A coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Comumidor (Idec) e especialista em Desenvolvimento Sustentável, Lisa Gunn, fala sobre consumo sustentável; o papel e a responsabilidade de governos, empresas e cidadãos para a diminuição dos impactos dos hábitos de consumo; e a importância da adoção de medidas e políticas públicas que incentivem uma cadeia produtiva mais eficiente.Mobilizadores COEP – Qual o conceito de sustentabilidade? O que quer dizer consumo sustentável? R.: Existem três definições de consumo sustentável que considero interessantes: ?Consumo sustentável inclui atender as necessidades das presentes e futuras gerações por produtos e serviços de forma econômica, social e ambientalmente sustentável?, (Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor); ?Consumo Sustentável não significa consumir menos, mas consumir de forma diferente, mais eficiente, garantindo a melhoria de sua qualidade de vida. Também significa dividir de forma mais equitativa os recursos entre os mais pobres e os mais ricos?, (de Jacqueline Aloisi de Larderel, ex-diretora da Divisão de Tecnologia, Indústria e Economia do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente -DTIE/Pnuma);?Os consumidores devem estar conscientes de que quando fazem compras estão, de fato, exercendo uma responsabilidade social, política e ambiental, que vai além de seus interesses pessoais?, (Idec).Mobilizadores COEP – Você acredita que os consumidores brasileiros têm informação suficiente para entender os impactos causados pelos seus hábitos de consumo? Em caso contrário, o que precisa ser feito?R.: Infelizmente, o consumidor ainda não tem acesso à informação suficiente, clara e adequada, para entender os impactos dos seus hábitos de consumo. Precisamos de mecanismos incentivados pelo poder público, como por exemplo, a ampliação significativa do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE)*1, que informa a eficiência energética de produtos [eletrodomésticos, como geladeira e ar condicionado], e de protagonismo das empresas em fornecer ao consumidor informações sobre os processos produtivos e o pós-consumo.
Mobilizadores COEP – Você afirma que governos, cidadãos e empresas são corresponsáveis com relação às medidas que devem ser tomadas para diminuir os impactos dos hábitos de consumo. Qual deve ser o papel de cada um e onde esses atores têm falhado?R.: Cabe aos governos: implementar políticas públicas de educação para o consumo sustentável; incentivar a rotulagem socioambiental dos diferentes produtos dos diversos setores produtivos; promover o desenvolvimento e a adoção de tecnologias limpas; e, como grandes consumidores que são, os governos devem adotar critérios socioambientais para efetuar suas compras.Cabe às empresas: respeitar o direito dos consumidores à informação; se optarem por colocar selos em seus produtos, que estes sejam certificação de terceira parte [feitas por empresas sem vínculo com o fornecedor], cujos critérios de verificação e classificação sejam claros, transparentes e tenham participação de diversos stakeholders (parceiros, fornecedores, produtores); repensar a publicidade que motive a criação de novo padrão sustentável de produção e consumo; incorporar os critérios socioambientais nas cadeias de valor dos produtos para além dos nichos de mercado; assumir para si o princípio da eco-inovação – desde a escolha do que produzir até como descartar, voltada para máxima redução do consumo de energia e recursos naturais por unidade de produto; cuidar para que seus produtos ofereçam além da qualidade, durabilidade e possibilidade de reparo e reciclagem; conhecer e compartilhe o impacto social e ambiental decorrente de sua atividade de produção; comunicar as ações concretas para reduzir ao máximo esse impacto; eliminar apelos ambientais genéricos, imprecisos, sem provas, que induzam o consumidor a erro de avaliação; falar a verdade sempre sem omitir dados que comprometam o argumento social e ambiental apresentado; não utilizar argumentos de estrito cumprimento da legislação como apelos de diferenciação competitiva [ou seja, não fazer propaganda de ações que têm de ser desenvolvidas por imposição da lei como se fosse um diferencial de sua forma de produção ou de seu produto].Cabe aos consumidores: repensar hábitos e atitudes de consumo; responsabilizar-se por não agredir o meio ambiente; recusar produtos que agridam a saúde e o ambiente; reduzir o consumo; reutilizar, aumentando a vida útil do produto; e reciclar, transformando o produto antigo num novo produto.
Mobilizadores COEP – Que tipos de informações socioambientais os consumidores podem e devem cobrar das empresas, no que se refere a seus processos produtivos, e também às fases de pré-consumo e pós-consumo?R.: É difícil generalizar, pois cada produto possui diferentes aspectos socioambientais na cadeia produtiva. Porém, o principal é questionar as empresas se elas sabem quais são os principais problemas socioambientais na sua cadeia produtiva e o que elas fazem para minimizar os impactos negativos. No pós-consumo, a principal questão é o descarte adequado, então é preciso questionar as empresas sobre a existência de esquemas em que o consumidor possa devolver produtos pós-consumo, no caso de produtos eletroeletrônicos e mesmo no caso de embalagens, se as empresas apóiam iniciativas de coleta seletiva e reciclagem.
Mobilizadores COEP – Acredita que os consumidores atualmente estão mais dispostos a dar preferência às empresas que adotem medidas sustentáveis? Por quê? O que falta para que esta cadeia ganhe força?R.: Diversas pesquisas mostram que os consumidores estão dispostos a dar preferência a empresas realmente comprometidas com a mudança para padrões mais sustentáveis de produção. Porém, existe uma distância entre consciência e mudança dos hábitos de consumo. Alguns fatores que podem dificultar a mudança de hábitos como o fato de que, às vezes, o consumidor tem consciência do problema relacionado a um produto, mas não identifica uma alternativa possível; ou a alternativa pensada pode ser inviável por aspectos econômico-financeira; ou ainda pode não haver alternativas.
Mobilizadores COEP – Como você vê a questão do acesso ao crédito, especialmente ao crédito consignado, no Brasil, que estimula o consumo e, muitas vezes, o endividamento?R.: O acesso ao crédito é algo bom para os consumidores e para a economia do país, mas é preciso atenção, pois o mercado tem práticas extremamente agressivas e, conforme diversas pesquisas do Idec demonstram, vários bancos, financeiras, e lojas desrespeitam direitos básicos do consumidor, não fornecendo informação clara e adequada; incluindo cláusulas abusivas em seus contratos, além dos juros extremamente elevados que podem levar o consumidor a um processo crescente de endividamento como uma bola de neve.
Mobilizadores COEP – Qual a relação entre os hábitos de consumo e as mudanças climáticas?R.: O carro que usamos, os móveis de madeira que compramos, a madeira usada na construção ou na reforma das nossas casas, a carne que comemos, os aparelhos eletroeletrônicos que temos em casa ? nossos hábitos de consumo estão diretamente relacionados às mudanças climáticas.Estamos consumindo intensamente petróleo, carvão e gás natural para gerar energia, tanto para a produção industrial quanto para consumo residencial e para os veículos. Estamos queimando e destruindo nossas florestas que absorvem e estocam carbono, para obter madeira e para ocupação da terra pela agricultura e pecuária.O consumo de cada um deixa uma marca, uma pegada ecológica*2 de degradação ambiental. Com o atual padrão de consumo e produção estamos liberando imensas quantidades de dióxido de carbono, metano e outros gases na atmosfera, intensificando o efeito estufa e retendo mais calor na atmosfera. O aumento da temperatura média do planeta provoca as mudanças climáticas que, por sua vez, trarão impactos irreversíveis para nossa vida no planeta.
Mobilizadores COEP – Desenvolvimento muitas vezes é associado somente à questão econômica. Como podemos aliar desenvolvimento e consumo sustentável? É possível? R.: Se não acreditarmos que é possível aliar desenvolvimento e sustentabilidade não caminharemos para a efetiva transformação dos nossos padrões de produção e consumo. Precisamos agir rápido, com cada um assumindo a sua parte.
Mobilizadores COEP – Como conciliar o desenvolvimento das nações com o consumo sustentável, tendo em vista que muito do que é consumido não é decorrente de necessidades reais, mas de estímulos impostos pelo modelo capitalista de produção?R.: Muitos modelos de negócio das empresas precisarão mudar. Elas precisam aprender a ganhar dinheiro ofertando principalmente serviços, acessíveis a todos, com menor impacto ambiental.Mobilizadores COEP – O que é o Plano Nacional de Ação para a Produção e o Consumo Sustentáveis (PPCS), do Ministério do Meio Ambiente? Qual é sua importância?R.: O Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS) integrará e articulará ações do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e dos demais ministérios, com as iniciativas de parceiros do setor privado e da sociedade civil visando às mudanças dos atuais padrões de produção e consumo. O PPCS será importante para integrar o esforço de disseminação da produção e do consumo sustentáveis ao esforço de enfrentamento das mudanças climáticas, e também a outras frentes prioritárias para a sociedade brasileira, como o combate à pobreza, a distribuição eqüitativa dos benefícios do desenvolvimento, a preservação da biodiversidade e dos recursos naturais.______________*1 -Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE): entenda o que é o PBE lendo cartilhaproduzida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).*2 -Pegada ecológica de um país, de uma cidade ou de uma pessoa, corresponde ao tamanho das áreas produtivas de terra e de mar, necessárias para gerar produtos, bens e serviços que sustentam seus estilos de vida. É uma tradução em hectares (ha) da extensão de território que uma pessoa ou toda uma sociedade ?utiliza?, em média, para se sustentar. Descubra qual é o impacto do seu estilo de vida para o planeta, fazendo o teste disponível em: http://www.pegadaecologica.org.br/. Fonte: WWF.
Entrevista para o Grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e PobrezaConcedida à: Flávia MachadoEditada por: Eliane Araújo.
Se é verdade que falta ao consumidor acesso adequado de informaçoes sobre os impactos dos seus hábitos de consumo, por outro, falta ações mais efetivas dos gestores públicos tanto no establelecimento de regras como a vigilância fiscalizatória e punitiva das industrias e empresas comkerciais.
Maria Newnum
Apesar de ser um tema de interesse mundial, a consciência necessária para que todo o processo de consumo sustentável realmente venha a existir dependerá de ações que nasçam em grupos pequenos e que vá crescendo, que comece em casa , na escola e que vá aos poucos para toda sociedade, a cobrança política para que os mecanismos que levem o conhecimento desde a origem até o destino final dos produtos sejam implantados pelo governo é fundamental em nossa sociedade e este é um processo lento, mas apenas com base os grandes projetos conseguem evoluir.
Concordo plenamente! E acredito que para reverter a situação vivenciada é através da conscientização e medidas através de políticas públicas de saúde. Assim, devendo ser planejadas e propostas pelos governantes, e cabe a nós a incubência das pequenas ações para ajudar nesse processo e, obter o êxito da sustentabilidade!!!
Acredito que para alcançarmos o Consumo Sustentável é preciso que haja uma mudança nos processos de produção e o engajamento não só do poder público, mas de toda a sociedade civil. Os meios de comunicação de massa têm também um papel importante no processo, informando a população nesse sentido. Maria Amélia Melo Sousa Melo (03/12/2010 14:51)
Muito pertimente as colocações da Lisa.Também sou do grupo que acredita que faltam informações e hábitos saudáveis relacionados ao desenvolvimento sustentável. Sou licenciada em biologia e durante toda minha docencia não fiz outra coisa senão provocar nos meu alunos a reflexão sobre o futuro da nossa Casa Maior e hoje meis do que munca torna-se urgente a mudança de atitude em relação a nossa breve passagem por aqui. Abç
Concordo com tudo o que a Lisa disse e penso que, embora seja um problema que deve ser tratado com urgência, esta relação entre a noção de desenvolvimento e a questão ecológica, trata-se, também, de uma questão relacionada a hábitos, a preferências culturais, a interesses até afetivos. Não se mudam hábitos em pouco tempo. Preferências culturais – como por exemplo, o consumo excessivo de água – não se abandona de um dia para outro. Neste momento, estamos vivendo uma tomada de consciência que precisa dar frutos. E, de fato, ainda não é uma parcela grande da população que tem esta consciência. Muitos ainda nem sabem que o problema é realmente sério, ainda estão discutindo a veracidade das informações sobre o assunto. Devo repetir, gostei do enfoque da Lisa. E devemos, todos, fazer a nossa parte.