Até que ponto as comunidades podem interferir num projeto de empreendimento que vá impactar sua realidade, como a instalação de uma mina, a construção de uma hidrelétrica ou implantação de uma fábrica? Nesta entrevista, o engenheiro de mina Luis Enrique Sanchéz, da Universidade de São Paulo, diz que assim que toma conhecimento de um projeto, a comunidade, seus representantes ou lideranças podem tentar influenciar as decisões sobre o empreendimento.
De acordo com ele, diferentemente de outros países, no Brasil o licenciamento ambiental envolve também o aspecto social. A legislação dá margem para que impactos sociais, culturais e econômicos sejam tratados no processo de licenciamento.
Sanchéz também esclarece o que é ?licença social?, conceito que algumas empresas vêm usando, internacionalmente, para dizer ao público que somente realizarão seus projetos se obtiverem o consentimento (a ?licença?) da comunidade anfitriã.
Mobilizadores COEP – O que é o licenciamento ambiental? Quantas etapas ele envolve?
R.: É um procedimento público, previsto na legislação (a Lei federal 6938 de 1981 estabelece as diretrizes gerais) e que se aplica a todas as atividades econômicas que utilizem recursos ambientais ou possam causar qualquer forma de degradação ambiental. No Brasil, o licenciamento ambiental tem três etapas: licença prévia*1, licença de instalação*2 e licença de operação*3, esta com validade determinada e renovável.
Mobilizadores COEP – Que tipos de empreendimentos devem ter, obrigatoriamente, licenciamento ambiental para funcionar?
R.: Atividades tão diversas quanto uma usina hidrelétrica, um posto de gasolina, o transporte de produtos perigosos ou um assentamento rural. A Resolução 237, de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, estabelece uma lista de empreendimentos passíveis de licenciamento ambiental.
Mobilizadores COEP – A que órgãos cabe a concessão do licenciamento ambiental? Em que situações o licenciamento deve ser concedido pelo Ibama?
R.: No Brasil, o licenciamento é primordialmente estadual, mas alguns municípios que possuem estrutura administrativa ambiental (uma secretaria especializada e um conselho com representação da sociedade civil) podem emitir licenças ambientais. O governo federal atua supletivamente por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), quando empreendimentos afetem mais de um estado, estejam em águas continentais [rios, lagos, geleiras], ou em zona de fronteira, entre outros casos. A competência para licenciar é matéria que dá margem a embates judiciais.
Mobilizadores COEP – É possível suspender o licenciamento ambiental de um empreendimento? Em que casos?
R.: Por via judicial, é possível, demonstrando-se algum vício de forma [falta ou defeito no ato jurídico] na condução dos procedimentos previstos em lei. Porém, na maioria das vezes o que se busca é influenciar as decisões de licenciamento.
Mobilizadores COEP – Quais as principais deficiências, no seu ponto de vista, do licenciamento ambiental no Brasil? Como elas poderiam ser superadas?
R.: Os órgãos ambientais, com poucas exceções, não têm pessoal suficiente e preparado. Os programas de capacitação são insuficientes, porque mesmo que preparem melhor os técnicos, estes mudam de emprego.
Além disso, os órgãos ambientais se dedicam pouco às fases que antecedem a entrega do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Fornecem documentos orientadores (chamados ?termos de referência?) que não orientam, são apenas uma lista de itens a serem atendidos.
Em geral, há desinteresse das comunidades após a concessão de uma licença controversa; é como se toda a energia posta na discussão ou mesmo na oposição a um projeto subitamente se dissipasse, e isto pode levar tanto o empreendedor quanto os órgãos públicos a serem laxistas [pouco rigorosos] na implementação e na fiscalização das condicionantes estabelecidas na licença ambiental.
Os órgãos ambientais, em geral, não têm pessoal nem capacidade de fazer um acompanhamento sistemático após implantação dos empreendimentos, nem mesmo selecionam alguns empreendimentos para um acompanhamento. Desta forma, não aprendem com as experiências passadas e têm pouca noção de seus erros e acertos.
Mobilizadores COEP – Todo licenciamento ambiental prevê a realização de audiências públicas? Qual o propósito destas audiências?
R.: As audiências públicas ambientais são um espaço de informação, debate e possível contestação. Há casos simples de licenciamento ambiental, que em alguns estados são a maioria, em que o processo é meramente administrativo, ou seja, conduzido internamente pelo órgão ambiental. Já para os projetos que possam causar impacto ambiental significativo, é exigida a apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental. Nestes casos, quase sempre tem havido audiências públicas para discussão do projeto e seus impactos.
Mobilizadores COEP – Na prática, como funcionam estas audiências? Como as comunidades onde os empreendimentos serão instalados podem defender seus direitos?
R.: Frequentemente, as audiências públicas são muito polarizadas, com manifestações a favor ou contra o empreendimento, sem que haja espaço de negociação ou mesmo de compreensão do ponto de vista da outra parte.
A questão principal, para as comunidades, é que não se pode esperar o momento da audiência pública para tomar conhecimento do projeto e defender seus direitos. A legislação prevê a divulgação de informações bem antes da audiência pública. Portanto, assim que toma conhecimento de um projeto, a comunidade, seus representantes ou lideranças, podem tentar influenciar as decisões sobre o projeto: onde serão realizadas as obras?; há locais alternativos que poderiam causar impactos menores?; como minimizar as consequências negativas para a comunidade e para o ambiente?; como aproveitar oportunidades que o projeto possa proporcionar?, dentre outras questões.
Muitos projetos avaliados por meio de um estudo de impacto ambiental são complexos. Para que a comunidade possa participar e influenciar as decisões, precisa primeiro entender o projeto e suas consequências, mas isto toma tempo, pode até demandar estudo e pesquisa.
