Em 2050, eles querem que uma equipe totalmente autônoma de robôs humanoides, jogadores de futebol, vença o time de humanos que for campeão da Copa do Mundo da Fifa. Mas quando esta entrevista foi realizada, o professor do Centro Universitário da FEI de São Bernardo do Campo (SP) e coordenador do simpósio científico da Robocup Brasil, Reinaldo Bianchi, já estava bastante satisfeito com um outro resultado: O time de futebol de robôs de seus alunos havia vencido, por 1 x 0, o time de robôs de uma boa universidade alemã.
Mas muito mais que promover a copa do mundo dos robôs – que além de divertir, incentiva a educação e o desenvolvimento intelectual – a cidade paraibana de João Pessoa sedia, até esta sexta-feira (25), um evento que reúne 3 mil jovens de 45 países em sérios estudos sobre tecnologias que podem ser aplicadas no dia a dia da sociedade, em áreas como vigilância, controle ambiental, prevenção de desastres naturais e saúde – próteses e órteses são alguns exemplos.
A partir do trabalho em equipe, eles pesquisam e desenvolvem inteligência artificial – isto é, robôs móveis autônomos – e também realizam trabalhos nas áreas de eletrônica, computação, sistemas embarcados, visão computacional, sistemas de comunicação, mapeamento, sistemas em tempo real, aprendizado de máquinas, educação, arte-tecnologia, locomoção.
O ganho social na prática? Na visão de Bianchi, o mais importantes é a inclusão de uma cidade litorânea, que ainda estava fora do circuito tecnológico, no que as universidades de ciência e tecnologia têm desenvolvido de melhor no mundo e, possivelmente, o despertar de crianças e jovens que podem ter descoberto, a partir da Robocup, o futuro que darão à ciência.
Confira na entrevista.
Rede Mobilizadores – Em que patamar o Brasil está quando falamos em robótica e inteligência artificial?
R.: No Brasil, não avançamos tanto como a Alemanha, os Estados Unidos, o Japão, mas também não somos os piores. Estamos dentro de uma fase intermediária, a robótica está na mesma fase em que está a pesquisa no Brasil. Não estamos no topo, mas também não estamos atrás, estamos no meio desse caminho. E é interessante falar sobre isso, porque na educação pública brasileira ainda estamos entre os piores, mas no campo da pesquisa, da robótica, conseguimos avançar.
Rede Mobilizadores – Quem desenvolve essas tecnologias?
R.: São as universidades. Infelizmente, no Brasil, são só as universidades, poucas empresas desenvolvem tecnologia. Em todo o mundo, ou em quase todo o mundo, quem cuida dessa evolução é a universidade. A Petrobras desenvolve tecnologia, que são robôs para as plataformas de petróleo. Mas são as universidades que mobilizam essa área de pesquisa no Brasil.
Rede Mobilizadores – De que forma o senhor estimula o desenvolvimento de seus alunos?
R.: Em uma tese de mestrado ou doutorado, meus alunos recebem um tema de tecnologia, no segmento da robótica. Por exemplo, com o time de robôs, a tese não é sobre futebol para robôs, mas sobre como os robôs podem se coordenar. Então eu tenho cinco robôs, que estão jogando futebol, mas que podiam estar em uma empresa fazendo a montagem de um carro. O objetivo é levar os alunos a pensar sobre como esses robôs conversam, como trocam mensagem, como ordenam comandos. É um trabalho em equipe. E é um grande desafio. Em seguida, usamos o futebol com robôs como estudo de caso para termos uma teoria da ciência da computação mais ligada à publicação de artigos científicos.
Rede Mobilizadores – Pensando em benefício social, o senhor pode citar exemplos de como os robôs que estão na Robocup podem ser utilizados?
R.: A Robocup está dividida em três categorias. Os robôs da categoria de resgate podem ser usados em casos de desastres naturais. Essa é uma tecnologia que desenvolvemos no Brasil. Se, por exemplo, houver um desabamento e a entrada de um bombeiro trouxer riscos à sua vida, temos robôs que podem entrar no local para fazer a busca por pessoas. Esses robôs não são projetos, já existem e estão competindo na Robocup.
Rede Mobilizadores – Recentemente, na Copa do Mundo da Fifa, um trabalho científico dirigido pelo brasileiro Miguel Nicolelis deu movimento às pernas de um tetraplégico e, por meio de um comando cerebral, ele conseguiu chutar uma bola. O que isto representa, qual é o ganho social?
R.: Este é um resultado direto da pesquisa na robótica. O que o Miguel Nicolelis fez foi a interface do cérebro com o robô. No Brasil, pouco se desenvolve nesse sentido, mas existe no mundo a parte de órteses e próteses, para as pessoas que perdem, por exemplo, um braço. Para elas há hoje braços robóticos completos, com mãos, dedos e movimento. São importantes ações de cunho social.
Rede Mobilizadores – E o que há no Brasil como bom exemplo, ainda falando sobre mobilização social, na área da tecnologia?
R.: Para falarmos de mobilização social no Brasil, o melhor exemplo que temos hoje é a Olimpíada Brasileira de Robótica. É um evento público e gratuito, financiado pelo governo federal, onde escolas públicas e particulares participam de uma competição cujo objetivo é aprender a trabalhar com robótica, física, matemática. São grandes mobilizações em torno do conhecimento.
Na olimpíada deste ano, cerca de 2 mil equipes vão participar, de quase todos os estados do Brasil – falta apenas um estado. E o mais interessante quando falo dessa mobilização é ver os alunos de escolas públicas, geralmente com baixíssimos recursos, participarem com apoio da comunidade onde vivem, porque é preciso que eles se mobilizem de fato para que consigam, por exemplo, comprar as peças para que as crianças estudem e montem os robôs que irão disputar a olimpíada.
No ano passado, na etapa regional de Brasília, os vencedores foram alunos de uma escola pública do DF [O Centro de Ensino Fundamental 8 de Sobradinho II foi a única escola pública que participou desta etapa, em agosto de 2013, e conquistou o 1º lugar]. Então, vemos pessoas muito pobres se juntando para tentar fazer com que seus filhos, que são os alunos, tenham condição de participar de um projeto que irá beneficiar o aprendizado e formação deles. Este ano, a etapa nacional será em outubro, na cidade de São Carlos [SP], e nossa expectativa é muito grande.
Rede Mobilizadores – O que o senhor tem visto nessa semana de simpósios e competições da Robocup?
R.: Para te dar um panorama, João Pessoa teve um congestionamento de pessoas na entrada do evento, com alguns quilômetros de fila. Foi necessário fechar a entrada por causa da lotação. Para a cidade está sendo um evento fantástico, estão todos interessados, querendo ver o que é essa tecnologia. Então, estamos cumprindo um dos objetivos do evento, que é fazer com que as pessoas comuns se interessem mais por tecnologia. Principalmente robótica, claro, mas não só isso. As pessoas vão lá, veem os robôs, veem computadores, veem tudo o que é possível fazer e estão muito interessadas.
A Robocup reúne crianças e jovens do mundo inteiro, mas há um enorme ganho social para a cidade de João Pessoa. Essa é uma cidade pequena, um lugar que ainda está fora do circuito de tecnologia. E pude ver crianças e jovens absolutamente encantados com os robôs, dizendo aos seus pais e amigos que é isso fazer da vida, é o que querem estudar. E eles estão acessando o trabalho de alunos muito novinhos, a partir do ensino fundamental, até os universitários, pós-graduandos e pesquisadores. Sem dúvida, momentos assim são muito importantes para o futuro da ciência no Brasil.
Entrevista concedida à: Sílvia Sousa
Editada por: Eliane Araujo