A presidente do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, Mirta Brasil Braga, fala sobre a experiência do Programa Casa Abrigo de Mulheres Vítimas de Violência do DF. Responsáveis pela proteção de mulheres em situação de perigo e ameaça, as Casas Abrigo já somam 72 em todo o Brasil. Nesta entrevista, a presidente do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, Mirta Brasil Braga, fala sobre a experiência do Programa Casa Abrigo de Mulheres Vítimas de Violência do DF, inaugurada em 1993. Na Casa, as mulheres recebem atendimento médico, psicológico e jurídico e participam de cursos de capacitação. O objetivo é apoiar as mulheres na busca de sua autonomia.
Mobilizadores COEP – Em que contexto e com que objetivos foram criadas as Casas Abrigo?
R. As Casas Abrigo foram criadas para proteger mulheres em situação de perigo e ameaça de violência. A Casa Abrigo do Distrito Federal, mantida pelo governo do DF, mantém, em média, 60 pessoas, entre mulheres e filhos. Essas mulheres são encaminhadas pelas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher ? DEAM e são protegidas durante o período de três meses (na prática, muitas ficam mais tempo, em função de seus processos judiciais). A preocupação com seu anonimato é grande e o mesmo é mantido através do sigilo do endereço da Casa Abrigo, que nunca é divulgado, bem como pelo policiamento masculino e feminino da Casa e através de uma empresa de segurança externa. Na Casa Abrigo, uma equipe multidisciplinar – formada por ginecologista, psicóloga, assistente social, advogada, entre outras profissionais – oferece vários tipos de atendimento a essas mulheres. Elas realizam exames médicos, recebem cursos de capacitação profissional (do Senac, Senai, Sebrae, dentre outros), são atendidas por programas de acesso à moradia e assistem oficinas e palestras de trabalho preventivo à violência doméstica. Convênios com as Secretarias de Educação e Saúde possibilitam que várias atividades sejam oferecidas também aos filhos dessas mulheres abrigadas (como por exemplo, reforço escolar e cursinho), que normalmente as acompanham e se apresentam extremamente agressivos, por vivenciarem de perto e absorverem a situação da violência doméstica. O decreto lei que institui a Casa Abrigo prevê, inclusive, prioridade de vagas em escolas para os filhos de mulheres abrigadas.
Mobilizadores COEP – Como e em que situações as mulheres podem ter acesso ao Programa Casa Abrigo?
R. Somente através de registro de ocorrência na DEAM ? Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, responsável pelo fornecimento de informações às mulheres atendidas sobre a Casa Abrigo. Após tomarem conhecimento desta opção, as próprias mulheres normalmente pedem para serem abrigadas. No entanto, a recomendação de abrigo por parte da DEAM só se dá em casos mais graves, em que há risco de vida, quando a mulher sofre ameaças de morte.
Mobilizadores COEP – Qual o perfil das mulheres que são atendidas pelo Programa Casa Abrigo?
R. Elas possuem em média de 25 a 30 anos de idade, baixa escolaridade e renda, três ou mais filhos, a maioria nunca teve um trabalho formal e depende do marido. Daí a importância da capacitação profissional oferecida pelo programa, que pretende apóia-las na busca de sua autonomia.
Mobilizadores COEP – Existe distinção entre o atendimento prestado nos diferentes estados? Quais são as diferenças no caso do DF?
R. Em cada estado existe vínculo com um tipo de secretaria. No Distrito Federal o vínculo antes era com a Secretaria de Ação Social e hoje é com a Secretaria de Cidadania e Justiça. Independente do decreto da Casa Abrigo, o que puder ser feito em prol da qualidade de vida das mulheres será feito. Em nosso caso, alguns programas complementares são desenvolvidos pelo Conselho da Mulher. Em 2003 foi criado o Núcleo de Atendimento ao Agressor, para o qual a pessoa denunciada também é encaminhada, através do juiz, e é acompanhada por um(a) psicólogo(a) que emite relatórios periódicos sobre o resultado do atendimento por um período médio de seis meses. Esta iniciativa deu tão certo e o índice de reincidência caiu tanto, que o Ministério Público solicitou a abertura de novos núcleos nas cidades satélites. Hoje, já são oito, contando com o projeto piloto em Samambaia. Há também um novo programa, o Família Legal, criado a partir da identificação da necessidade cada vez maior de se tratar a base do problema da violência doméstica, que é a família ? normalmente mais carente, com problemas econômicos e em cujos ambientes domésticos a violência é tida como uma ocorrência ?normal?. Neste caso, o projeto piloto foi em Estrutural, onde foi realizada a Primeira Ação Social, com a participação de vários parceiros (Polícia Militar, universidades, órgãos do governo), além de um núcleo da DEAM. Os parceiros disponibilizaram profissionais da área médica, dentista, psicólogo, estudantes de advocacia, entre outros, para atender a necessidades da população, como consultas, emissão de Carteira de Trabalho, inscrição no Programa Bolsa Família, esclarecimentos sobre seus direitos, palestras e até apresentações de teatro. Na Segunda Ação Social, realizada em novembro deste ano, atendemos mais de cinco mil homens e mulheres em uma escola cedida para este fim. Acreditamos que a Casa Abrigo é o fim da linha, ponto de onde não se tem mais para onde ir. Às vezes, foram anos de incidência da violência, de ameaças de morte e de extensão da agressão aos filhos. O principal motivo do nosso trabalho é a preservação da vida dessas pessoas.
Mobilizadores COEP – E como se dá o processo de saída da Casa Abrigo? Existe um limite de tempo para permanência? Como se avalia a preparação da abrigada para a retomada de uma vida normal?
R. Antes mesmo da saída definitiva, as mulheres normalmente saem da Casa Abrigo, inclusive para receber suas visitas no Conselho da Mulher. A saída definitiva ocorre em até três meses, na teoria. Em alguns casos que obtêm resolução antes desse prazo, elas já saem. A mulher, como não entra obrigada e sim por livre e espontânea vontade, assina um termo. Se continuar com medo depois de vencido seu prazo, continua na Casa Abrigo. Enquanto isso, através das medidas protetivas, os agressores podem ser afastados do lar em caráter temporário ou definitivo. Depende de cada caso. A profissionalização é um meio de prepará-la para a saída. Oferecemos também cesta básica e tentamos conseguir móveis para sua casa. Normalmente, a população é solidária e as campanhas de arrecadação que realizamos têm retorno bem positivo para elas nesse momento.
Mobilizadores COEP – É realizado algum tipo de acompanhamento das mulheres que deixam de ser atendidas? Que aspectos caracterizam suas vidas após a vivência do Programa, de volta aos seus lares?
R. Apenas realizamos os contatos de acompanhamento psicológico previsto, já que muitas delas voltam para o mesmo agressor. As que querem mudar realmente de vida têm conseguido, muitas vezes com a ajuda de outras companheiras abrigadas. Algumas resolvem até morar juntas para se apoiarem.
Mobilizadores COEP – A Casa Abrigo exige ou espera algum tipo de contrapartida das mulheres atendidas?
R. Não. Apenas que participem do acompanhamento psicológico e das capacitações profissionais.
Mobilizadores COEP – Como a Lei Maria da Penha incidiu sobre a realidade da Casa Abrigo?
R. O grande ponto trazido pela Lei Maria da Penha foram as medidas protetivas. Assim que as mulheres são encaminhadas através da DEAM, a mesma já solicita as medidas protetivas, como o afastamento do agressor do lar, para que a mulher possa retornar, ou a retirada de seus pertences pessoais. Cabe ao juiz analisar as denúncias em 48 horas. Apesar de na Casa Abrigo elas estarem protegidas, de certa forma elas é que ficam presas, já que os homens, enquanto isso, ficam soltos. Outro ponto importante da Lei é o afastamento sem perda do emprego. Porém, o desconhecimento da legislação faz com que muitas mulheres não usufruam desse benefício.
Mobilizadores COEP – No Brasil, uma entre quatro mulheres é vítima de violência doméstica. Mesmo assim, apenas 2% das queixas desse tipo de violência resultam em punição, segundo a Advocacia pro bono em defesa da mulher vítima de violência (www.mj.gov.br). Você acredita que o volume de queixas de mulheres violentadas é compatível com a incidência da violência doméstica? A que fatores está relacionada esta realidade?
R. De acordo com o Data Senado, a cada ano, dois milhões de mulheres são vítimas de violência no Brasil ? 175 mil mulheres por mês ou 1 mulher a cada 4 segundos. Deste universo, apenas 40% delas denunciam. A maioria não conhece a Lei Maria da Penha e, mesmo entre as que conhecem, a maioria tem medo de denunciar. Elas têm medo de os maridos serem presos ou de não poderem mais retirar suas queixas, já que, com a Lei, uma queixa só pode ser retirada através de um juiz, não mais na delegacia. O que temos feito é fornecer o máximo de informação possível para as mulheres, pois sabemos que a falta de informação dificulta muito a situação delas. Então, na verdade, a violência ainda não diminuiu. Ela está mascarada. As ocorrências registradas é que têm diminuído. Este ano, em relação ao mesmo período (novembro) do ano passado, houve 600 ocorrências a menos.
Entrevista concedida à: Larissa DolabellaEdição: Danielle Bittencourt e Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
quando vemos acões como essa do Abrigo e o investimento em mulheres ou seja serão sempre verdadeiras mulheres temos que acreditar em um país melhor.E que existem pessoas e mulheres lutando por essa causa nobre mulhers não.Seres humanos.
Abraços. Parabéns.
É uma pena que haja esta necessidade. Mas, no mundo atual, tudo o que pode amenizar problemas que não são fáceis serem resolvidos, é válido. A mulher precisa se valorizar mais e escolher com quem se relaciona. Mesmo que a aparência engane, deve valer sempre o sexto sentido, a intuição, a inteligência, e acima de tudo a razão acima da emoção. Ao primeiro tapa ela deve seguir seu rumo… Existe uma passividade, um medo, uma dependência muito grande em relação aos “seus” homens .
Vejo o programa como de grande importância, mas acredito que há uma falha, quando não se faz um acompanhamento, mesmo que por pequeno prazo, após a saída das mulheres das Casas Abrigo.
Nossa é muito bom ver que podemos contar com estas ações de proteção. A violência é uma realidade… apesar de muitas pessoas duvidaram, as relaçoes entre mulheres pode ser uma relação violenta. As lésbicas podem sofrer violações de todo tipo como familiar e social. Muitas sofrem violência e nem sabem dizer ao certo se é violência, nem sabem nomear, pois como durante toda a vida sofreram discriminações e violações de toda ordem, então confudem o que é violência e o que nao é… é preciso construir politicas que envolvam as lésbicas e sua familia (companheira, pais, irmaos, etc), rompendo com o silencio que envolve esta questao.