De acordo com o médico sanitarista Valcler Rangel Fernandes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é de suma importância capacitar os profissionais de saúde para lidarem com os eventos climáticos extremos e com as situações decorrentes das alterações climáticas, como o aparecimento de novas doenças e de doenças reemergentes, ou seja, que já haviam sido controladas.
Neste sentido, Valcler salienta que um dos objetivos do GT Clima, Saúde e Cidadania, que tem como parceiro, dentre outras instituições, o COEP, é disseminar iniciativas voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas, na área de saúde, para que elas possam ocorrer em rede. Valcler também aborda os objetivos do Centro de Estudos e Pesquisas para Redução em Desastres no Estado do Rio de Janeiro (Ceped) e menciona como está sendo a atuação da Fiocruz no escopo do Plano Brasil Sem Miséria.
Mobilizadores COEP – Quais os principais desafios na área de saúde em relação às mudanças climáticas?
R.: Primeiro, precisamos ter unidades de saúde preparadas para lidar com os eventos extremos. Unidades de saúde que possam mobilizar seus recursos em situações que se diferenciam da normalidade, da rotina. Isso significa ter unidades com profissionais preparados e estrutura adequada para enfrentar eventos extremos. Existe uma iniciativa mundial, chamada Iniciativa de Hospitais Seguros*1, que está em processo de implementação. Nesta iniciativa, os hospitais e seus corpos funcionais estão sendo preparados para lidar com os eventos extremos.
Uma outra questão importante é que o setor de saúde deve estar preparado para lidar com a ocorrência de doenças a partir das mudanças climáticas, e isso inclui também o aparecimento de novas doenças ou mesmo de doenças reemergentes, ou seja, que estavam controladas e que, em função das mudanças climáticas, voltem a se apresentar, inclusive de forma relevante.
Há uma série de cenários construídos por especialistas que mostram que a ocorrência de doenças transmitidas por vetores, como dengue, malária, leishmaniose, sofre forte influência das alterações do clima. Portanto, é preciso estar permanentemente direcionado ao desenvolvimento de pesquisas que observem as mudanças climáticas. É importante compreender a mudança do comportamento dos vetores e a mudança no modo como ocorrem essas doenças.
Além disso, é preciso estar atento às doenças transmissíveis, não necessariamente por vetores, que estão ligadas ao saneamento básico. A partir do momento em que há mudança em um determinado território, as pessoas podem ficar vulneráveis, expostas ao acesso à água contaminada, e isso gera a ocorrência de doenças, como hepatite, que, numa situação normal, não estavam previstas de ocorrer ali. Então, os estudos sobre a ocorrência de doenças tanto no que se refere a mudanças do clima quanto à ocorrência de situações que geram doenças transmissíveis é de suma importância.
A atuação do setor de saúde deve priorizar, dentre outras questões, a capacitação do profissional de saúde. Ou seja, as equipes da saúde da família, os agentes comunitários de saúde devem estar preparados para agir nas situações de mudança de perfil da ocorrência de doenças a partir das alterações do clima. O setor de saúde tem obrigação de preparar os profissionais de saúde para evitar situações inesperadas.
Mobilizadores COEP – Neste sentido, qual o objetivo do GT Clima, Saúde e Cidadania?
R.: O GT tem como objetivo trabalhar a difusão de iniciativas voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas, na área de saúde, para que elas possam ocorrer em rede. Um pequeno grupo de instituições? Ministério da Saúde, Fiocruz, Organização Pan-Americana de Saúde e COEP ?, se juntou para estimular mais pesquisas nesse campo que, muitas vezes, estão sendo realizadas, mas não com a relevância necessária. Além disso, pretende incentivar atividades de ensino. Ou seja, fazer com que estas e outras instituições vinculadas ao GT direcionem suas capacitações, suas pós-graduções etc, de forma que seja possível colocar a agenda relacionada aos eventos climáticos extremos e à mudança do clima de uma forma geral como pautas na definição de objetos de teses, dissertações e pesquisas. Isso sem contar com o desenvolvimento tecnológico. Diria que uma das principais atividades do GT vai ser a sistematização de tecnologias sociais para o enfrentamento das mudanças climáticas. Seja no que se refere à ocorrência de doenças, seja no que se refere à prevenção e promoção da saúde. E é notório que a própria sociedade desenvolve uma série de tecnologias que precisam apenas ser sistematizadas para serem replicadas.
