Participação em reuniões, intercâmbios e cursos de capacitação em agroecologia promoveram a transformação da pequena comunidade de Santo Antônio II, no município de Carnaíba, no sertão pernambucano. Com a ajuda destas ferramentas, apresentadas pela ONG Diaconia, os agricultores perceberam que com pequenas soluções, a vida na comunidade poderia ser mais farta e próspera.
Um exemplo é o agricultor Ednaldo Rodrigues, mais conhecido como ?Seu? Nino, que mudou o jeito de plantar, abandonando o veneno, adquirindo tecnologias como cisterna de placas e de calçada, passando a produzir excedente e a comercializar na Feira Agroecológica dos municípios vizinhos de Afogados da Ingazeira e Tabira.
As dificuldades se transformaram em trabalho, geração de renda e segurança alimentar para as famílias da região. A convivência com o Semiárido tornou-se possível e o respeito à natureza promove a recuperação dos recursos naturais.
Essa é apenas uma pequena parte da história de vida do agricultor que, há nove anos, produz de forma agroecológica. Nesta entrevista, ele conta quais foram os desafios para a transição da agricultura convencional para a agroecologia, quais os benefícios deste modo de produção e todo seu orgulho de ser atualmente um produtor agroecológico.
Mobilizadores COEP – Desde quando o senhor vive na comunidade de Santo Antonio II? Pode nos descrever como é esta comunidade e qual a principal ocupação das famílias da região?
R.: Vivo nesta pequena comunidade, que faz parte do município de Carnaíba, no sertão pernambucano, há 42 anos. A comunidade vive da agricultura e da criação de pequenos animais. As principais dificuldades estão relacionadas com o saneamento ambiental e básico, educação e saúde.
Mobilizadores COEP – Como aprendeu a conviver com o Semiárido? Qual a importância deste aprendizado para sua vida?
R.: A vida no Semiárido é de muita luta e eu sempre trabalhei na lavoura, na roça, produzindo para terceiros. Somente, em 1992, comecei a trabalhar para mim mesmo, mas plantava no modelo da agricultura convencional e ainda não comercializava a minha própria produção. Somente em 2002, com o apoio e incentivo da ONG Diaconia, é que tivemos a capacitação dos agricultores da região para a produção agroecológica.
Desde então, nossa perspectiva de conhecimento da terra se transformou para melhor. O fato de ter uma produção própria e poder comercializá-la por nós mesmos ampliou nossa visão do trabalho e do que éramos capazes de realizar. O importante é a gente conhecer as nossas limitações, ou seja, as limitações do sertão e saber lidar com isso. Costumo dizer que a terra e os insumos de que dispunha no passado são os mesmos dos dias atuais, mas agora eu tenho uma coisa que não tinha antes: o conhecimento para conviver com o Semiárido.
Mobilizadores COEP ? Como foi o início do trabalho com a agroecologia?
R.: Comecei a trabalhar com agroecologia em 2002, participando de reuniões e capacitações promovidas pela Diaconia, em parceria com organizações do Sertão do Pajeú. Foi aí que percebemos que, com pequenas soluções, a vida em nossa comunidade poderia ser mais farta e mais próspera. Mudei o jeito de plantar, abandonando adubos químicos e venenos e implementando pequenas tecnologias que tornaram possível o plantio, como as Cisternas de Placas e Calçadão*1. Foram várias as motivações que tivemos, como por exemplo, a necessidade de potencializar a produtividade sem aumentar o custo, preservando o meio ambiente, pois temos propriedades muito pequenas e já desgastadas pelo mau uso. No início, a ação foi isolada, mas há alguns anos tem sido coletiva e, atualmente, temos uma associação que agremia as famílias: a Associação Agroecológica do Sertão do Pajeú (AASP).
Mobilizadores COEP – A comunidade foi capacitada para usar as práticas agroecológicas? Como aconteceu? Quais os principais obstáculos enfrentados?
R.: Ao todo, 22 famílias em nossa comunidade foram capacitadas a produzir alimentos orgânicos e participam das atividades em torno da comercialização. Por meio da participação em processos de formação como intercâmbios, seminários, cursos, e construindo conhecimentos a partir da experimentação com assessoria da Diaconia e do Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR), estamos construindo nosso conhecimento. Os obstáculos são muitos e a gente vai aprendendo a lidar com as dificuldades, pois elas não vêm todas de uma só vez. Em determinada época, estamos com uma infestação de um inseto na produção e temos que aprender a eliminá-lo de maneira correta, com as práticas ecológicas, sem agredir a natureza. Mas, quando a gente trabalha respeitando o meio ambiente, parece que a natureza também trabalha a seu favor e as respostas que a gente tem com a produção vêm dessa harmonia com o uso da terra.
Mobilizadores COEP – Quais as benfeitorias realizadas para estimular a produção agroecológica? Como a comunidade se articulou para realizá-las?
