Criados com o formato atual a partir da Constituição de 1988, os conselhos são um dos canais mais eficazes e consolidados de participação da sociedade civil na conceituação e na elaboração de políticas públicas. São formados por representantes eleitos da sociedade para ajudar a dar visão cidadã sobre as questões mais importantes em determinadas áreas. Mas muitas vezes não é isso que acontece.É sobre essas questões que fala, nesta entrevista, o professor Leonardo Avritzer, coordenador do Projeto Democracia Participativa (Prodep), do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A iniciativa é especializada no estudo da participação da sociedade civil nas políticas públicas, baseando-se em três linhas de ação: monitoramento e avaliação; pesquisas e cursos à distância. A última rendeu ao Prodep a responsabilidade pela operacionalização e execução do Programa de Formação de Conselheiros Nacionais, da Secretaria-geral da Presidência da República.
Mobilizadores COEP – O que são os conselhos de políticas públicas e quando eles surgiram na democracia brasileira?
R. O Brasil tem uma longa tradição em conselhos. Desde o final do século XIX e princípio do século XX, toda organização estatal que contava com algum tipo de participação da sociedade recebia o nome de conselho. No século XX, havia o Conselho do Patrimônio Histórico, criado nos anos 20. Depois houve a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), onde a presença de cientistas já representava uma forma de participação da sociedade.
O formato atual foi criado na Constituição de 1988. A idéia é que grandes sistemas de políticas públicas – por exemplo, sistemas de saúde, de assistência social, de meio ambiente, de criança e adolescente – devem ser geridos por meio de formas partilhadas de delegação entre Estado e sociedade. Isso é que são os conselhos de políticas.
Mobilizadores COEP – Quem pode participar?
R. Todos os grandes sistemas nacionais de políticas tiveram origem em capítulos diferentes da Constituição de 1988 e depois foram regulamentados por leis específicas. Ou seja, o Conselho de Saúde foi regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde (LOS); o Conselho de Assistência Social, por sua vez, foi regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas); o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) foi regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e assim por diante.
Cada uma dessas leis varia, mas em geral o padrão estabelecido pós-Constituição de 1988 é de uma representação dividida entre Estado e sociedade civil, que tem representantes eleitos de alguma maneira. Existem conselhos com eleições diretas. Em outros, a eleição é por conjuntos de associações ligadas à área. Tem casos em que podem participar milhares de pessoas, como foi o caso do Conselho de Habitação da cidade de São Paulo, do qual participaram 30 mil pessoas durante a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy. Ou seja, há diferentes casos, mas em geral e lei específica é que determina a forma de eleição.
Mobilizadores COEP – As pessoas estão devidamente preparadas, conceitual e praticamente, para participarem em conselhos? Se não, o que falta?
R. Varia demais, especialmente conforme a área na qual esses conselhos atuam. Na área de meio ambiente, em que, geralmente, as ONGs são mais bem estruturadas, frequentemente remuneram a participação e são comumente constituídas por pessoas de alta escolaridade, eu diria que existe gente preparada. Por outro lado, quando consideramos as áreas de saúde ou de assistência social, vemos freqüentemente que falta preparo para os indivíduos participarem.
Neste contexto, cursos de capacitação são fundamentais para as pessoas entenderem como atuar e quais são as questões fundamentais. Em uma pesquisa que fizemos em Belo Horizonte (MG), em 2005, perguntamos se as pessoas entendiam o que era deliberado nos conselhos. Das pessoas que já haviam feito cursos de capacitação, 95% diziam que sim. Entre as que não tinham treinamento, esse índice caía para menos de 50%. Então, resumindo, depende da área e também do preparo que o Estado oferece.
Mobilizadores COEP – Na sua opinião, falta conselho em alguma área?
R. Os conselhos ajudam as políticas em uma série de áreas. Os de saúde e de assistência social existem em quase todos os municípios brasileiros. Os de criança e adolescente e os de meio ambiente existem em cerca de 60% das cidades brasileiras. Esses são dados de uma pesquisa de 2002, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se em algumas áreas talvez faltem conselhos, por outro lado em outras eles não são suficientemente efetivos. Talvez o problema maior não seja a necessidade de criar mais conselhos, mas sim a de tornar mais efetivos os que existem. Há pesquisas – inclusive nós, do Prodep, já fizemos algumas – que indicam que, nas cidades pequenas, os prefeitos dominam demasiadamente os conselhos, não respeitam sua autonomia e freqüentemente eles próprios participam da indicação da representação da sociedade civil. Este seria o principal problema hoje.
