhecimentos e habilidades dos agricultores familiares no que diz respeito ao manejo da colheita para processamento integral do licuri. O programa mostrou que o licuri deve ser colhido e não catado do chão, em meio a estrume, porcos e bois, como era realizado anteriormente. O programa ajudou a disseminar que o licuri deve ser valorizado, pois é um ouro do Semiárido.
Na etapa inicial do projeto, houve a sensibilização da comunidade para o potencial alimentício e energético do fruto licuri. Para tanto, foram usados vários recursos lúdicos, como vídeos e revistas em forma de gibi, desenvolvidas junto com crianças das familias dos extrativistas de licuri.
O segundo gargalo detectado foi em relação à mecanização da secagem e à quebra do coco licuri. Nas comunidades, o licuri era seco em terreiros e sem condições higiênicas adequadas. Além disso, os extrativistas sofriam muitas perdas em decorrência do bicho do coco, o morotó, que leva à perda de 56% das amêndoas. Objetivando sanar este problema, foi desenvolvido um protótipo de secador solar que, hoje, está instalado em duas comunidades no município de Caldeirão Grande, Bahia. No secador, a secagem das amêndoas dura cerca de três a quatro dias, diferentemente da secagem dos terreiros, que levava cerca de quinze a vinte dias. Após a secagem, as amêndoas do licuri são retiradas do endocarpo (casca) através de uma máquina de quebra do coco licuri, que foi aperfeiçoada por professores do IFBA, a partir de um protótipo apresentado por um agricultor rural em uma das reuniões. Foram construídas dez máquinas que estão sendo utilizadas de forma comunitária também no município de Caldeirão Grande. O terceiro gargalo foi detectado na forma de gestão, o que está sendo contemplado com a constituição da Cooperativa de Produtores e Beneficiadores do Licuri (Cooperlic).
Estas soluções foram consideradas tecnologias sociais e foram premiadas na etapa regional (Região Nordeste) do Prêmio Finep de Inovação 2010, categoria Tecnologia Social.Mobilizadores COEP – Como e quando surgiu o projeto licuri? Que tipo de ações o projeto envolve?
R.: Em 2003, eu me preparava para iniciar a aula prática de análise química no IFBA que, na época, era Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet-BA), quando uma de minhas alunas apresentou para a turma uma notícia de um jornal de grande circulação da Bahia: ?Governo baiano vai incluir pipoca na merenda escolar?. A partir daí – e com base na minha experiência pessoal de uma infância pobre, quando me alimentei do licuri -, identificamos a necessidade de começar a valorizar os frutos típicos da nossa região, e iniciamos nossa pesquisa com o fruto. Em 2005, já com resultados da pesquisa e após publicação de uma matéria no mesmo jornal, representantes do município de Caldeirão Grande nos procuraram para aproveitar as experiências de beneficiamento.
Mobilizadores COEP – Em que comunidade foram realizadas as experiências piloto do projeto? Quantas famílias participaram da iniciativa? E quais os principais resultados obtidos?
R.: As experiências piloto do projeto foram realizadas no município de Caldeirão Grande, no Semiárido baiano, a 369 quilometros de Salvador. Atualmente, são atendidas mais de 1000 famílias. A cadeia produtiva do licuri já está delineada e se fortalecendo. Entre os resultados alcançados, destacam-se: o aumento da auto-estima da população, e o aumento da geração de renda, através da valorização do licuri, cujo valor de venda, em época de safra, variava de R$ 0,40 à R$ 0,80, e, agora, varia de R$ 1,00 a R$ 2,00.
O projeto que, inicialmente, objetivava alcançar duas comunidades do município de Caldeirão Grande (Sede e comunidade de São Miguel), atualmente abrange todo o município, a partir de quatro núcleos que agregam um total de 56 comunidades.
Além disso, outros municípios produtores de licuri do Semiárido baiano ? Morro do Chapéu, Jacobina, Cansanção, Monte Santo e Santa Maria ? nos procuraram com o objetivo de articular a reaplicação da tecnologia social do aproveitamento do licuri e a criação de uma Central de Cooperativas de Produtos do Licuri (estabelecendo contatos com prefeituras e agentes públicos dos municípios, articulando apoio ao projeto com outras entidades da economia solidária e da agricultura familiar).
Mobilizadores COEP – O que isso representa para os trabalhadores envolvidos?
R.: A adoção da autogestão como eixo estruturante das relações socioprodutivas e político-ideológicas dos produtores está sendo fomentada através da disseminação e fortalecimento do associativismo/ cooperativismo no município de Caldeirão Grande, a partir de criação de uma cooperativa de produção multicomunitária do Licuri, a Cooperlic e quatro unidades de suporte.
Mobilizadores COEP – De que forma o investimento em tecnologias sociais para a cadeia produtiva do licuri pode contribuir para o desenvolvimento sustentável do Semiárido baiano?
R.: Acredita-se que a cadeia produtiva do licuri poderá contribuir para o desenvolvimento sustentável do Semiárido, a partir de duas linhas de ações: a primeira voltada ao desenvolvimento de novos produtos alimentares e de competências produtivas relacionadas à própria cadeia; e a outra relacionada ao processo de organização das famílias extrativistas. O componente tecnológico e inovador atenta para os efeitos encadeados que instituem a lógica da produção do licuri, não apenas no tocante à introdução de novas técnicas de manejo e de produção de novos produtos à base do licuri, como também a partir da observação social e ambiental da atividade. Com isso, se preservam as condições de autonomia das famílias participantes, ao mesmo tempo em que se enseja o desenvolvimento de novas relações de produção de cunho cooperativo e solidário, tendo como princípio a valorização do trabalho humano e sua propriedade emancipadora.
Mobilizadores COEP – Como estão sendo disseminados os conceitos de associativismo e cooperativismo? Qual a receptividade da comunidade?
R.: O fortalecimento do associativismo e do cooperativismo, com a finalidade de garantir a autonomia das experiências reaplicadas, ocorre através de reuniões com a comunidade, realização de oficinas para o desenvolvimento de marcas, embalagens e design, promoção comercial, impressão de folders e catálogos e kits promocionais de pontos de venda, entre outros. Há um agente do processo de incubação na comunidade, oferecendo apoio e acompanhamento constante com o intuito de fomentar a estruturação e consolidação do empreendimento autogestionário sustentável.
Entrevista do Grupo Geração de Trabalho e RendaConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo