Nessa entrevista, o jornalista Luciano Martins Costa afirma que a mídia não aprofunda a discussão sobre sustentabilidade porque isso implicaria discutir o sistema econômico. De acordo com o jornalista, há tempos a mídia abandonou a posição de vanguarda na discussão de temas da atualidade.
Mobilizadores COEP – Como surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável e por que vem sendo tão empregado recentemente? R.: O conceito surgiu em 1968, durante a reunião do Clube de Roma, encontro de cientistas, estadistas e pensadores para pensar o futuro do mundo. Dali veio o relatório intitulado ?Limites do Crescimento?, onde já estava esboçado o conceito de sustentabilidade, então chamado de ?desenvolvimento sustentado?. Os primeiros selos de produtos e processos ?sustentáveis? nasceram na Holanda e na Alemanha, em 1972. No mesmo ano, em junho, realizou-se a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, quando o novo paradigma foi confrontado pela primeira vez com o conceito da industrialização e do desenvolvimentismo a qualquer preço. Em 1987, o conceito de desenvolvimento sustentável foi aceito pelos países-membros da ONU, durante a reunião da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. O documento intitulado ?Nosso Futuro Comum?, elaborado sob coordenação do primeiro-ministro da Noruega Gro Harlem Brundtland, trazia a definição que persiste até hoje: ?desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Mobilizadores COEP – Existe diferença entre desenvolvimento sustentável e sustentabilidade? R.: A diferença entre desenvolvimento sustentável e sustentabilidade é que “desenvolvimento sustentável” pressupõe concordância com a característica de expansão contínua do sistema econômico, enquanto “sustentabilidade” se refere ao estado de equilíbrio entre a ação do agente econômico e os interesses coletivos, ambientais e sociais, sem necessariamente aceitar a tese do desenvolvimento contínuo. Em algumas sociedades, por exemplo, a idéia de “desenvolvimento sustentável” poderia ser substituída por “bem-estar sustentável?.Mobilizadores COEP – A questão ambiental vem ganhando espaço na grande mídia. O que na, sua avaliação, tem determinado esse crescente interesse? R.: Esse interesse cresceu principalmente a partir de fevereiro de 2002, com a divulgação do relatório do IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Changes ? Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em Português) demonstrando que o ser humano é o principal responsável pelo aquecimento global. Esse relatório trazia as conclusões de estudos realizados por cerca de 2,5 mil cientistas de 130 países, segundo os quais o planeta está a caminho de um grande desastre ambiental provocado pelo aquecimento rápido do clima médio em todo o mundo. O documento afirma, com mais de 90% de certeza, que o aquecimento global é resultado da atividade humana. Antes dele, o estudo organizado pelo economista Nicholas Stern, ex-ministro da Economia da Inglaterra e ex-economsta-chefe do Banco Mundial, alertava para as conseqüências econômicas catastróficas do aquecimento global. O documentário do senado americano Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, intitulado ?Uma Verdade Inconveniente?, reforçou o interesse social e da mídia sobre o tema. O documentário, disponível em cinemas de todo o mundo e em DVD, tornou mais compreensível para o cidadão comum, e para a imprensa, a gravidade dos fatos.Mobilizadores COEP – Como você avalia a cobertura da mídia sobre temas ambientais? As pautas são inter-relacionadas ou pontuais?R. A cobertura da mídia sobre os temas ambientais é fragmentada, inconsistente, irresponsável, inconveniente e descompromissada com a urgência e importância que o tema merece. Um exemplo da cobertura fragmentada é a publicação de dados isolados sobre o avanço da soja sobre o território da Amazônia, sem esclarecer quais empresas promovem essa prática, quem se beneficia com o desmatamento, e que instituições financiam essa expansão descontrolada das áreas agrícolas sobre território protegido. Além disso, um exemplo de inconsistência é a divulgação triunfalista de lucros em empresas poluidoras, sem qualquer referência aos danos que as atividades dessas empresas provocam. Um outro exemplo de cobertura irresponsável é a defesa de obras polêmicas, cujos riscos potenciais exigem muitos estudos, por causa da opção preferencial da imprensa pelo desenvolvimento a qualquer custo. Mobilizadores COEP – Uma crítica comum ao tratamento de temas ambientais é o enfoque dissociado dos aspectos sociais. Isso tem mudado? De que forma? R.:A imprensa de fato dissocia o tema ambiental da questão social. O tema ambiental é confinado na área de jornalismo científico, quando se trata de assunto internacional, ou na área de noticiário geral, quando a abrangência é nacional ou regional. A imprensa continua não associando as questões ambiental e social porque ainda não desenvolveu o conceito de sustentabilidade de forma apropriada e ainda vê a ação social das empresas como filantropia, dissociada da estratégia do negócio.Moblizadores COEP – Na sua percepção, temas ambientais como assoreamento dos rios, falta de saneamento básico, urbanização crescente e desordenada, entre outros, tem merecido da imprensa a mesma preocupação despertada por temas como as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global? Por quê? R.: Não. A imprensa nunca abordou com seriedade, por exemplo, a morte lenta do rio Ribeira de Iguape, de onde é extraída a maior parte da areia usada em construções em São Paulo. Os anúncios do setor imobiliário são uma das principais fontes de renda dos jornais. A construção civil é responsável por uma das maiores taxas de desperdício de materiais e produção de resíduos das grandes cidades brasileiras. Apenas duas construtoras em São Paulo têm programas de minimização de impacto ambiental. A imprensa se interessa pelo tema das mudanças climáticas quando ele se apresenta na abordagem global, quando não exige a discussão de problemas muito próximos da nossa realidade. Em geral, as mudanças climáticas estão isoladas nas editorias de ciências.Mobilizadores COEP – Por que a mídia não aprofunda a discussão sobre sustentabilidade?R.: A imprensa não aprofunda a discussão sobre sustentabilidade porque isso exigiria discutir o sistema econômico. A imprensa não faz a crítica do capitalismo. Porque não tem interesse e porque não tem profissionais qualificados para isso. A imprensa abandonou a posição de vanguarda na discussão dos temas centrais da atualidade, como a globalização, a natureza das novas tecnologias, a desigualdade social, e assumiu como dogma os princípios do chamado liberalismo ? a submissão absoluta da vida civil e das políticas públicas às leis do mercado. A Universidade não ensina ao jornalista nem mesmo os rudimentos dos princípios econômicos e não o estimula a refletir fora da ?caixa? de conceitos da imprensa. Por exemplo, os jornalistas não sabem fazer uma análise básica de balanço, coisa bastante simples. Não aprendem a medir uma extensão de terras pelo olhar, não têm noção de valor ou adequação dessas terras, não sabem avaliar sinais exteriores de riqueza, ferramenta essencial para a investigação da corrupção e do crime organizado. Mas o mais grave é que a Universidade educa o estudante de jornalismo no confronto ultrapassado entre esquerda e direita. Mobilizadores COEP – E a cobertura da mídia especializada, como vem sendo realizada? R.: A mídia especializada faz uma cobertura mais densa, mais freqüente e mais comprometida, mas ainda tem uma abordagem linear e específica. Na maioria, os veículos são ambientalistas ou dedicados ao tema da responsabilidade social. Raros veículos especializados conseguem fazer a cobertura do tema de forma transversal, mostrando a problemática da (in)sustentabilidade em sua complexidade. Mesmo assim, é o melhor que há na mídia em geral.Entrevistaconcedida à: Renata OlivieriEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Com certeza, o dia que a imprensa for isenta, teremos brasileiros muito mais conscientes e cidadãos.
(…A construção civil é responsável por uma das maiores taxas de desperdício de materiais e produção de resíduos das grandes cidades brasileiras…). … A imprensa não aprofunda a discussão sobre sustentabilidade porque isso exigiria discutir o sistema econômico…. Só nessas falas, já posso dizer que o jornalista foi extremamente feliz em suas respostas. Ele está Certíssimo!!!