R.: Inicialmente, as famílias produziam para o consumo. O passo seguinte foi a formação de uma feira agroecológica em Afogados da Ingazeira, quando adquirimos, com apoio da Diaconia, barracas, balanças, jalecos e material de marketing. Agora, já conseguimos adquirir reboques para apoiar o transporte da produção, isopor para conservar os alimentos, despolpadora e freezers para produção e conservação de polpas de frutas, e a própria constituição da AASP.
Acontecem, durante o ano, várias reuniões para participação em feiras, pois em cada uma tem uma equipe orientadora, como também reuniões ordinárias e extraordinárias da AASP para discutir tanto o processo de produção, como a comercialização. As famílias se ajudam mutuamente praticando uma assessoria local como forma de melhorar o produto escoado para as feiras.
Mobilizadores COEP – Quais as principais diferenças entre o modo de plantar e lidar com a terra antes e depois da agroecologia?
R.: Agora eu vejo a minha plantação de forma diferente da que eu via antes de conhecer a agroecologia. Antes, eu usava adubo químico, veneno e sofria as consequências desta utilização. Agora, sinto a terra saudável e aprendi a lidar de forma natural com a minha plantação. Com uma lavoura com mais diversidade de espécies, consigo ter produção o ano todo.
Mobilizadores COEP – Quais as culturas mais comuns na região? A produção local é usada para a subsistência da comunidade ou é comercializada? Como acontece este processo?
R.: Plantamos milho, feijão, abóbora, frutas e hortaliças, tanto para consumo próprio quanto para comercialização. A produção excedente é comercializada na Feira Agroecológica dos municípios de Afogados da Ingazeira e Tabira. Quando tem muita oferta de uma determinada fruta, a gente transforma em polpa e congela, o que nos dá um maior prazo de comercialização sem perder a produção.
No início, para poder viabilizar a comercialização da produção nestes municípios, convidávamos as pessoas nas feiras a virem conhecer de perto a produção, para entender como funciona o processo agroecológico e conquistar a confiança de nossos consumidores. Chamamos este evento de Café na Roça e acho que ele funcionou muito bem, pois hoje temos nossa clientela fiel, que sabe dos benefícios dos alimentos orgânicos.
Mobilizadores COEP – Quais os benefícios sentidos na comunidade a partir da implantação do projeto agroecológico?
R.: A melhoria na quantidade e qualidade da alimentação das nossas famílias, a geração de uma renda mais adequada às necessidades de todos. Posso dizer que minha renda triplicou, que temos orgulho de nosso modo de produção, e sei que estamos no caminho certo. É gratificante o reconhecimento de nosso trabalho, não só aqui na região.
Mobilizadores COEP – Como os jovens utilizam o conhecimento agroecológico? E as mulheres, também trabalham na agricultura?
R.: Bom, na minha casa todos trabalhamos na roça. Eu, minha esposa e meus cinco filhos, independentemente de serem homens ou mulheres, contribuem para a viabilização da produção. E é assim que também acontece com as demais famílias aqui da região. Agora, a Universidade Federal Rural de Pernambuco está oferecendo um curso de especialização em Agroecologia no qual existe a garantia da participação de jovens filhos de agricultores do Semiárido, totalmente custeada pela universidade. Isso é um incentivo para os jovens daqui.
Mobilizadores COEP – Quais conselhos daria às comunidades para incentivar a prática agroecológica?
R.: O que eu posso dizer a esse respeito é que tenho muito orgulho do trabalho que realizamos hoje aqui em nossa comunidade. O respeito com a terra, a organização e todos trabalhando para um mesmo objetivo: gerar trabalho e renda com a consciência de que estamos protegendo os nossos recursos naturais. A agroecologia é o futuro.
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*1 – A cisterna de placas é um tipo de reservatório d’água cilíndrico, coberto e semienterrado, que permite a captação e o armazenamento de águas das chuvas, aproveitadas a partir do seu escoamento nos telhados das casas, através de calhas de zinco ou PVC. A cisterna calçadão é um reservatório enterrado construído com placas de cimento, tendo apenas a coberta acima do terreno. Para captar a água, é feita uma calçada de cimento com um tamanho aproximado de 220 m². Com essa água, é possível molhar um quintal produtivo, regar mudas ou ter água para galinhas e abelhas.
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Entrevista para o Grupo Fortalecimento Comunitário
Concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.
Essas experiencias são sencaionais e isso nos mostra a cada dia que é possivel viver no semiarido, e dele trazer bastante proveito, aqui na nossa regiao temos muitas familias como a de Seu Nino, que careditaram e acrediam, que podem viver com dignidade no sertão.
Isso sim é protagonismo. é fazer-se senhor de sua história.
valeu seu Ednaldo.
obrigado
Muito bom, considero muito importante que nos mobilizadores socias tenhamos em mente a promoção dos conhecimentos da agracologia de modo que agricultores/as possam ampliar o numero de experiencias agroecologicas. Parabéns
Experiência fantástica!
muito interessante a experiência, tenho curiosidade em saber a respeito do preço, mesmo sabendo q é mais saudavel, como eles lidam com a concorrencia? já q os produtos da agricultura tradicional são bem mais em conta do ponto de vista financeiro.