O jornalista Gustavo Barreto avalia o crescimento da mídia livre no Brasil e aborda a importância do recém-lançado Manifesto de Mídia Livre, elaborado após rico debate realizado nacionalmente, em encontros regionais, e durante o I Fórum de Mídia Livre , em junho de 2008, no Rio de Janeiro.
Mobilizadores COEP – Qual o conceito de mídia livre? O que existe hoje, no país, em termos de mídia livre?
R.: A mídia livre é um conceito em construção. Dito isso, temos algumas pistas, a partir da experiência e da reflexão sobre o que representa hoje as décadas nos movimentos sociais, na universidade e em outros lugares. Em primeiro lugar, o termo livre diz respeito à pluralidade de opiniões e à democratização da comunicação. Comunicação, aqui, neste contexto de representação simbólica, mas também no seu significado referencial, que é ?agir em comum?. Estamos realizando um esforço para entender o que é a mídia livre, mas esta busca tem tido um retorno enorme. Alguns estudos e os nossos encontros sugerem que o conceito de mídia livre está, na prática, consolidado. O que não existia era uma mobilização em torno do tema e um mercado específico para a mídia livre.Quando falo em mercado, aqui, não estou sugerindo que devemos nos adaptar às regras do que se conhece hoje como ?mercado?: a busca desenfreada pelo lucro rápido, a adesão à sanha consumista dos nossos tempos, o êxito financeiro como pressuposto para uma vida feliz, etc. Falamos, sim, sobre a sustentabilidade das pessoas que produzem e estão comprometidas com a mídia livre ? no nosso dizer, os midialivristas -, incluindo a sustentabilidade financeira, mas também cultural, política e social. Estamos buscando, a partir deste quadro, reunir pessoas que participam de iniciativas na área de comunicação e cultura com este viés cidadão, humano, de democratização dos conhecimentos, da cultura popular, de busca pelo que o professor da UFF [Universidade Federal Fluminense] Dênis de Moraes chamou de ?bem supremo do pluralismo?. Para isso, temos que pensar estas atividades de forma coordenada, coletiva, para que os grupos não continuem com dificuldades de se manterem.
Mobilizadores COEP ? Em que consiste a democratização da comunicação?
R.: Como disse Muniz Sodré, professor de comunicação na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], a ?democratização (ou qualquer ponto-de-fuga para o status quo monopolista) não é nada que se obtenha pela multiplicidade técnica de canais, nem por uma legislação liberal aplicada às telecomunicações, nem mesmo pela concentração de espaços promovida pelas redes cibernéticas, que faz os grandes equivalerem virtualmente aos pequenos?. É a qualidade destas redes, sua capilaridade cultural e sua força política para fazer valer esta pluralidade. Este é o esforço de um grupo bastante significativo de comunicadores em geral e de alguns artistas, em torno do Fórum de Mídia Livre. Temos uma pesquisa permanente em nossa página oficial (http://forumdemidialivre.blogspot.com) e encontros freqüentes nos estados mais participativos. Este movimento é relativamente novo ? a primeira reunião aconteceu em março de 2008. Mas já possui uma força muito grande, pelo fato de que não é uma novidade esta luta pela democratização da comunicação e, efetivamente, pela democratização do conhecimento por meio do aparato midiático brasileiro. Estamos apenas organizando uma demanda popular, que não nasceu ontem. Mais esquematicamente, os midialivristas são jornalistas, professores, alguns músicos, sindicalistas, radialistas, advogados, sociólogos, historiadores ? um conjunto de pessoas que estão ligadas, de alguma forma, à questão da comunicação. A lista completa de aderentes ao nosso Manifesto da Mídia Livre, lançado em outubro, está no nosso site.
Mobilizadores COEP – Quando surgiu a idéia de realizar um fórum sobre mídia livre e com que proposta?
R.: A idéia é antiga, mas a proposta concreta surgiu a partir de uma reunião em São Paulo, de caráter nacional, em março de 2008. A partir daquela reunião, saiu a idéia de realizar um encontro, que já foi nomeado, à época, Fórum de Mídia Livre. Estavam reunidos 42 jornalistas, professores e pessoas atuantes na área das comunicações, de diferentes regiões do Brasil, que expuseram suas idéias e contaram seus casos, de vitórias e derrotas. O fórum foi realizado em junho de 2008, no Rio de Janeiro.
Mobilizadores COEP – Quais foram os 5 eixos temáticos das mesas de discussão do fórum?
R.: O primeiro foi sobre a ?Democratização da Publicidade Pública e dos Espaços na Mídia Pública?. Aqui se tratou da ?verba livre?, a questão das verbas públicas de publicidade e propaganda e a garantia pelo poder público de espaços para os veículos da mídia livre nas TVs e nas rádios públicas, assegurando assim maior diversidade informativa e amplo direito à comunicação e outras propostas concretas e pragmáticas. O segundo tratou especificamente das Políticas Públicas de Fortalecimento da Mídia Livre, que não estão necessariamente ligadas à questão da verba. São temas como Regulamentações, Lei Geral da Comunicação, Direito à Comunicação, TV Pública, Telefonia e Internet Pública, Convergência das Mídias, Pontões de Cultura Digital, etc. O tema da terceira mesa foram os ?Fazedores de Mídia?, onde foi proposto o mapeamento e a discussão da rede de produtores de mídia livre, coletivos, sites, jornais, canais, empresas, agências, movimentos sociais que fazem mídia, propostas que tenham o “público” e o “comum” como referência, sempre pensando na constituição de um Portal de Mídia Livre. O tema quatro foi ligado à questão educacional, da ?Formação para Mídia Livre?. Foi pensado como as universidades, experiências de educação não-formal, escolas livres, empresas, ONGs, coletivos, etc., podem contribuir para a construção de uma ?mente livre? para formar ?midiativistas?, jornalistas, radialistas, editores, publicitários, assessores, artistas, etc., que sejam criadores de atitudes agregadoras, conteúdos e pautas de fato novas, apontando e construindo, assim, novos e potentes cenários de expressão, trabalho e mudança. O quinto, que eu coordenei, foi sobre as mídias colaborativas e as novas mídias. O tema é parecido, na nossa visão, com o tema da terceira mesa, dos fazedores de mídia, e algumas pessoas acharam difícil dissociá-los. Nesta quinta mesa foi feita uma apresentação e uma discussão dos movimentos, projetos, ferramentas e tecnologias de criação livre (Software Livre, Creative Commons, Wiki, P2P, sites e portais colaborativos, etc.)* e políticas de acessos e capacitação para o uso dessas ferramentas, implantação de ferramentas livres e não-proprietárias nos serviços públicos e mídias livres. Foram apresentados casos bem-sucedidos de ferramentas colaborativas, por exemplo, e sugestões de outras parcerias.
Mobilizadores COEP – O fórum usou o sistema de ?desconferências?. O que significa o termo? Por que foi utilizado?
R.: O conceito é simples: as desconferências desconstroem as grandes conferências, em que alguém supostamente iluminado dará respostas aos problemas sociais e políticos que temos. É comum, nos dias de hoje, o apequenamento da política, dando lugar a uma administração supostamente ?técnica?, comumente relacionada aos ?critérios de mercado?. Com as desconferências, reafirmamos que temas estratégicos para o futuro do país devem se estruturar a partir de uma ação coletiva, plural, com o mínimo de hierarquia possível e de forma efetivamente democrática.
Mobilizadores COEP – No eixo ?Fazedores de Mídia?, discutiu-se a possibilidade de formação de um Portal de Mídia Livre. Qual a importância de se criar um espaço como este? Como ele deverá funcionar?
