A pesquisadora Crystal Tremblay, da Universidade de Victoria (Canadá), trabalhou durante cinco anos com catadores de material reciclável na região metropolitana de São Paulo. Nesta entrevista, ela avalia como a aproximação entre universidade e comunidades pobres pode ser benéfica para o desenvolvimento local, e analisa o papel das universidades na construção de políticas públicas voltadas às populações mais vulneráveis.
Crystal participou do lançamento da Rede por um Futuro Melhor (ou em inglês: Better Futures Network – BFN), promovido pelo COEP Nacional e pelo Centro para Inovação Comunitária da Universidade de Carleton (Canadá),em novembro de 2013, no Rio de Janeiro. A rede promove um intercâmbio de conhecimentos e experiências entre integrantes de universidades e organizações de vários países, visando à promoção de projetos de desenvolvimento local e fortalecimento comunitário, com base em princípios sustentáveis.Rede Mobilizadores – Como é sua experiência com catadores no Brasil? Você atua com comunidades?
R.: Minha experiência com os catadores do projeto de Gestão Participativa e Sustentável de Resíduos, na região metropolitana de São Paulo, foi muito gratificante e muito positiva. Trabalhei como pesquisadora assistente por cinco anos e, depois, como parte da minha tese de doutorado (PhD), entre 2009 e 2013. Através de um projeto de vídeo participativo, tive a oportunidade de passar muito tempo com os líderes das principais cooperativas de catadores de material reciclável (eram mais de 30 participantes), aprendendo muito sobre seu trabalho, dedicação e perseverança na construção de suas redes, mobilizando as comunidades e melhorando seus meios de subsistência. Juntos, por meio da utilização de vídeos, nós trabalhamos de forma colaborativa, a fim de engajar o governo local, fortalecer o diálogo e obter mais apoio.
Rede Mobilizadores – Qual sua expectativa com relação à criação da Better Future Network?
R.: Eu fiquei bem intrigada curiosa acerca do desenvolvimento e direcionamento desta rede, e grata por ter sido convidada a participar de sua formação. Nós temos uma equipe incrível e diversificada de estudiosos e profissionais representando diversas regiões do mundo, se unindo para criar espaços de discussão, troca de conhecimento e colaboração acerca de questões-chave, como meios de subsistência e governança. E isso é muito importante!Rede Mobilizadores – A seu ver, como a criação da BFN pode trazer benefícios para as comunidades pobres?
R.: Universidades retêm muito conhecimento e capacidades, e têm responsabilidade em relação à sociedade. Elas trazem expertise e habilidades para enfrentarmos desafios complexos e interdisciplinares em uma ampla gama de disciplinas, e desempenham um papel importante na formação da próxima geração. Eu realmente acredito, com base nas tendências globais de diálogo e engajamento comunidade-universidade, que os problemas da sociedade (por exemplo, disparidade econômica, ameaças ecológicas, e exclusão social) podem ser positivamente abordados através da colaboração comunitária e pela co-criação de conhecimento que respeite as culturas locais e todos os meios de conhecimento.
É urgente a exposição e a troca de diferentes modelos, processos e estruturas institucionais que possam apoiar essas parcerias, assim como uma mudança total de paradigma. Fui apresentada a uma incrível variedade de projetos e pessoas durante o Fórum do COEP, particularmente de países do Hemisfério Sul, que estão encabeçando uma participativa, inovadora e democrática forma de governança e bem-estar social em várias áreas.Rede Mobilizadores – Tanto o Brasil quanto o Canadá têm um trabalho que envolve universidades, centros de pesquisa e comunidades no sentido de tornar as comunidades mais sustentáveis. Quais as principais diferenças entre as comunidades desses dois países?
R.: Acho que meus primeiros pensamentos são a escala dos países, e talvez, o clima também. Acho que comunidades nos dois países, e globalmente, querem bons empregos, segurança e bem-estar geral. Creio que estes dois países podem aprender um com o outro na questão de como envolver seus cidadãos e responder às suas necessidades específicas.
O Brasil, por exemplo, abraçou a economia solidária, que tem demonstrado modelos de desenvolvimento econômico que são mais inclusivos e democráticos (por exemplo, orçamento participativo, cooperativas) que outras formas de política econômica dominante no Hemisfério Norte (capitalismo, neoliberalismo).Rede Mobilizadores – Qual deve ser o papel das universidades na elaboração de políticas públicas voltadas para a capacitação da comunidade?
R.: A universidade tem um papel muito importante nos processos políticos, por trabalhar com diferentes níveis e setores governamentais e da comunidade (por exemplo, organizações da sociedade civil, setor privado, populações indígenas, povos tradicionais). Por isso mesmo, ela pode desempenhar um papel facilitador, reunindo diversos grupos de conhecimento e criando soluções para problemas locais. É claro que políticas que possam reforçar a cidadania, ações e liderança nas comunidades devem ser uma prioridade na educação de nível superior.