A nutricionista Elizabeth Accioly, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta a importância do leite materno até os seis meses de vida da criança e de se introduzirem alimentos complementares ao leite, como papa de frutas e papas de legumes com feijão e carne, a partir desta idade. De acordo com a nutricionista, tais alimentos devem respeitar a identidade cultural e alimentar de cada região do país, como forma de assegurar a segurança alimentar das crianças.
Elizabeth considera que o país vive um momento de transição nutricional. Por um lado, a desnutrição, que décadas atrás era a maior preocupação na área da saúde, apresenta-se em declínio. Por outro, a obesidade, considerada um mal das sociedades desenvolvidas, apresenta índices crescentes e alarmantes na população brasileira, não poupando nem mesmo os mais jovens. Segundo Elizabeth, hábitos alimentares saudáveis, com o consumo de alimentos com baixo teor de gordura e açúcar e maior consumo regular de frutas e hortaliças, são um caminho para evitar a obesidade e as doenças a ela associadas, como hipertensão arterial (pressão alta) e diabetes. Neste sentido, os hábitos alimentares dos responsáveis têm papel decisivo na escolha das crianças.
Mobilizadores COEP – Que tipo de alimentos e em que quantidade uma criança, que não mame mais, deve consumir diariamente? E quanto à quantidade de água?
R.: O leite materno (LM) atende a praticamente todas as necessidades das crianças nos primeiros 6 meses de vida. A partir desta idade, outros alimentos devem ser oferecidos em complementação ao LM que, recomenda-se, seja mantido como refeição láctea até os 24 meses de vida. Os alimentos complementares devem ser bem cozidos (no caso do almoço e jantar), amassados com garfo (não utilizar peneiras ou liquidificador), no ponto de purê espesso, iniciando-se com quantidades menores (2 a 3 colheres de sopa) e aumentando-se, conforme aceitação da criança e seu crescimento.
A partir de 9 a 11 meses, até completar 2 anos, os alimentos devem ser levemente amassados ou cortados em pedacinhos bem suaves, para evitar engasgos. Os alimentos complementares devem respeitar a identidade cultural e alimentar das diversas regiões do país, ou seja, deve-se estimular o uso de alimentos regionais, produzidos no local. A adaptação aos novos alimentos varia de uma criança para outra. Algumas se adaptam facilmente, outras precisam de mais tempo, o que deve ser entendido pelos pais.
A partir da introdução dos alimentos complementares é importante oferecer água à criança, a mais limpa possível (tratada, filtrada ou fervida) nos intervalos das refeições. O mesmo cuidado deve-se ter com a água de preparo dos alimentos e com a higiene das mãos (lavadas com água e sabão), para evitar contaminação no preparo e na oferta dos alimentos.
Ao completar 6 meses, a mãe deve oferecer 3 refeições/dia com alimentos complementares. Recomenda-se 2 papas de frutas (frutas raspadas ou amassadas) e 1 papa salgada (equivalente ao almoço) que seria refeição preparada com legumes e verduras, cereal (arroz) ou tubérculo/raízes (batata, inhame, aipim), alimento de origem animal (carne, vísceras, miúdos, frango ou ovo) e feijão. Ao completar 7 meses, deve-se introduzir outra papa salgada (jantar), e ao completar 12 meses, recomenda-se que a criança tenha três principais refeições (café da manhã, almoço e jantar) e dois lanches (frutas ou cereais ou tubérculos).
Entre 7 e 8 meses, a criança pode, gradativamente, receber os alimentos preparados para a família e, ao final do primeiro ano de vida, já estar integrada à alimentação da casa. Apesar de muitas famílias preferirem preparar os alimentos do bebê à parte, estimula-se a utilização dos alimentos servidos ao restante da família, desde que preparados de forma saudável (sem temperos picantes, sem alimentos industrializados, com pouco sal e adaptados às limitações de mastigação da criança pequena (amassados, desfiados, triturados ou picados em suaves pedaços).
É importante ressaltar que as famílias devem preferir alimentos in natura no lugar dos industrializados, preparados com o mínimo de gordura, açúcar e sal, evitando-se uso de frituras e utilizando-se óleos vegetais para o preparo de alimentos (e não gordura sólida e hidrogenada, como margarinas e banha).