R.: Conforme destaquei na fala de Muniz Sodré, a multiplicidade de meios de comunicação não garante a diversidade informativa ou a pluralidade de opiniões. Os indivíduos em rede não se configuram da mesma forma que os indivíduos isolados. Quando um grande grupo de comunicação, monopolista por natureza e de caráter fortemente concentrador, divulga uma mensagem falsa ou incompleta, conta com o isolamento dos cidadãos que, nesta condição, pouco podem fazer a não ser discordar veementemente. É a conhecida figura do cara que fica sentado ao sofá, assistindo televisão e reclamando do conteúdo nela exibido, sem qualquer repercussão a não ser na própria família, que provavelmente já conhece suas opiniões. Por outro lado, quando este mesmo grupo de cidadãos está em rede, esta discordância vira uma reivindicação concreta: será agora um grupo de muitos, e não ?cada um na sua?, que reivindicará um posicionamento mais honesto para determinada veiculação. Esta dinâmica de sociabilidade permite criar um novo hábito cidadão, humano, que precisa, no entanto, de um respaldo desta rede. O Portal de Mídia Livre é, a meu ver, uma ferramenta para esta mudança de paradigma. É preciso pensar que estamos em rede por meio de nossas próprias pernas e que, se desejamos maior democracia nos meios de comunicação, queremos com ainda mais ênfase uma revisão do próprio modelo de sociabilidade humana, pois o atual, de ?massa?, nos parece ultrapassado. Este portal, de concepção bastante complexa, ainda está sendo pensado e deve avançar na próxima reunião nacional, durante evento que faremos antes do Fórum Social Mundial. Estamos avançando neste momento na conceituação do portal e pesquisa sobre ferramentas já utilizadas.
Mobilizadores COEP – Quais os principais resultados deste 1º Fórum de Mídia Livre? Que avanços surgiram a partir dele? O que precisa ser feito? Já há previsão de realização da segunda edição?
R.: Objetivamente, temos uma pesquisa em andamento, um manifesto construído a partir do primeiro encontro e uma agenda de ação, que pode ser visualizada na nossa página. O principal avanço, a meu ver, é o próprio encontro. A sociabilidade gerada a partir do primeiro encontro é algo difícil de descrever. Pessoas em todo o país agora se sentem parte de uma ação coletiva. Estão mais mobilizadas e mais motivadas, pois sabem que não estão sozinhas. O que precisamos fazer, agora, é manter esse espírito coletivo e continuar apoiando as ações de convergência, regional e nacionalmente, para que as trocas ? humanas, sociais, culturais ? não cessem. Temos três definições realizadas durante o primeiro evento: realizar encontros de mídia livre em todos os estados brasileiros no segundo semestre de 2009; realizar um Fórum de Mídia Livre de alcance Latino-Americano ou mundial em Belém, às vésperas do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2009; realizar no segundo semestre de 2009 o II FML Brasil, com indicativo de Vitória (ES) como sede. Estamos avançando nestas três frentes, com boas perspectivas.
Mobilizadores COEP ? Como é o setor de comunicação brasileiro?
R.: O setor de comunicação brasileiro é, sem medo de errar, um dos mais atrasados entre todos os segmentos do país. Talvez até mais atrasado do que a estrutura agrária, porque pelo menos, na questão da terra, há um movimento forte, socialmente representativo e historicamente arraigado de luta por justiça social. No caso da Comunicação, o movimento começa a ganhar força, mas ainda com um longo percurso pela frente. Conforme o professor Venício Lima (da UnB) pontuou, apesar de juristas defenderem que o princípio fundamental do direito à comunicação já se encontra consagrado no artigo 220 da Constituição ? isto é, “a proibição de restrições, resguardadas as previsões constitucionais, à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, transmitidos sob qualquer forma, processo ou veículo” ?, este direito ainda permanece uma utopia entre nós. Há um verdadeiro ?latifúndio? estabelecido no setor, sem que qualquer regra ou fundamento legal avance, por pressão destes grandes grupos que hoje dominam o imaginário da população brasileira. Conforme destacou um documento do Intervozes, coletivo de comunicação que integra o Fórum de Mídia Livre, é preciso pensar ‘políticas de comunicação’ com incidência muito mais ampla do que apenas sobre os meios de comunicação. Em primeiro lugar, argumentam, porque a comunicação é um instrumento da própria gestão pública, essencial para a consecução dos objetivos das diversas políticas sociais. Em segundo, porque a informação é um instrumento fundamental para qualificar a participação do cidadão no processo democrático; o acesso pleno à informação é condição de exercício da cidadania. Portanto, a luta pela democratização da verba pública ? ou ?verba livre? e igualmente do ?verbo livre?, como sintetizou o professor Evandro Ouriques, da UFRJ – e da transparência neste tipo de gasto não é apenas importante. É mais: trata-se de um dever de todo cidadão preocupado com o futuro da sociedade brasileira, que constrói sua integração em grande parte pelos meios de comunicação.
