A Rede Jovem de Cidadania, um dos projetos da ONG Associação Imagem Comunitária (AIC), apostou no potencial de crianças e jovens da periferia e consolidou-se como uma rede de comunicação comunitária, produzida e gerida pelos jovens, contribuindo para sua inserção social. Nessa entrevista, a coordenadora da AIC, a jornalista Rafaela Lima, conta um pouco da trajetória da Rede e dos frutos alcançados pelo trabalho desenvolvido.
Mobilizadores COEP – Tendo em vista sua experiência, de que forma a comunicação pode contribuir para a inclusão social de grupos marginalizados?
R. – Os grupos excluídos socialmente também enfrentam uma profunda exclusão do espaço da mídia. As vilas, favelas e aglomerados das grandes cidades, por exemplo, tradicionalmente só têm espaço na mídia quando esta tematiza a violência, a precariedade das condições de vida, as tragédias. Entretanto, o cotidiano das populações destas regiões vai muito além do que a imagem negativa presente na mídia sugere. É amplo e diversificado o espectro de iniciativas culturais e de cidadania nas periferias. Há inúmeras comunidades se articulando e promovendo ações coletivas voltadas à melhoria da qualidade de vida. Mas estes grupos enfrentam uma invisibilidade simbólica. Acredito que a contribuição fundamental das iniciativas de comunicação para a cidadania consiste na construção de espaços para que estes grupos socialmente excluídos e com poucas oportunidades de visibilidade se coloquem no debate público da mídia. A idéia é que eles consigam exercer o direito de expressão e de se fazer ouvidos. Uma vez que diversas comunidades podem se expressar, discutir suas reivindicações publicamente e apresentar suas questões, demandas e manifestações, elas passam a exercer o direito fundamental de participar da sociedade e de poder lutar por outros direitos. Saem do anonimato simbólico e exercem um papel ativo na sociedade. Além disso, criam redes de intercâmbio que potencializam sua ação.
Mobilizadores COEP – Qual o retorno, em termos de mobilização social, que a Rede Jovem já alcançou?
R. – Do início da Rede até hoje, mais de 1,5 mil jovens já participaram diretamente de atividades formativas envolvendo os meios de comunicação. O projeto consolidou-se como uma rede de comunicação comunitária produzida e gerida pelos jovens, e já dá sinais de superação da tradicional exclusão enfrentada pelo jovem de baixa renda em relação aos meios de comunicação. A Rede é um espaço de expressão que divulga o universo dos jovens participantes através de veículos de grande circulação (programas televisivos semanais na Rede Minas de Televisão; programas radiofônicos veiculados em emissoras educativas e comunitárias; jornal impresso trimestral com tiragem de 30 mil exemplares, distribuído gratuitamente em todas as escolas públicas de BH; um website); e de uma agência de notícias, que divulga semanalmente na imprensa local e nacional boletins informativos sobre iniciativas juvenis ligadas à cultura e cidadania. Tais produções chegam a mais de quinhentas mil pessoas. Além disso, mais de 250 entidades e grupos das áreas de direitos humanos, cultura e cidadania já integram a rede de comunicação.
Mobilizadores COEP – E como a participação se reflete na vida desses jovens?
R. – Pesquisas de impacto apontam que os jovens participantes apresentam melhorias no que diz respeito à auto-estima; conduta participativa; disposição para o trabalho coletivo cooperativo; fluência na expressão de idéias através de textos e linguagens audiovisuais; interesse e busca de informações sobre temas ligados à cultura e à cidadania; melhoria no desempenho escolar (maior motivação e envolvimento com atividades curriculares); e mostram-se mais ativos nos processos de mobilização comunitária local (contato e participação em atividades de associações, grupos culturais, projetos sociais; e ainda atuação como representantes regionais nos conselhos de defesa dos direitos da criança e do adolescente).
Mobilizadores COEP – Quais os maiores empecilhos que a Comunicação encontra ao tentar alavancar, ou mesmo solidificar, uma mobilização social?
