Gleyse Peiter, secretária executiva do COEP Nacional e conselheira do Consea, fala sobre a particpação do COEP no Conselho e da importância da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 47, a PEC Alimentação, para apropriação pelos brasileiros do direito à alimentação.
Mobilizadores COEP ? O COEP tem uma história de parceria com o Consea. Como teve início essa aproximação?
R.: O COEP e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) surgiram na mesma época, em 1993. A proposta de criar o Conselho surgiu no Instituto da Cidadania, na época coordenado por Luiz Inácio Lula da Silva. A idéia foi levada ao então presidente Itamar Franco que acabou criando o Conselho, através do Decreto Presidencial 807, de 26 de abril de 1993. O Consea foi extinto com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas a sociedade civil mobilizada continuou discutindo o tema da segurança alimentar e nutricional. Por sua vez, o COEP continuou atuando no combate à fome. Em 2003, com a eleição de Lula, o Consea foi recriado, sendo formado hoje por 57 conselheiros: 19 ministros e 38 representantes da sociedade civil organizada (entidades de classe de trabalhadores, sindicatos, redes sociais, representantes de populações tradicionais, como quilombolas e indígenas etc) e mais alguns observadores convidados.
Mobilizadores COEP ? Como é a participação do COEP no Consea?
R.: O COEP tem participado do Consea já há vários mandatos. O COEP é uma rede imensa e tem, desde sua criação, a preocupação de acabar com a fome, a pobreza, a miséria e assuntos correlatos. O conceito de segurança alimentar é muito amplo, abrangendo desde o acesso ao alimento até o fortalecimento da agricultura alimentar. O fato é que o foco de atuação do Consea vai diretamente ao encontro do trabalho desenvolvido pelo COEP: gerar renda, combater a pobreza, para que, dentre outras coisas, as pessoas tenham acesso ao alimento. Assim, o COEP participa do Consea representando uma rede preocupada com a mobilização em torno de vários temas transversais ao combate à pobreza, que tem tudo a ver com o acesso das pessoas ao alimento.
Em 2003-2005, o presidente do COEP André Spitz foi conselheiro, e eu, sua suplente. Em 2005-2007, eu já era conselheira e , agora , estou no meu segundo mandato, que termina em 2009). No primeiro mandato, coordenávamos a Comissão de Mobilização, devido à nossa experiência na área. Fizemos, por exemplo, grande campanha em torno do Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro. Atualmente, coordeno o Grupo de Trabalho que define a agenda internacional do Consea. Toda a experiência do COEP em articulação de parcerias, em gestão de rede é aproveitada no Conselho.
Mobilizadores COEP – Agora o COEP está apoiando o Consea na campanha pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 47, a PEC Alimentação. O que propõe essa PEC e qual sua importância?
R.: A Proposta de Emenda Constitucional 047/2003 é de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) e visa incluir o direito humano à alimentação adequada e saudável no artigo 6º da Constituição Federal. A PEC está em tramitação na Câmara dos Deputados e aguarda a instalação de uma Comissão Especial para sua relatoria e futuros encaminhamentos. Outra PEC, a de número 064/2007, apresentada pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), foi apensada à 047/2003 para ser analisada em conjunto pela Comissão Especial a ser constituída.
Apesar de estar previsto em vários tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a alimentação não está contemplada entre os direitos constitucionais fundamentais. Essa inclusão torna o cumprimento desse direito um dever do Estado, reforçando sua importância e a necessidade de implantação de políticas públicas efetivas.
É muito importante que a sociedade se mobilize pela inclusão do direito à alimentação na Constituição. Somente com esta movimentação, ela se apropriará deste direito. Quando as pessoas se vêem como protagonistas de direitos, passam a demandar e a cobrar políticas e ações para viabilizá-los.
Mobilizadores COEP – De que forma o COEP vai participar da campanha pela aprovação da PEC Alimentação?
R.: O Consea criou subgrupos de ação: frente Congresso Nacional; frente de comunicação ; e frente de mobilização. O COEP está nesta última frente. Pretende trabalhar de forma articulada com o Consea na mobilização da população em torno da aprovação da PEC Alimentação. Temos experiência neste sentido. Em 97, por exemplo, fizemos grande campanha nas ruas do Brasil inteiro em torno do projeto da Lei do Compromisso Social. O projeto determinava que todos os poderes [Executivo, Legislativo e Judiciário] apresentassem seu balanço social, a cada ano, relatando o que realizaram em relação ao combate à fome. O projeto ainda está em tramitação no Congresso . No entanto, já foi aprovado em vários estados. Esta experiência de mobilização pelo projeto da Lei do Compromisso Social está sendo agora muito útil na mobilização em torno da aprovação da PEC.
Sugeri, na última plenária, que os COEPs estaduais e municipais recolham assinaturas nas ruas. Enfim, que coloquemos listas em todos os eventos que realizarmos para recolher assinaturas. Além disso, estamos divulgando a campanha.
Mobilizadores COEP – Quando começa a campanha?
R.: A campanha será lançada em 26 de maio com a apresentação do documentário “Garapa?, do cineasta José Padilha. O filme mostra a vida de três famílias que vivem no Ceará em situação de insegurança alimentar grave ? uma em Fortaleza, outra na pequena cidade de Choró e a terceira isolada no meio rural.
Mobilizadores COEP ? De que forma o Brasil tem se distinguido de outros países Brasil no enfrentamento da atual crise de alimentos?
R.: O Brasil tem uma posição um pouco mais privilegiada no cenário da crise alimentar, pois 70% dos alimentos que estão na nossa mesa vêm da agricultura familiar. Os grandes agricultores brasileiros exportam. Os pequenos produzem para o consumo interno.Tivemos, sem dúvida, alta de preço de alimentos, mas não tivemos uma crise alimentar tão significativa quanto os demais países.
Na verdade, o governo brasileiro vem apostando muito, desde 2003, no conceito de segurança alimentar e nutricional, o que vem norteando o desenho das políticas voltadas para a erradicação da fome, como o Fome Zero. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por exemplo, é uma das ações do Fome Zero, e visa garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional, como indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária e outros. Além disso, promove a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar. E aí, entra em jogo um outro programa, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). O agricultor familar para produzir e atender à demanda de aquisição de alimentos precisa de crédito. E o crédito é concedido a esse agricultor pelo Pronaf (em suas várias modalidades).
Além disso, a crise não foi tão intensa no país pelo fato de não haver competição entre produção de combustíveis e de alimentos. Nossa produção de etanol vem da cana e da soja, produtos que não estão diretamente na base da nossa alimentação. O que não acontece no México, por exemplo, cuja produção de milho, base da alimentação dos mexicanos, foi toda exportada para produção de etanol. Isso gerou uma crise sem precedentes no país.
Mobilizadores COEP ? Jacques Diou, diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), propôs que a Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar, que acontecerá, em novembro, em Roma, se chame ?Fome Zero no Mundo?. Isso se deve à repercussão internacional do Fome Zero?
R.: Sem dúvida. O fato de o Brasil ter passado sem grandes seqüelas pela crise chamou a atenção para os programas desenvolvidos pelo governo brasileiro na distribuição de renda, apoio à agricultura familiar e contra a fome. Jacques Diou acredita que programas semelhantes poderiam ser implantados em outros países de forma bem-sucedida.
Mobilizadores COEP ? Que outras iniciativas têm ajudado a garantir o direito à alimentação no Brasil?
R.: O Programa Nacional de Alimentação Escola (Pnae) é uma delas. O Consea trabalhou muito para aumentar o valor per capita do Pnae. Há 10 anos estava parado. Hoje, cerca de 50 milhões de alunos no Brasil têm acesso à merenda escolar. Anualmente, são destinados 2 bilhões de reais para merenda escolar. O Consea ainda luta para que trinta por cento dessa merenda venham da agricultura familiar, para garantir a inclusão do agricultor familiar. Queremos que haja acesso ao alimento e que este alimento seja saudável . Queremos também que as culturas alimentares sejam mantidas . O conceito de segurança alimentar e nutricional abrange o respeito à cultura alimentar, ou seja, o respeito e valorização à identidade social do grupo que planta e come determinados tipos de alimento. Por que uma comunidade do N ordeste acostumada a comer feijão de corda, por exemplo, tem que comer feijão preto, se isso não faz parte da cultura alimentar daquela região?
Um grande ganho na área foi a aprovação da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), sancionada pelo presidente Lula em 2006. A Losan define várias coisas, dentre elas a institucionalização da parceria sociedade civil-governo, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O Sisan vai executar e acompanhar os programas de segurança alimentar, por meio de ações realizadas em parceria com as três esferas de governo (União, estados e municípios) e a sociedade civil.
Com o Sisan, o governo pretende garantir aos brasileiros o direito à alimentação de boa qualidade e em quantidade suficiente. O Sistema prioriza ações descentralizadas de combate à fome, aproveitando a experiência já adquirida pelos conselhos estaduais de segurança alimentar.
Além disso, com a proposta, o Executivo vai transformar os programas relacionados à nutrição humana e combate à fome em políticas de caráter permanente, evitando que as trocas de governo provoquem descontinuidade administrativa.
Integram o Sisan, o Consea e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Os dois atuam conjuntamente, definindo as políticas de segurança alimentar, a serem implementadas e acompanhadas. O Consea será transformado em órgão permanente da Presidência da República e ficará responsável pela organização periódica de uma Conferência Nacional, com a participação da sociedade civil, para estabelecer diretrizes sobre o combate à fome e o acesso à alimentação.
Na prática vai funcionar assim: as contribuições das conferências municipais vão para as conferências estaduais e depois para a conferência nacional. Serão mais de 3 mil delegados no Brasil inteiro trabalhando as diretrizes sobre o combate à fome e o acesso à alimentação. São vários eixos temáticos (desenvolvimento, reforma agrária, orçamento, acesso à águal etc).
O Consea será uma grande caixa de ressonância. Sistematizará tudo o que é definido nas conferências e repassará a uma câmera interminesterial que vai legislar com base na articulação sociedade civil-governo no Conselho. Temos de acompanhar para ver se isso vai ser efetivamente implantado.
Entrevista concedida à: Renata OlivieriEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.