Mobilizadores COEP – Como a sociedade civil pode reagir em casos como este?
R. Exercendo melhor sua autonomia. A organização da sociedade civil varia radicalmente de cidade para cidade. Em cidades de menor porte, a sociedade civil não é tão bem representada assim. É freqüente até mesmo faltar qualquer tipo de representação da sociedade civil em muitas cidades. Em municípios de 5 mil habitantes, é comum que o representante da sociedade civil seja a mesma pessoa nos conselhos de saúde, assistência social ou criança e adolescente, por exemplo.
Isso mostra que falta organização social mais homogênea no país, no sentido de haver representação em todas as cidades e em todos os níveis. Isso ainda não ocorre. A segunda coisa em que é importante pensarmos é a necessidade de a sociedade civil ser mais autônoma, o que permitiria de fato solidificar e implementar as políticas públicas da área em questão. Há conselhos que desempenham papéis muito importantes: por exemplo, os conselhos da área de saúde assinam a prestação de contas dos municípios na chamada transferência de Fundo a Fundo [transferência que consiste no repasse de valores de forma regular e automática, diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os estados e municípios, para financiar ações estratégicas e serviços de saúde], que o Ministério da Saúde realiza. São coisas muito importantes e, para isso, a sociedade tem que se organizar e saber reivindicar melhor sua autonomia.
Mobilizadores COEP – Que tipo de treinamento e informações são necessários para um conselheiro ficar melhor preparado?
Entender a importância e os limites da participação, além de conhecer as questões mais importantes de uma determinada área de politica pública, para poder exercer melhor a participação.
Mobilizadores COEP – Qual o trabalho do Prodep, no que se refere a conselhos de políticas?
R. Nós realizamos levantamentos de dados sobre participação social e, a partir deles, avaliamos a efetividade da participação. Também elaboramos rankings de cidades a partir do nível de participação da sociedade local.
Mobilizadores COEP – Qual a diferença entre conselhos de direitos e conselhos tutelares?
R. O Conselho Tutelar é uma figura importante da política de criança e adolescente. São eleitas para os conselhos tutelares pessoas da sociedade civil, que fiscalizam a aplicação das políticas públicas da área e podem participar do estabelecimento de sanções em relação ao tratamento dado a crianças e adolescentes por pais, responsáveis e a sociedade em geral. Esses conselhos são considerados uma boa maneira de a sociedade civil ter um maior controle sobre a aplicação da política pública, controle este que ficaria muito nas mãos da polícia ou de Juizados, sem a existência de conselhos com pessoas especializadas ou com demasiada falta de pessoal técnico. É uma estrutura diferente, que existe em uma política só [ou seja, apenas na área de Criança e Adolescente] e não é comparável aos conselhos de políticas.
Entrevista concedida a: Maria Eduarda MattarEdição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Conselhos, leis fundos tem sido impotentes diante da sociedade brasileira formada por pessimos exemplos .A imitação ainda éa linguagem basica entre nos.A sociedadeé a resposta da sua proposta.Precisamos rever lideres,discursos ,educação, campanhas para criarmos ou resgatarmos habitos humanos
DE MODO GERAL ACHO QUE OS CONSELHEIROS TUTELARES TEM DEIXADO A DESEJAR COM AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DO NOSSO PAÍS, NÓS TEMOS LEIS E POLÍTICAS PUBLICAS MARAVILHOSAS MAS FALTA CRITICIDADE PARA QUE ELA ACONTEÇA E CABE AOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS COMPRAR ESTA BRIGA FAVORECENDO AS NOSSAS CRIANÇAS. VALE APENA RESSALTAR QUE ESTAMOS NUM PAÍS DEMOCRÁTICO, ONDE O DIREITO PRINCIPAL, A VIDA, AINDA NÃO É RESPEITADA.