Mobilizadores COEP – Quais os principais distúrbios alimentares apresentados por crianças no Brasil?
R.: O Brasil vive, nos dias atuais, um cenário epidemiológico chamado de transição nutricional, no qual se observa uma inversão das tendências entre situações relacionadas ao padrão alimentar aparentemente opostas, mas que convivem no mesmo espaço geográfico. A desnutrição, resultante da carência alimentar, que décadas atrás era a maior preocupação nutricional na área da saúde, apresenta-se em declínio, e a obesidade, considerada um mal das sociedades desenvolvidas, apresenta índices crescentes e alarmantes em nossa população, não poupando nem mesmo os mais jovens.
Conforme dados da pesquisa de orçamento familiar (POF), realizada entre os anos 2008-2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada três crianças brasileiras de 5 a 9 anos tem excesso de peso. Entre os adolescentes, cerca de 20% estão com peso acima do padrão internacional estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, e o problema atinge todas as classes sociais e regiões do país. No outro extremo, a desnutrição vem demonstrando queda importante no cenário nacional, embora ainda seja preocupante em regiões e estratos sociais mais pobres.
Mobilizadores COEP ? Quais as principais consequências da obesidade infantil?
A mudança nos padrões e estilos de vida, como redução da atividade física regular e mudanças nos padrões de alimentação, respondem pela evolução do excesso de peso. A violência urbana fez, ao longo do tempo, com que as crianças deixassem de brincar nas ruas para dedicar suas horas de laser a assistir TV, a jogos eletrônicos e uso de computador, atividades que, por sua vez, estimulam o consumo entre refeições. A alimentação típica de cada região foi sendo substituída por alimentos refinados, com alto teor de açúcar e gorduras e, portanto, de alto valor energético e baixo valor nutricional, em detrimento de frutas, hortaliças, por exemplo. Excesso de peso e obesidade associam-se a doenças como diabetes, hipertensão arterial (pressão alta), doenças cardíacas, acidentes vasculares cerebrais (derrames), dislipidemias (aumento das gorduras no sangue), e câncer. Crianças e jovens obesos têm maiores chances de se tornarem adultos obesos, tendo sua saúde e qualidade de vida comprometidas.
Situações relacionadas à carência alimentar, como anemia por deficiência de ferro e deficiência de vitamina A, são exemplos de carências nutricionais não exclusivas de crianças desnutridas. Crianças com excesso de peso, por exemplo, podem apresentar anemia, já que se trata de deficiência relacionada, principalmente, ao baixo consumo e/ou ou baixo aproveitamento de alimentos fontes de ferro (origem animal: carnes, miúdos; origem vegetal: feijão, vegetais de folha verde-escura). A anemia por carência de ferro atinge cerca de 30% das gestantes e metade das crianças em idade pré-escolar, segundo o Ministério da Saúde, e a deficiência de vitamina A alcança níveis elevados (podendo chegar a cerca de 30%) em regiões consideradas de alto risco pelas características alimentares locais (região Nordeste e áreas do estado de Minas Gerais), mas atingindo, também, regiões do principal eixo econômico do país: o eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Ambas as deficiências estão relacionadas com o baixo consumo de fontes alimentares desses nutrientes, sobretudo em momentos de alta demanda, como infância, gestação e amamentação.
Uma alimentação saudável é promotora da saúde e protetora contra doenças como infecções, anemia, excesso de peso e complicações associadas. Promove crescimento e desenvolvimento adequados e contribui para o desempenho escolar, à medida que uma criança bem alimentada tem maiores chances de desenvolver seu potencial físico e intelectual e, portanto, de exercer sua plena cidadania.
Mobilizadores COEP – Quais os riscos ocasionados pela ingestão excessiva de sódio, muito presente nos produtos industrializados e nos refrigerantes?
R.: O consumo de alimentos industrializados, ricos em sódio (componente do sal de cozinha) ? como frios em geral, salsichas, linguiças, enlatados e produtos dietéticos adicionados de ciclamato de sódio, um tipo de adoçante artificial ? e o uso excessivo de sal de cozinha no preparo e à mesa, associa-se ao risco de hipertensão arterial. A ingestão de sódio pela população brasileira está acima dos níveis recomendados, e o hábito de consumo desses alimentos e de sal nos alimentos preparados em casa pode iniciar-se ainda na infância, expondo o indivíduo ao excesso de sódio na alimentação desde etapas precoces da vida. A hipertensão, mal antes supostamente restrito aos adultos, hoje atinge crianças e adolescentes ,e as campanhas de prevenção devem considerar essa preocupante realidade.
