O coordenador da Área de Energia da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Agenor Mundim, nos fala sobre a importância da agroenergia para o Brasil e dos cuidados necessários para que, a despeito de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, não se torne fonte de outros tipos de agressões ao meio ambiente ou de comprometimento das condições de vida dos pequenos produtores e das iniciativas de agricultura familiar.
Mobilizadores COEP – O que é a agroenergia e que benefícios ela pode proporcionar ao meio ambiente e ao Brasil?
R. O termo agroenergia refere-se aos produtos da atividade agrícola dedicada à cultura de plantas para uso final como combustível, como energético. Por extensão refere-se, também, ao aproveitamento energético dos resíduos e dejetos da agricultura. Por exemplo: as florestas energéticas, plantadas para uso de sua biomassa (recurso renovável oriundo de matéria orgânica, de origem animal ou vegetal, que pode ser utilizada na produção de energia) para gerar calor ou energia elétrica; as plantações de cana-de-açúcar para a produção de etanol como combustível líquido e de bagaço para queima em unidades térmicas de produção de eletricidade; as plantações de espécies oleaginosas (dendê, mamona, soja, etc) para a obtenção de óleos vegetais para transformação em biodiesel. Em termos de benefícios ao meio ambiente, podemos dizer que a agroenergia, se produzida de forma renovável para uso em substituição a combustível de origem fóssil, contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. A planta ao crescer retira dióxido de carbono da atmosfera que, posteriormente, será liberado pela queima do combustível no uso final, no veículo, por exemplo. A renovação da plantação faz reiniciar aquele ciclo. Para o Brasil, a agroenergia é uma excelente oportunidade de desenvolvimento econômico e social, pois o país tem extensão territorial e condições privilegiadas de clima e solo, além de já contar com mais de trinta anos de experiência na produção e uso de biocombustiveis.
Mobilizadores COEP – O que é necessário para que a produção de biocombustíveis seja um veículo de inclusão social e de aumento de renda para o trabalhador rural?
R. As ações de governo na estruturação de políticas públicas e programas voltados para a produção de biocombustíveis devem levar em conta a necessidade de desconcentração da renda no país. O Brasil não pode perder a oportunidade de usar os programas de produção de biocombustíveis para a inserção e fixação da mão-de- obra rural e de sua promoção social, com aumento de renda. Neste sentido consideramos extremamente importante uma política explícita de apoio aos pequenos agricultores.
Mobilizadores COEP – O que essa política deveria contemplar prioritariamente?
R. O apoio aos pequenos agricultores deveria ser feito através da melhoria da escolaridade e do conhecimento técnico agrícola; do fornecimento de tecnologia agrária; de garantia de preços-mínimos dos produtos agrícolas; da formação de cooperativas; do aperfeiçoamento dos instrumentos existentes, como o selo social e os créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); da disseminação dos contratos de fomento entre grandes empresas e pequenos fornecedores e do aperfeiçoamento de políticas trabalhistas e sociais voltadas para os cortadores da cana-de-açúcar .
Mobilizadores COEP – O Brasil quer produzir etanol para substituir 10% da gasolina consumida em todo o mundo no prazo de 18 anos. Isso exigirá multiplicar por 12 sua produção atual de 17,3 bilhões de litros anuais. O senhor acha que é possível atingir essa meta sem sacrificar florestas e áreas protegidas? De que forma?
R. Existe um estudo da Universidade de Campinas (Unicamp) que projeta a expansão da produção de etanol no Brasil até 2025, em que uma das hipóteses factíveis seria a substituição até este horizonte de 5% de toda a gasolina consumida no mundo. A área plantada com cana-de-açúcar para atender a tal demanda seria da ordem de 22 milhões de hectares. A Embrapa mostra que o Brasil dispõe ainda de 90 milhões de hectares para a expansão da agricultura. Assim, não haveria problema quanto às extensões de terra necessárias, mas é claro que os impactos causados pela plantação extensiva de cana-de-açúcar deverão ser objeto de permanente monitoramento tendo em vista o respeito à legislação ambiental e às melhores práticas do setor sucroalcooleiro. Não há razão nenhuma de se querer avançar sobre a Amazônia ou Pantanal para tal fim. Apenas áreas já degradadadas da Amazônia poderiam ser reflorestadas para fins energéticos.
Mobilizadores COEP – Além dos problemas ambientais, especialistas apontam que a expansão da produção dos biocombustíveis pode acarretar encarecimento da terra, conflitos pela posse fundiária, diminuição da área destinada à produção de alimentos, inibição das iniciativas de agricultura familiar, entre outros problemas. Qual é sua avaliação sobre cada um desses prognósticos?
R. Em primeiro lugar o que podemos dizer é que não vemos porque haver diminuição da área para a produção de alimentos, nem razão para que venha a inibir a agricultura familiar, que pelo contrário tem nos biocombustíveis uma oportunidade de crescer. É claro que os demais problemas aqui apontados, como o encarecimento da terra e conflitos fundiários terão de ser administrados e conciliados dentro da lei e com os mecanismos de que o poder público dispõe.
Mobilizadores COEP – A cadeia produtiva da cana-de-açúcar é historicamente degradante, especialmente na colheita, uma vez que os cortadores de cana costumam ser explorados e, em alguns casos, vítimas de trabalho escravo. Como é possível assegurar condições dignas de trabalho para essas pessoas e evitar que esse modelo de trabalho explorador seja reproduzido em outros cultivos, como no de palma e mamona?
R. Está é uma questão complexa que não tem resposta simples. No entanto, acreditamos que boa parte da solução está, inicialmente, na implementação da colheita mecanizada da cana-de-açúcar, o que resolverá também os problemas indesejáveis decorrentes das queimadas dos canaviais. Ao mesmo tempo, na realocação da mão-de-obra para outras atividades, por exemplo, em plantações de frutas e no seu beneficiamento, na fabricação de doces e sucos. Trabalhos onde as condições realmente possam ser melhores. A realocação da mão-de-obra precisa ser precedida de treinamento, de maior escolaridade, enfim de um esforço para assegurar a adequada promoção social do trabalhador rural e de seu bem estar.
Mobilizadores COEP – Que medidas os governos precisam adotar para evitar monoculturas para a produção de biocombustíveis e para que projetos de agroenergia inadequados sejam aprovados? Os governos federal e estaduais têm reais condições de implantar medidas eficazes de fiscalização?
R. O financiamento por meio de recursos públicos para empreendimentos de produção de biocombustíveis somente deverá ser concedido para aqueles que atendam completamente os ditames das leis ambientais e sociais. Estes empreendimentos são, também, sujeitos à obtenção de licenciamento emitido pelos órgãos ambientais, o que é uma outra forma importante de controle. Os órgãos ambientais, principalmente o Ibama, têm melhorado muito, ultimamente, seus recursos humanos e instrumentos de monitoramento. A sociedade tem de cobrar melhores condições aos órgãos de fiscalização e, em contrapartida, que eles apresentem maior transparência e eficácia em suas ações.
Mobilizadores COEP – Há uma expectativa de que o desenvolvimento da técnica de hidrólise enzimática celulósica – que permitirá a produção de etanol a partir da celulose – poderá duplicar a produtividade sem aumentar a área plantada e eliminar queimadas. No entanto, ainda será preciso muitas pesquisas antes de torná-la viável em escala industrial. Não é prematuro contar com os benefícios dessa nova tecnologia? Qual a importância dessa tecnologia? Existem outras tecnologias promissoras nessa área?
R. A principal revolução que a hidrólise celulósica trará é permitir produzir etanol a partir de resíduos agrícolas, biomassa em geral, inclusive pelo melhor aproveitamento do próprio bagaço da cana-de-açúcar. A tecnologia enzimática ou ácida em desenvolvimento precisa atingir níveis de competitividade econômica, mas ela está chegando. Ela permitirá, por exemplo, que os Estados Unidos reduzam o custo de produção do etanol, feito através do milho, a valor igual ao nosso. Daí a necessidade de o Brasil continuar investindo em tecnologia, não só a da hidrólise celulósica mas em todas as etapas da cadeia de produção do etanol, em suas fases agrícola e industrial.Entrevistaconcedida à: Marize ChicanelEdição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Gostei, principalmente da parte da educação (treinamento e elevação da escolaridade).
Creio ser a educação o propulsor de melhoria.
Devemos valorizar cada vez mais a educação de qualidade, apoiando os bons profissionais da área.
Atualmente, diante de toda a problemática vivenciada por conta do aquecimento global, tornam-se cada vez mais necessárias e urgentes ações como essas, a fim, não de reverter, pois, já existem danos irreversíveis, mas, de minimizar os efeitos decorrentes da agressão à natureza. Sabe-se que ainda é possível salvar o meio ambiente e, consequentemente, a vida no planeta, basta apenas um pouco de vontade política e maior conscientização das pessoas em relação ao seu papel diante dessa situação. Espero que os governantes atentem para esse problema enquanto ainda é tempo.Parabenizo o coordenador do FDBS pela entrevista e espero que cada um de nós possa fazer a sua parte em relação ao problema da degradação ambiental. Um forte abraço a todos! Márcia Gabriel.
Estamos vivendo tempos deprogresso e dúvidaass, muitas dúvidas. Mas tenho clareza que a produção alternativa de biocombustiveis veio para contribuir com o progresso da humanidade. Em Minas temos vivido experiencias riquissimas de produção de biodiesel que em breve seu compartilhamento redirecionará ese modelo,pois preserva a natureza e propicia a apropiaçao da cadeia produtiva pelos agricultores familiares.