A assistente social de Furnas, Terezinha Monteiro Martinez, coordenadora do Projeto de Cuidador Social, esclarece questões sobre a ocupação de cuidador e fala sobre a importância que a ocupação vem ganhando com o envelhecimento da população brasileira.
Mobilizadores COEP ? O que é o cuidador social?
R.: O cuidador social é um profissional capacitado que trabalha nos domicílios para ajudar as famílias no atendimento às necessidades de pessoas que necessitam de atenção especial. O cuidador contribui para a qualidade de vida da pessoa alvo de cuidado.
Mobilizadores COEP – Como surgiu a ocupação de cuidadores sociais?
R.: Com o aumento da expectativa de vida da população, a questão do envelhecimento gerou demandas nos campos social, político e econômico. Essa nova configuração, cujo eixo central é a cidadania, pautada na garantia de direitos, tem ainda como elemento a nova configuração das famílias, caracterizada pela redução no número de filhos, em decorrência das novas exigências do mercado de trabalho.
Desta forma, são necessários novos arranjos para garantia de cuidado, sobretudo de idosos dependentes. Se por um lado o envelhecimento com dependência decorrente de doenças crônicas ou degenerativas assumiu proporções amplas, as Políticas Públicas não acompanharam este movimento. Embora o Estatuto do Idoso preconize que o cuidado a pessoas dependentes é de ?responsabilidade da família, da comunidade, da sociedade e do poder público?, não há, por exemplo, uma rede de serviços públicos voltada para o suporte domiciliar.
Mobilizadores COEP – A legislação atual sobre o idoso contempla a ocupação de cuidador?
R.: A Lei 8842/94 implanta a Política Nacional do Idoso e prevê a utilização do cuidador nos programas sociais e de saúde, porém o cuidador ainda não é reconhecido como profissão. O que temos é o reconhecimento desta atividade pelo Ministério do Trabalho através do código 5162-10 da Classificação Brasileira de ocupações, o que possibilita que famílias, empresas e outras entidades, contratem formalmente os cuidadores. Acreditamos que este é um passo importante para que a regulamentação desta atividade como profissão ocorra.
Mobilizadores COEP – Que públicos os cuidadores atendem prioritariamente?
R.: Todos nós precisamos de cuidado. Em especial os idosos. Aqueles que residem com familiares que não estão preparados ou não têm disponibilidade de tempo para garantir o cuidado; os que residem em casas de repouso e necessitam de um acompanhamento permanente; e também os que residem sozinhos e precisam de companhia ou necessitam de auxílio em suas atividades diárias. Todos que passam por situações de fragilidade, sejam elas temporárias ou permanentes, demandam cuidados. Por exemplo pessoas que de alguma forma tenham sua autonomia limitada ou que apresentem necessidade de suporte contínuo como acidentados, recém-operados, pessoas com determinados tipos de deficiência.
Mobilizadores COEP – Que tipo de atenção um cuidador deve dispensar na relação com o idoso e outros públicos atendidos para preservar ou aumentar sua autonomia?
R.: O cuidador atua como um elo entre o cuidado, a família e os profissionais de saúde, contribuindo para o estímulo à autonomia e auto-estima do cuidado. Além disso, exerce um papel importantíssimo na redução e prevenção de agravos à saúde, devido ao papel elementar de suas ações, observações e informações. Idosos acompanhados por cuidadores no período pós-hospitalar, por exemplo, apresentam menos chance de reincidência de internações. Esse é um dado muito importante e um dos fatores que leva as famílias a buscar o suporte de um cuidador.
Mobilizadores COEP – Em que outras situações as famílias em geral recorrem a cuidadores? Onde estas famílias podem obter referências sobre cuidadores e contratá-los?
R.: Um outro fator que leva as famílias a buscarem um cuidador é a sobrecarga e o estresse dos cuidadores familiares, que, muitas vezes, exercem o cuidado em tempo integral associado a outras atividades profissionais e pessoais. Às vezes, estas pessoas não estão preparadas para lidar com as exigências que o ato de cuidar requer, como envolvimento, disponibilidade para perceber, compreender o outro. Isso, na sociedade em que vivemos, muitas vezes torna-se complicado, pois este familiar precisa cumprir vários papéis simultaneamente (é o que alguns chamam de indivíduo polivalente). Muitas vezes esse familiar, em decorrência da sobrecarga, também acaba precisando de cuidado.
Como na maior parte dos casos o cuidador é chamado a atuar nos domicílios; é bom que os familiares busquem este serviço tendo em mente critérios como a capacitação do cuidador, sua experiência na área do cuidado e a referência dos mesmos.
Mobilizadores COEP – Quais as atribuições de um cuidador?
R.: Durante muito tempo a tarefa de cuidado esteve associada à esfera privada, ligada à mulher e ao âmbito familiar. Ainda hoje a esfera pública não tem o reconhecimento do campo do cuidar, confundem-se as atribuições do cuidador, que é auxiliar nas atividades diárias do cuidado, como higiene, locomoção, alimentação; estimular a autonomia e cognição; observar as alterações físicas e emocionais. É importante que o cuidador também tenha conhecimento sobre cidadania, aspectos psicológicos do envelhecimento, geriatria, gerontologia, ética, estatuto do idoso, entre outros assuntos.
Na verdade, ainda há um desconhecimento sobre as atribuições do cuidador. Muitos o confundem com o empregado doméstico ou com o profissional de enfermagem. É importante deixar claro que o cuidador é responsável pelas atividades relacionadas às necessidades daquele que está sendo cuidado, como limpeza do ambiente em que o cuidado se encontra, suas roupas, o preparo de refeições. Estas atividades devem ser desempenhadas sempre levando em consideração o grau de autonomia da pessoa cuidada.
O cuidador também não exerce atribuições específicas do técnico de enfermagem, como aplicar injeções, aferir pressão arterial, fazer curativos invasivos. Todas essas informações estão na cartilha ?Cuidado Social, um caminho a seguir, utilizada como uma das referências para a Guia Prático do Cuidador do Ministério da Saúde e disponibilizada pelo Comitê Furnas de Ação da Cidadania.
Mobilizadores COEP – Quem pode ser um cuidador social?
R.: A ocupação exige alguns pré-requisitos: idade mínima de 18 anos; primeiro grau completo; gozar de condições físicas e psíquicas saudáveis, possuir qualidades éticas e morais, além de identificar-se com as atividades desenvolvidas. Em nosso projeto, percebendo a necessidade de um acompanhamento mais próximo dos cuidadores, realizamos um treinamento intitulado ?Cuidando de quem Cuida?. O objetivo é reciclar os conhecimentos dos cuidadores, aprimorar seu exercício profissional e, principalmente, ser um espaço de escuta, troca de experiências.
Mobilizadores COEP – Onde se preparar para ser um cuidador?
R.: Há vários cursos no mercado voltados à capacitação de cuidadores. O Curso do Comitê Furnas da Ação da Cidadania tem como diferencial o fato de estabelecer e até mesmo tecer a partir da história de cuidado trazida pelo candidato, novas possibilidades e perspectivas quanto à tarefa de cuidar como as dimensões contidas no Estatuto do idoso, dos princípios éticos, dos próprios instrumentais repassados pelas diversas disciplinas e que contribuem para a qualidade do desempenho das atividades cotidianas. O conhecimento coloca a atividade do cuidado sobre uma nova ótica.
Além disso, temos como fundamentação teórica o conceito de cuidado de Leonardo Boff, para quem o cuidado é visto como a verdadeira essência do ser humano e utilizamos também Simone de Bevoir, cuja análise sobre o processo de envelhecimento na sociedade é fundamental para os cuidadores. Segundo esta autora, a velhice só pode ser compreendida em sua totalidade, pois além de um fenômeno biológico, é também um fato cultural, e este é um dado complexo.
Mobilizadores COEP ? O que é qual a proposta do Projeto Cuidador Social?
R.: Em 1994, o projeto foi apresentado ao Comitê Furnas da Ação da Cidadania com o objetivo principal de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos idosos, e com o objetivo específico de sensibilizar os alunos, que, em sua maioria, era formada por empregados da Empresa Furnas Centrais Elétricas. A idéia era instrumentalizar as famílias, dando-lhes condições para cuidar e trabalhar o cotidiano do cuidado. Na ocasião, o curso contava com a intervenção do Serviço Social e de uma profissional de Enfermagem, totalizando uma carga horária de 25 horas.
Posteriormente, com o contato estabelecido com domésticos que ofereciam cuidado a idosos nas famílias em que trabalhavam e por meio de divulgação informal, chegaram mulheres provenientes da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro e de vários bairros da Zona Oeste na perspectiva de aumentar sua renda familiar, vendo no cuidar uma forma de ganho ou complementação de renda.
Atualmente, o ?Curso Cuidador Social? é gerido pelo Comitê Furnas da Ação da Cidadania, possui uma carga horária de 100 horas e conta com uma equipe multidisciplinar altamente capacitada e comprometida com a questão do cuidado.
A inscrição é gratuita, e os candidatos interessados são avaliados numa entrevista por assistente social, quando há o levantamento da sua história de cuidado, a bagagem que trazem e se o perfil destes candidatos se enquadra na proposta do projeto.
O Programa Cuidador Social e a qualidade dos cuidadores por ele preparados vêm sendo reconhecida pela comunidade atendida e por entidades públicas e privadas, expressas em premiações recebidas como o Prêmio Mobilização, oferecido em 1999 pelo COEP, pelo Prêmio Fundação COGE (Comitê de Gestão Empresarial), em 2001, pela Revista Exame ? Guia da Cidadania Corporativa em 2006 e o II Prêmio Visibilidade de Políticas Públicas do CRESS-RJ/2008 (Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro).
Os prêmios são importantes, mas o primordial é saber que cuidadores formados no curso estão atuando há anos no mercado, e muitos tiveram suas vidas transformadas de forma significativa após formados. Algumas dessas pessoas ingressaram na universidade, outras estão atuando no exterior. Essa mudança na história de vida dessas pessoas é nossa maior motivação.
Mobilizadores COEP ? Como contatar cuidadores formados pelo curso?
R.: Dos dois mil cuidadores formados, cerca de 60% constam em nosso cadastro, pois os alunos que apresentam rendimento satisfatório e perfil para o cuidado são direcionados para atendimento às solicitações. Este cadastro é privativo da equipe do Serviço Social. Tanto os dados dos cuidadores, quanto dos familiares, são sigilosos, e o encaminhamento é realizado de acordo com o perfil solicitado pela família, respeitando sempre as necessidades de cuidado apresentadas e a experiência dos cuidadores. A partir do encaminhamento, a família agenda uma entrevista com o cuidador, cabendo a ela a escolha final.
Temos imensa preocupação com casos de violência e negligência, e, por isso, acompanhamos os cuidadores nos domicílios, mantendo um canal aberto com eles e com os contratantes. No momento em que os cuidadores são cadastrados, checamos todas as referências, as famílias precisam dessa garantia.
Todos os cuidadores cadastrados passam por supervisão presencial quando são encaminhados para as residências. Desta forma, mantemos um canal aberto com as famílias e com os cuidadores, visando sempre à garantia de direitos e a qualidade de vida da pessoa cuidada.
Mobilizadores COEP ? De que forma o curso atende às novas demandas dos cuidadores e das famílias dos cuidados?
R.: Estamos o tempo todo antenados. Através da escuta desta demanda surgiu a proposta, em 2008, do curso ?Cuidador Social II?, voltado para a questão do mal de Alzheimer, que atinge mormente pessoas a partir dos 65 anos, afetando, em especial, sua memória e locomoção, e comprometendo sua autonomia. No Brasil, há cerca de 1,2 milhão de pessoas com esse mal. Ele é a terceira maior causa de mortes em idosos no país.
O objetivo do curso foi instrumentalizar familiares e cuidadores de pessoas acometidas por Alzheimer. A primeira turma do Curso Cuidador Social II (Alzheimer) ocorreu em 2008. Na ocasião, constatamos que o interesse das pessoas pelo assunto é grande, isso se refletiu na procura que, para nossa surpresa, incorporou além de familiares e cuidadores, alguns pacientes que participaram ativamente das aulas.
Na primeira turma abordamos assuntos como o que é a doença, principais sintomas, como cuidar do portador de Alzheimer sem limitar sua autonomia, a importância da família e do cuidador enquanto sinalizadores de avanços e de alterações comportamentais na equipe de saúde, entre outros. Este curso foi especificamente elaborado; foi um curso diferenciado do Cuidador Social I, possuindo uma outra estrutura na qual os professores eram especializados na atenção ao portador de Alzheimer. Infelizmente não foi possível absorver a grande procura e desta forma um segundo curso está em planejamento para o segundo semestre de 2009.