R. – Percebemos, hoje, que já há grande sensibilidade das comunidades e movimentos sociais em relação à importância estratégica da comunicação em seus processos de mobilização. Mas é preciso que os grupos percebam a comunicação como algo acessível. A maioria deles considera que fazer comunicação é algo circunscrito à produção de veículos e peças midiáticas, o que envolveria necessariamente um volume expressivo de recursos e tecnologias sofisticadas. Trabalhamos no sentido de mudar esse olhar, de mostrar aos grupos que a comunicação é um processo que diz respeito às relações cotidianas, à construção de espaços de diálogo, e que a tecnologia e a técnica não estão no centro do processo. Buscamos mostrar que cada comunidade, dentro de suas vivências e condições materiais, pode incrementar seus processos comunicativos e desenvolver algum tipo de trabalho com as mídias. Além disso, em todas as atividades de formação e de produção comunitária de mídia convidamos os participantes, desde o primeiro momento, a perder o medo dos equipamentos e a perceber que eles não são o foco. Os debates das questões comunitárias que acontecem ao longo da produção de mídia, o intercâmbio, a visibilidade para as questões dos grupos são os elementos centrais, para os quais chamamos a atenção todo o tempo. Outro grande desafio é promover uma apropriação criativa dos meios. A tendência inicial dos participantes é repetir as fórmulas e linguagens da mídia de massa. Desenvolvemos um intenso trabalho no sentido de que cada grupo construa um jeito próprio de criar a sua mídia, se apropriando da tecnologia e dos recursos de linguagem ? e, muitas vezes, reinventando-os.
Mobilizadores COEP – A Rede propõe uma mudança de foco no jovem de periferia, buscando divulgar também as iniciativas que estes fazem para superar problemas como a violência, a falta de dinheiro… Você acha que a sociedade já enxerga estes jovens a partir de um novo ponto de vista? O que ainda falta?
R. – Acho que, especialmente em relação ao jovem pobre, morador da periferia, ainda há muito a ser construído para combater a visão preconceituosa do senso comum, que o associa à violência, à marginalidade, à apatia. A enorme efervescência cultural protagonizada pelos jovens das periferias ainda é quase “invisível” no circuito midiático. O que percebo como mudança são iniciativas da sociedade civil no sentido de ocupar o importante espaço público dos meios de comunicação. Recentemente, tivemos um exemplo histórico de mobilização da sociedade para tornar a mídia mais inclusiva: a conquista dos movimentos sociais do direito de resposta na Rede TV!, em função dos desrespeitos aos direitos humanos cometidos pelo programa Tardes Quentes. Inúmeras ONGs de todo o país se mobilizaram para veicular, no espaço do direito de resposta, produções de mídia alternativa, que mostram um país que normalmente não é retratado pela TV comercial.
Mobilizadores COEP – A Rede Jovem ganhou o Prêmio Itaú-Unicef 2005. Qual a repercussão dessa premiação para o trabalho e quais os planos para daqui em diante?
R. – O Prêmio Itaú-Unicef foi um reconhecimento muito importante, pois envolveu um rigoroso processo de seleção, no qual 1682 projetos foram avaliados por mais de 300 especialistas de todo o país. A premiação valoriza a Rede Jovem de Cidadania, ampliando sua visibilidade e fortalecendo as parcerias. Tudo isso é fundamental para o crescimento do projeto e da ONG, e tem ainda uma importante repercussão para os jovens: eles tiveram mais uma mostra de seu valor e potencial, e de que sua aposta na comunicação comunitária está valendo a pena. Quanto aos planos, pretendemos que, em 2006, a Rede Jovem de Cidadania amplie sua estrutura. Acabamos de nos mudar para uma nova sede, com mais espaço e equipamentos, com o objetivo de estender o acesso dos grupos juvenis às mídias. Também pretendemos fortalecer a atuação nas escolas públicas, ampliando as oficinas e os projetos de comunicação participativa envolvendo alunos, professores e equipes escolares.
Parabéns Rafaela por esta iniciativa e pelo prêmio. Conhecendo você desde a época da ABVP não é novidade vê-la desenvolvendo projeto tão interessante. Como podemos nos integrar com essa Rede Jovem de Cidadania. um grande abraço
cynthia camargo