Mobilizadores COEP – O que é a chamada ?mídia contra-hegemônica?? Qual sua importância para as populações e comunidades que ficam alijadas dos meios de comunicação de massa?
R.: O conceito de contra-hegemonia, pensado pelo italiano Antonio Gramsci na primeira metade do século XX, é complexo e merece uma reflexão mais ampla do que poderíamos pensar em qualquer momento breve. Mas vale a pena iniciar um diálogo sobre isso, sem dúvida. A mídia que identifico como contra-hegemônica não se limita à ?fôrma? tecnológica que está revolucionando as comunicações neste início de século, por exemplo. Diz respeito também ao que Antônio Gramsci chamou no seu Caderno 24 (segunda edição dos Cadernos do Cárcere) de ?jornalismo integral?, o qual o autor define como ?o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, conseqüentemente, em certo sentido, gerar seu público e ampliar progressivamente sua área?. Então há, neste termo, um sentido fortemente político, de disputa pelo que chamava de ?opinião média?, introduzindo ?novos lugares-comuns?. Objetivamente, entendo isso como uma mudança de paradigma, promovido pelo campo da comunicação, na sociedade contemporânea. Esta sociedade está com valores financeiros brutalmente enraizados, fruto de anos de doutrinação cultural. Estes valores financeiros ficam evidentes quando notamos nosso próprio vocabulário, ao dizermos, por exemplo, que devemos ?investir numa relação amorosa?, o que gera uma idéia de que deve ocorrer, a partir deste ?investimento?, algum tipo de ?lucro?. Outra situação pertinente que podemos observar é o número de anúncios publicitários que relacionam a felicidade ao ganho rápido de dinheiro, seguido da multiplicação de prêmios, ações promocionais dos programas de variedades, brindes de toda sorte e por aí vai.
Mobilizadores COEP ? O conceito de contra-hegemonia é suficiente para a criação de novos paradigmas?
R.: Não. Apesar de o conceito ser importante, ele não é suficiente. Isto porque entre os grandes grupos de comunicação e os pequenos grupos de comunicação -que poderiam tecnicamente tomar o lugar deles ou se juntar dentro do espectro midiático brasileiro, aumentando a diversidade da informação – há outros grupos que, se bem entendo, não são nem hegemônicos nem contra-hegemônicos. Estes grupos propõem uma nova forma de agir em comum, ou seja, de comunicar, que não passa pelas grandes estruturas estatais ou privadas. Não podem, sequer, ser regulamentados e estão, em sua gênese, descentralizados por natureza. Politicamente, estes grupos podem se unir ? esta é a nossa proposta ?, porém nunca poderão ser cooptados por qualquer estrutura física, pelo imenso grau de capilaridade social que possuem.
Mobilizadores COEP – No que consiste a proposta de democratização das verbas de publicidade? O que isso significa na prática?
R.: Significa criar regras republicanas para a distribuição da verba que está na rubrica da publicidade oficial. A primeira e única proposta é esta. O sistema político brasileiro é, em muitos casos, republicano apenas no discurso. São distribuídos aproximadamente 1,3 milhão de reais todo ano pelo Governo Federal, por exemplo, para a publicidade oficial de seus ministérios, autarquias e empresas estatais. Quais são as regras? Segundo o próprio Governo, regras ?de mercado?. A fatia de dinheiro público, fruto do imposto pago por todos nós, volta segundo critérios que eles denominam ?de mercado?. Esta é a tese do Governo, basta perguntar à Secretaria de Comunicação responsável pelo repasse. Segundo este próprio ?mercado?, uma das emissoras obtém 57% do total da verba para o segmento da televisão aberta, mesmo possuindo apenas 40% da audiência nacional. Significa, objetivamente, que nem sequer os critérios conservadores do mercado estão sendo cumpridos. Melhor do que ?democratização?, portanto, seria o termo ?republicanização? das verbas de publicidade oficial. Queremos critérios com base nos critérios cidadãos, com respeito à Constituição Federal, que rege nossa legalidade e, principalmente, a legalidade do próprio Governo Federal, e não com base nos critérios do chamado mercado.
Mobilizadores COEP – Que experiências realizadas em universidades podem ser citadas para a formação de novos profissionais e cenários de mídia livre?
R.: Há ainda poucas ações coordenadas em universidades que tenham como objetivo formar novos profissionais e novos cenários para a mídia livre. No Rio de Janeiro, por exemplo, o professor Evandro Vieira Ouriques, da Escola de Comunicação da UFRJ e membro do Fórum de Mídia Livre no Rio, realiza há mais de um ano uma disciplina dentro da habilitação ‘Jornalismo’, que pensa o Jornalismo de Políticas Públicas Sociais. A experiência, que conta com a reflexão de diversos professores, comunicadores e profissionais de outras áreas, também foi realizada na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade de São Paulo (USP). Este momento de integração entre os saberes acadêmico e popular são poucos, porém possuem uma grande força de transformação, pois permite que o aluno tome conhecimento de uma outra realidade que se coloca dentro de sua profissão. A comunicação é percebida como elemento de transformação social, e não mais ? como desejam muitas empresas e alguns setores do Governo ? como suporte para aumentar as vendas ou difundir indiscriminadamente determinada informação. É importante lembrar, além disso, que o I Fórum de Mídia Livre contou com o apoio estratégico de muitos professores universitários e da própria Escola de Comunicação da UFRJ, que deu todo o suporte para que a primeira edição do evento acontecesse. E se não tivesse sido na UFRJ, teria ocorrido na PUC do Rio de Janeiro, o que demonstra a força das universidades com parceiras neste processo de transformação. Por isso, as coordenações de Extensão das faculdades e universidades devem e podem se aproximar do Fórum de Mídia Livre, pois as parcerias neste sentido têm se mostrado muito importantes.
Mobilizadores COEP – Fale um pouco sobre as ferramentas de criação livre e sobre as políticas de acesso que podem ser implementadas para a capacitação do uso dessas ferramentas nos serviços públicos e mídias livres.
R.: Um dos eixos do nosso manifesto é a proposta de implementação de ?pontos de mídia?, como política pública, integrados e articulados aos pontos de cultura, veículos comunitários, escolas e ao desenvolvimento local, viabilizando, por meio de infra-estrutura tecnológica e pública, a produção, distribuição e difusão de mídia livre. Esta proposta me parece central, pois busca intrinsecamente uma participação cidadã maior na vida política e social do país. Esta rede, ponto a ponto – tal como o modelo P2P largamente utilizado hoje na Internet ? permitirá que avancem idéias como a realização de consultas públicas com maior eficiência, por exemplo, se tornando um instrumento de participação direta da população e, portanto, de radicalização da democracia participativa. Eu penso, também, que será importante para o desenvolvimento local, à medida que organiza atores sociais locais em torno de ferramentas colaborativas de comunicação.Outra proposta do manifesto é o estímulo à criação e ao fortalecimento de modelos de gestão colaborativa das iniciativas e mídias, com organização não-monetária do trabalho, por meio de sistemas de trocas de serviço. Temos exemplos, entre os integrantes do Fórum de Mídia Livre, deste tipo de troca, vinculada diretamente, portanto, ao conceito de economia solidária e gerando renda e emprego. Criam-se alternativas, por exemplo, ao modelo concentrador de distribuição de músicas e vídeos.
Mobilizadores COEP – Comente sua experiência em trabalhar com mídias livres.
R.: Eu trabalho na Revista Consciência.Net, fundada por mim e por Renato Kress, em 2000. Ainda éramos do Ensino Médio na época da fundação. Desde então, nos unimos a diversos outros meios independentes, bem como muitas pessoas entraram para a revista. Em oito anos de existência, tivemos tantos êxitos ? pessoais ou não ? que seria demorado e desgastante descrevê-los. Porém, mais demorado ainda seria descrever nossas derrotas. Em oito anos de existência, nunca conseguimos pagar nossas contas. Raramente temos patrocínios e o que já tivemos não dava conta dos custos. Portanto, as dificuldades são muitas.
Existem, no entanto, muitas possibilidades que vislumbramos. Poderia citar: criação de uma rede social extensa e de grande capilaridade, colaboração intensa com o cenário nacional nas comunicações por meio de ações políticas e sociais, ampliação da visibilidade da agenda social brasileira na atuação de outros meios de comunicação influentes.
Uma possibilidade que não temos em mente, no entanto, é desistir. Ceder, como disse no início, à sanha consumista dos tempos atuais ou aos valores de mercado indissociáveis da lógica do lucro não parece ser uma opção razoável, mesmo que para isso tenhamos que passar eternamente por dificuldades diversas.
Ao longo do tempo, no entanto, descobrimos que as possibilidades de um meio de comunicação que vincule efetivamente suas atividades à construção da cidadania são enormes e transcendem o papel de um meio tradicional. O campo de ação é muito maior, porque indissociável do respeito aos direitos humanos ? o que envolve um esforço transdisciplinar, e não apenas do campo da comunicação. Políticas da juventude, das mulheres, da população negra, das diversas minorias, todos estes temas passam a fazer parte de uma nova prática cidadã, por meio das ferramentas que de que a comunicação dispõe. E, sem dúvida, para os comunicadores que se envolvem nestas ações, o crescimento humano é indiscutível.
* Glossário
Software Livre ? é qualquer programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído sem nenhuma restrição. A maneira usual de distribuição de software livre é anexar a ele uma licença de software livre, e tornar o código fonte do programa disponível.
Creative Commons – é um projeto global, presente em mais de 40 países, que cria um novo modelo de gestão dos direitos autorais. No Brasil, ele é coordenado pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro. Permite que autores e criadores de conteúdo, como músicos, cineastas, escritores, fotógrafos, blogueiros, jornalistas e outros, possam permitir alguns usos dos seus trabalhos por parte da sociedade. Um criador intelectual que deseje que sua obra circule livremente pela Internet, pode optar por licenciar seu trabalho escolhendo alguma das licenças do Creative Commons. Com isso, qualquer pessoa, em qualquer país, vai saber claramente que possui o direito de utilizar a obra, de acordo com a licença escolhida.
Wiki – São softwares colaborativos que permitem a edição coletiva dos documentos usando um sistema que não necessita que o conteúdo tenha de ser revisto antes da sua publicação, possibilitando que qualquer pessoa participe da criação do conteúdo. O wiki abre espaço para a edição e publicação coletiva de textos, fotos e vídeos. O site mais famoso a utilizar uma plataforma wiki é a enciclopédia gratuita Wikipedia (http://pt.wikipedia.org).
P2P – peer-to-peer (em português ponto-a-ponto) é o nome dado aos diversos serviços de compartilhamento de arquivos pela internet. Em vez de serem armazenados em um computador central, os arquivos distribuídos ficam disponíveis diretamente do PC de quem utiliza o serviço. As tecnologias P2P reduzem o custo e facilitam a distribuição de conteúdo, já que quem faz o download dos arquivos normalmente é incentivado – ou mesmo obrigado – a ajudar outros internautas a baixá-los. As tecnologias mais populares de P2P são o Bittorrent e o eMule. Trata-se de uma rede linear, não-hierárquica, caracterizada pela descentralização de suas funções, onde cada terminal realiza tanto funções de servidor quanto de cliente.
Entrevista concedida a: Renata Olivieri
Edição: Eliane Araújo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.