Mobilizadores COEP – Os corantes, aditivos químicos e outras substâncias que entram na composição dos produtos industrializados podem ser prejudiciais à saúde?
R.: Os aditivos químicos que incluem corantes, conservantes e outras substâncias químicas utilizadas para conservar, conferir ou intensificar cor, sabor, odor aos alimentos têm doses estabelecidas por leis específicas porém, há no mercado uma variedade de produtos e, ao longo de um dia, o consumo de produtos industrializados pode resultar em ingestão de algumas dessas substâncias em doses superiores às quantidades consideradas seguras para consumo pelos órgãos nacionais e internacionais de saúde de algumas dessas substâncias. Algumas alergias, hiperatividade infantil (comportamento agitado da criança) até câncer têm sido relacionados ao uso contínuo e excessivo de certos aditivos, em especial corantes artificiais. Produtos industrializados podem ser utilizados, com bom senso, mas uma alimentação equilibrada deve pautar-se na escolha de alimentos naturais e saudáveis.
Mobilizadores COEP – Qual a importância de os responsáveis lerem os rótulos da composição dos alimentos?
R.: Naturalmente, é importante que o consumidor examine as embalagens dos alimentos adquiridos, porém é necessário que se desenvolva a cultura de leitura das informações nos produtos alimentares que se pretende consumir. Há de se destacar, também, que além da falta de uma cultura de leitura de rótulos, as mensagens nutricionais não são, em geral, plenamente compreendidas pela população. Campanhas educativas governamentais enfatizando a importância da leitura das informações nutricionais nas embalagens para que o consumidor possa conhecer o valor nutricional, os ingredientes que fazem parte da composição, as recomendações dos fabricantes quanto ao preparo, forma de uso e consumo, data de fabricação e validade, deveriam ser implementadas. As indústrias, por sua vez, poderiam dedicar parte de suas campanhas publicitárias a prestar esclarecimentos sobre esses aspectos.
Mobilizadores COEP – Como a família pode detectar problemas decorrentes de uma alimentação inadequada por parte das crianças? Quais os indicativos de que a alimentação está atendendo às necessidades nutricionais de uma criança?
R.: Um dos principais indicativos é o crescimento da criança que expressa, pelo menos, se a quantidade de energia e proteínas da dieta está adequada, o que geralmente, está diretamente relacionado à quantidade de alimentos consumidos. É importante que a criança tenha acompanhamento de saúde regular, o que irá incluir o acompanhamento de sua curva de crescimento. Crianças com deficiência de crescimento ou ganho de peso abaixo do esperado, que se tornam apáticas ou não conseguem mais acompanhar o ritmo de crianças da mesma faixa etária, que têm dificuldades de aprendizagem, que adoecem com facilidade, precisam ser investigadas. Igualmente, crianças com ganho de peso além do recomendado, demonstram alteração de suas curvas de crescimento o que, via de regra, relaciona-se à alimentação inadequada e uma vez identificado o problema, exige intervenção com vistas à correção dos maus hábitos alimentares. Já as deficiências nutricionais de vitaminas e minerais podem interferir na proteção contra infecções, na aprendizagem, no bem-estar geral e desenvolvimento da criança. Ou seja, crianças com alimentação adequada, em comparação com as que não a têm, crescem conforme o padrão esperado para sua idade, são menos vulneráveis a doenças infecciosas, têm melhor desempenho escolar, são ativas e respondem aos estímulos do ambiente que as cercam.
Mobilizadores COEP – De que forma os hábitos alimentares dos adultos interferem nas escolhas das crianças?
R.: As crianças têm nos adultos uma referência de comportamento, inclusive, com relação à alimentação. Se a família tem hábitos alimentares saudáveis, maiores são as chances de que a alimentação da criança seja também saudável. Assim, ao conceber qualquer ação de educação alimentar para o grupo infantil, é essencial intervir nos padrões de alimentação da família e até da comunidade em que vive.
Mobilizadores COEP – Que tipo de artifícios podem ser usados pelos pais para ajudar a criança a escolher alimentos saudáveis e nutritivos na hora de se alimentar?
R.: Por princípio, não estimulamos recursos como mascarar alimentos (escondê-los propositalmente ao misturá-los com outros alimentos como se faz, por exemplo, com algumas hortaliças e feijão), distrair a criança para que coma (ex: simular vôo com a colher) ou táticas de negociação (ex: só comerá a sobremesa ou só assistirá à TV se consumir toda a comida no prato). A criança deve ser educada a entender o momento da alimentação como sendo parte da rotina diária, como é o sono, o banho, a hora de ir à escola, etc e que obedece a um ritual próprio. A alimentação é um processo de aprendizagem, no qual a criança atende às suas necessidades fisiológicas, mas também é fonte de prazer, descobertas e aprendizagem. Os sentidos (visão, olfato, gosto, tato) são estimulados pela alimentação. Um bebê que está iniciando sua experiência com alimentos semi-sólidos a sólidos deverá ser estimulado com alimentos coloridos, variados e até mesmo manuseá-los.
Deve-se reiteradamente condenar atitudes mais drásticas como obrigar a criança a comer ou adotar atitudes mais agressivas como gritar ou mesmo bater na criança. A hora da alimentação não é hora de diversão, mas deve ocorrer em ambiente tranquilo, acolhedor, para que seja uma vivência positiva.
Mobilizadores COEP – Em se tratando de comunidades de baixa renda, como oferecer alimentos saudáveis e nutritivos na quantidade adequada às crianças? Quais as opções possíveis?
R.: Não há receita milagrosa. É preciso que a família tenha disponibilidade de alimentos, seja através da aquisição no comércio com recursos próprios, seja a partir de produção familiar, seja através de doações. O que se pode propor é a orientação na seleção de alimentos mais saudáveis com os recursos de que dispõe a família, orientar o aproveitamento máximo dos alimentos (folhas de hortaliças como cenoura, beterraba, de couve flor) que podem enriquecer sopas, arroz, ensopadinhos, por exemplo), estimular a criação de hortas comunitárias ou hortas familiares.
Na atualidade, dispõe-se no mercado de alimentos não saudáveis, por vezes ricos em açúcar, sal e gordura, comercializados a baixo custo (biscoitos, guloseimas, sucos artificiais, etc), que em nada contribuem para o crescimento e desenvolvimento da criança e para a saúde da família como um todo, além de comprometerem parte do orçamento familiar. De qualquer forma, alimentos saudáveis, como frutas, hortaliças, por exemplo, têm relativo custo, devendo-se sempre escolher os produtos da época, (e da região) que são, em geral, mais baratos e estão no auge de seu valor nutritivo.
Mobilizadores COEP – O COEP atua em várias comunidades de baixa renda no Brasil. Que tipo de ações pode implementar para contribuir para a segurança alimentar das crianças destas comunidades?
R.: A segurança alimentar relaciona-se à garantia de acesso regular a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades nutricionais, respeitando-se à cultura lalimentar local e a sustentabilidade ambiental. Não se pode negar que a escolha alimentar é influenciada por múltiplos fatores, mas é preciso garantir a oportunidade de escolha aumentando-se o poder de compra da população. Ações e iniciativas de geração de renda e trabalho que permitam aumentar os recursos da família para compra de alimentos é uma das estratégias mais sustentáveis para aumentar a segurança alimentar de famílias de baixa renda. Portanto, programas e ações que garantam melhoria da renda familiar, associados a ações educativas para promoção de hábitos alimentares saudáveis, contribuem para aumentar a segurança alimentar das populações em risco alimentar-nutricional.
Entrevista do Grupo Combate à Fome e Segurança AlimentarConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo
Via de regra as casas brasileiras possuem área de terra, pouco aproveitada para cultivo de hortas. Somado a isso a influência do modo alimentar norte americano é cada cada vez mais copiado pelos brasileiros contribuindo para os disturbos alimentares da população.
Maria Newnum
Via de regra as casas brasileiras possuem área de terra, pouco aproveitada para cultivo de hortas. Somado a isso a influência do modo alimentar norte americano é cada cada vez mais copiado pelos brasileiros contribuindo para os disturbos alimentares da população.
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