Mobilizadores COEP ? E como vai funcionar o Centro de Estudos e Pesquisas para Redução em Desastres no Estado do Rio deJaneiro (CEPED)?
R.: O objetivo é a produção, integração e disponibilização do conhecimento de diversas fontes para contribuir para a prevenção, redução e mitigação de desastres em âmbito regional e nacional. Primeiramente, foi estabelecido um termo de cooperação, assinado no final de 2010, entre a Fiocruz, a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração. A partir daí, foi definido um programa de trabalho que está em execução, seja na realização de pesquisas ou na realização de outras iniciativas. Por exemplo, o Centro pretende trabalhar com estados e municípios para a preparação dos quadros de defesa civil. Muitas vezes encontramos quadros qualificados, porém concentrados. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, há estruturas de defesa civil muito bem qualificadas em alguns municípios, como Rio de Janeiro e Angra dos Reis, mas não em outros. É preciso disseminar essa qualificação para o estado como um todo. Essa disseminação seria um papel do Centro: preparar as estruturas municipais para o enfrentamento de desastres.
Outro ponto importante é reunir inteligência. Embora exista inteligência no Rio de Janeiro, não se observa um trabalho coordenado, que seja potencializado em todo o território. Então a ideia do Centro é coordenar melhor o trabalho de inteligência e redimensioná-lo. O Centro vai reunir em rede as estruturas já existentes, para depois criar uma estrutura física para que sejam oferecidos cursos, promovidas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias para o enfrentamento de desastres naturais. Além disso, vai dar apoio à Secretaria Nacional de Defesa Civil no estabelecimento de protocolos [normas a serem seguidas] em situações de desastre e vinculação do sistema de saúde a essas situações. Uma das propostas, por exemplo, é preparar os agentes comunitários de saúde para atuarem nessas situações.
Mobilizadores COEP ? Em relação ao Brasil Sem Miséria*2, como vem sendo a atuação da Fiocruz?
R.: Estamos preparando um plano de ação conjunta, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), não só no que tange à realização de pesquisas, mas também à elaboração dos mapas de carência e de oportunidades. A Fiocruz pode contribuir muito, com seus pesquisadores, para a formulação desses mapas e também na atuação local, em municípios e estados. Temos iniciativas de educação para a saúde, de organização dos programas de saúde da família e outros programas do Ministério da Saúde que, se direcionadas para os territórios onde estão esses 16,2 milhões de brasileiros que se encontram abaixo da linha de pobreza, certamente poderão ajudar muito o MDS no campo da saúde. O SUS está capilarizado no país inteiro, porém com deficiências. Acreditamos que a Fiocruz possa contribuir, com ações intersetoriais, para explorar e sanar essas deficiências, e atuar em conjunto com a área social, de saneamento, de meio ambiente, e com várias outras áreas ligadas ao desenvolvimento social.
Mobilizadores COEP ? A Fiocruz vai participar do monitoramento dos resultados alcançados pelo Brasil Sem Miséria?
R.: A ideia é que possamos ofertar, através de nossas unidades, capacidade técnica para o monitoramento da redução da miséria no país.
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*1 Os hospitais seguros visam proteger a vida dos pacientes e dos profissionais de saúde reforçando a firmeza estrutural das instalações de saúde; zelar para que as instalações e os serviços de saúde possam continuar funcionando depois de uma situação de emergência ou desastre, que é quando são mais necessárias; melhorar a capacidade dos trabalhadores e das instituições de saúde para reduzir riscos, o que inclui a gestão de emergências.
*2 Para saber mais sobre o plano Brasil Sem Miséria, leia entrevista com Cláudio da Rocha Roquete, secretário adjunto da Secretaria Extraordinária de Superação da Extrema Pobreza, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Entrevista do Grupo Promoção da SaúdeConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo