Nessa entrevista, Maria Aparecida Lemos, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) e membro da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+ Brasil), nos fala da correlação Aids/Deficiência e de como o debate sobre o assunto vem ganhando visibilidade no país. De acordo com ela, conscientizar a sociedade de que uma pessoa com deficiência não é ?assexuada? é o primeiro passo para elaboração políticas de prevenção à AIDS direcionadas a esse público.
Mobilizadores COEP – Pode-se dizer que pessoas com deficiência ficam mais vulneráveis a adquirir Aids? Por quê? Pessoas com que tipo dedeficiência teriam maior risco de contrair o vírus HIV?
R.: Sim. Posso dizer que algumas pessoas com deficiência se sentem tão excluídas que não têm coragem de negociar o uso do preservativo em suas relações por acreditar que já estão lhe fazendo um “grande favor” em aceitá-las como parceiras, mesmo quando estão pagando. Além disso, quando contrai o vírus a maioria se envergonha e continua tendo relações desprotegidas. Outras recebem o diagnóstico quando já estão muito mal e por falta de conhecimento de sua sorologia positiva também não se protegem. Outro agravante é que as pessoas com deficiência não contam com um material educativo específico para seu esclarecimento, como material em braile para os cegos, em libras, para os surdos e em linguagem fácil para a pessoa com deficiência intelectual. Isto as torna vulneráveis ao HIV/Aids.Mobilizadores COEP – Alguns especialistas dizem que pessoas com deficiência são estigmatizadas como não tendo vida sexual. Tal concepção influencia na falta de campanhas de prevenção à Aids direcionada a este público? Como reverter tal situação e obter subsídios para que políticaspúblicas integradas possam ser formuladas? R.: Certamente, quando nos tornamos deficientes, junto com a perda física e/ou intelectual, perdemos também a sexualidade, pois muitas pessoas pensam e agem como se todas as pessoas com deficiência fossem “assexuadas” e sem direito ao prazer e ao sexo. Só conseguiremos reverter este quadro quando toda a sociedade, em especial os profissionais de saúde, se conscientizar de que pessoas com deficiência podem produzir como qualquer cidadão, respeitando sua limitação, e continuar tendo vida sexual ativa.
Mobilizadores COEP – A discussão sobre as deficiências vem sendo incluída na pauta do movimento de Aids e vice-versa? R.: Sim, embora ainda de forma preliminar, pois há uma certa resistência de ambos os lados nesse envolvimento. Mas, um exemplo dessa interface foi o Encontro Nacional sobre Aids e Deficiências, realizado de 26 a 27 de novembro de 2007, no Rio de Janeiro, quando foram identificadas situações de vulnerabilidade às DST/HIV/Aids relacionadas às deficiências e aprofundado o debate sobre deficiência como um dos agravantes da Aids. Durante os dois dias do encontro, pessoas vivendo com HIV e Aids e deficiências puderam dialogar, com o objetivo de reunir diferentes experiências e colaborar para a construção de políticas públicas direcionadas a este público. Participaram do encontro o Ministério da Saúde, os Programas de DST/HIV/Aids Nacional, Estadual, Municipal, instituições ligadas a pessoas com deficiência, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) e o Centro de Promoção da Saúde (Cedaps), que está finalizando um livro sobre o evento. Mobilizadores COEP ? O debate está tendo continuidade? R.: Sim, por meio de fóruns virtuais, por exemplo. Além disso, estão previstas outras ações para 2008. Entre 24 e 27 de junho, vai acontecer o VII Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids em Florianópolis, Santa Catarina. Durante o congresso, vamos realizar um fórum para dar maior visibilidade à relação Aids/Deficiência. Queremos garantir a presença de pessoas com deficiência nesses eventos para que elas mesmas possam ser protagonistas de sua história.
Mobilizadores COEP – Você poderia nos contar quando e como ficou cega e falar a respeito das dificuldades que encontrou até conseguir levar uma vida ativa e produtiva.
R.: Fiquei deficiente no ano de 2001, logo após ter recebido meu diagnóstico HIV positivo em 2000, em decorrência de um vírus oportunista, o citomegalovírus (CMV), um vírus herpes, que atacou minhas retinas e me deixou totalmente cega. Posso dizer que foram momentos dificílimos, pois receber um diagnóstico de HIV positivo e ainda perder um dos seus sentidos só mesmo com muita fé, aceitação e amor à vida para continuar buscando um novo objetivo e transformar estas adversidades em propostas de vida, ajudando ao próximo, orientando-o, e esclarecendo-o que todos somos vulneráveis e que temos que ter relações protegidas, pois esta é a única maneira de nos protegermos realmente. Ninguém precisa ter Aids para depois aprender sobre a doença.
Mobilizadores COEP – Quais são as principais dificuldades enfrentadas por quem convive no seu dia-a-dia com a Aids e a deficiência?
R.: São muitas, mas posso citar a principal que é o medo. Tememos a discriminação, o preconceito, os olhares curiosos, a revelação da doençaem público, a incerteza de que conseguiremos alguma melhora, a vergonhada deficiência, enfim, só com carinho da família e respeito de toda a sociedadepoderemos reunir forças e entender que a deficiência causa limitações, mas nunca incapacidade.
Mobilizadores COEP – Quando foi criada a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+ Brasil)? Qual sua proposta? R.: A RNP+ foi criada há mais de 10 anos, com o objetivo de reunir em todo o Brasil pessoas vivendo com HIV/AIDS para, juntas, discutirem suas necessidades, direitos e deveres e buscarem políticas publicas para uma vida digna e plena.
Mobilizadores COEP – Qual o objetivo do Cidadãs Posithivas e como é sua militância no movimento? R.: O projeto, que hoje tem mais de 80 mil participantes em todo o Brasil, tem o objetivo de fortalecer as mulheres soropositivas por meio do estabelecimento de estratégias de atuação que as levem à aceitação da sua condição sorológica para o HIV. Espera-se que a partir dessa aceitação as mulheres sejam capazes de retomar seu espaço social e exerçam plenamente sua cidadania. Como cidadã, o que eu mais gosto é de fazer palestras nas escolas, comunidades e empresas. É a oportunidade que tenho de alertar aos jovens, mulheres e homens de todas as idades que nenhuma pessoa está imune ao vírus e que, se não usarmos preservativos em ” todas” as relações, poderemos nos infectar. Dizer também que a falta de informação produz o medo e só conhecendo os cuidados que devemos ter e nos conscientizando deles é que poderemos ter uma vida sexual segura e feliz. Caso você já esteja infectado, não pense que sua sexualidade acabou! Lembre-se: usando preservativos você poderá continuar a amar e ser amado.
“Antes nos escondíamos para morrer. Hoje nos mostramos para Viver .” RNP+BRASIL
Entrevista concedida à: Renata OlivieriEdição: Renata Olivieri e Eliane Araujo Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Parabens pela entrevista, coragem e força… zora