Mobilizadores COEP – O que é a licença social? Que ações deveria pressupor?
R.: ?Licença social? é um conceito que algumas empresas vêm usando ? internacionalmente ? para dizer ao público que somente realizarão seus projetos se obtiverem o consentimento (a ?licença?) da comunidade anfitriã. Não é um termo de implicações legais, como a licença ambiental. É uma iniciativa ?voluntária? de algumas empresas que, ao aplicarem este princípio, procuram se relacionar com a comunidade antes de implantar um novo projeto, de formas que vão além dos procedimentos previstos na legislação, como as audiências públicas. Algumas promovem reuniões informativas, fazem levantamentos para conhecer melhor o perfil da comunidade antes de concluir o estudo de impacto ambiental.
Na prática, a aplicação da noção de licença social encontra muitas dificuldades. Afinal, em cada local, em cada município ou região, há grupos com interesses diferentes, muitas vezes divergentes. Em um grande projeto, parte da população pode ser beneficiada, e outra parte pode arcar com os ônus de forma desproporcional. Não há, propriamente, ?comunidade?, mas a sociedade local com suas características e conflitos.
Mobilizadores COEP – É importante que a licença social também seja prevista em lei ou o licenciamento ambiental deveria se tornar socioambiental e incorporar novas diretrizes para proteção dos direitos das comunidades?
R.: No Brasil, diferentemente de outros países, o licenciamento ambiental é também socioambiental. A legislação dá plena margem para que impactos sociais, culturais e econômicos sejam tratados no processo de licenciamento. Em alguns países, somente os impactos sociais diretamente decorrentes das intervenções do projeto analisado é que podem ser considerados na avaliação dos impactos ambientais.
Porém, é preciso reconhecer que a maioria dos estudos de impacto ambiental analisa com mais detalhe os impactos físicos e biológicos, e os órgãos ambientais raramente têm profissionais capacitados em questões sociais. De qualquer forma, não há impedimento formal para uma ampliação da abrangência do licenciamento ambiental.
Mobilizadores COEP – Como as comunidades podem agir para defender seus direitos, negociar contrapartidas sociais com os empreendedores? Elas têm autonomia para negar a instalação de um empreendimento? Como têm de agir para isso?
R.: As comunidades não têm autonomia para vetar um projeto. O governo, por meio dos órgãos ambientais, supostamente age em nome dos interesses coletivos, inclusive das gerações futuras e pode negar licenças ou impor condições ? esta última situação é a que mais ocorre. Claro que os órgãos ambientais muitas vezes estão sob pressão para aprovar os projetos, principalmente os de iniciativa do próprio governo.
O processo de licenciamento tem alguns mecanismos de controle que têm por objetivo contrabalançar o peso dos interesses econômicos e políticos. O primeiro deles é a publicidade. O segundo é a possibilidade de controle judicial, por meio de ações diretas apresentadas por organizações da sociedade civil ou de representações ao Ministério Público.
Mobilizadores COEP – Poderia citar casos em que comunidades tenham conseguido vetar um empreendimento impactante ou obtido uma contrapartida social a partir da partir de sua mobilização?
R.: Um caso antigo de uma usina hidrelétrica no estado de São Paulo, Piraju. O projeto não foi vetado, mas modificado a ponto de atender aos interesses e pontos de vista da comunidade. A empresa pretendia desviar o rio justamente no trecho que corta a cidade, deixando-o com uma vazão reduzida. O projeto só foi aprovado depois do terceiro estudo de impacto ambiental com a nova alternativa.
Pode-se citar também um aterro de resíduos industriais no município de Piracicaba. A licença foi concedida, mas a oposição foi forte, e o empreendedor desistiu do projeto e investiu em outro setor (talvez o saldo ambiental dessa decisão tenha sido negativo).
Incineradores de resíduos em São José dos Campos e São Caetano do Sul, ambos no estado de São Paulo; uma mina de fosfato em Araxá, no final dos anos 90, onde a empresa não conseguiu licença para atuar em uma área de vegetação remanescente. Há outros casos, e também a situação em que a empresa revê, modifica seu projeto e volta a apresentá-lo anos depois. Quanto a contrapartidas sociais, também há diversos exemplos*4.
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*1 – Licença Prévia (LP) – Deve ser solicitada na fase de planejamento da implantação, alteração ou ampliação do empreendimento. Essa licença não autoriza a instalação do projeto, e sim aprova sua viabilidade ambiental e estabelece as condições a serem consideradas no desenvolvimento do projeto.
*2 Licença de Instalação (LI) – Autoriza o início da obra ou instalação do empreendimento.
*3 Licença de Operação (LO) – Autoriza o início do funcionamento da obra/empreendimento. Sua concessão está condicionada à vistoria a fim de verificar se todas as exigências e detalhes técnicos descritos no projeto aprovado foram desenvolvidos e atendidos ao longo de sua instalação e se estão de acordo com o previsto nas LP e LI.
*4 Um exemplo recente aconteceu com em Juriti, no Pará, onde o grupo Alcoa implantou um projeto de exploração de bauxita, afetando o ambiente e meio de vida de comunidades tradicionais. Após uma ampla mobilização, as comunidades conseguiram receber uma participação na renda proveniente da extração do minério, além de outros retornos sociais como a construção de um hospital, salas de aula, tratamento de água, etc.Entrevista do Grupo Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e PobrezaConcedida a: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo
ESSAS INFORMAÇÕES SERÃO DE GRANDE AJUDA P/ A MINHA COMUNIDADE,GOSTARIA DE RECEBER INFORMAÇÃO DE COMO UMA EMPRESA DE ONIBUS DEVE ATUAR, QUANDO A MESMA FICA PROXIMO A UMA AREA RESIDENCIAL