O professor, consultor e coordenador do Programa REDES-UERJ de Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável, Paulo-Marcio de Mello, nos fala sobre o conceito de responsabilidade social empresarial (RSE), sustentabilidade e desenvolvimento sustentável e a respeito das semelhanças e diferenças entre RSE e investimento social privado, ação social e marketing social. Ele afirma que a RSE está nas relações e não em um departamento ou na publicidade de uma organização e ressalta que há contradições fortes entre a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável, concluindo ser urgente a difusão de um novo conceito: o de desenvolvimento ético.
Mobilizadores COEP – Responsabilidade social empresarial é um conceito em construção. Qual é a definição mais aceita hoje?
R. Responsabilidade social é um conceito relativamente recente. O marco inicial deste fenômeno é localizado por alguns nas décadas de 1960 e 1970, no movimento denominado Nova Ética, uma reação de cidadãos norte-americanos contra produtos e ações de empresas beneficiárias da Guerra do Vietnam. Ao longo dos anos, o movimento desdobrou-se na luta pelos direitos civis, notadamente de afrodescendentes, pelos direitos de consumidores e pelos direitos das mulheres. Outros recuam um pouco mais na História e vão localizar o DNA da responsabilidade social no início do século XX, na constituição da República de Weimar, Alemanha, com referência à função social da empresa.
Inevitável ainda localizar nos anos 1970, a partir dos dois choques do petróleo, 1973 e 1979, um impulso ao interesse das empresas na responsabilidade social, entendida como estratégia de sobrevivência empresarial, em um mundo cada vez mais globalizado e sobretudo mundializado, com a difusão rápida de novos valores e novas relações entre o setor empresarial, o setor público e o terceiro setor.
Uma das perguntas mais repetidas diante deste fenômeno é se a responsabilidade social é um atributo genuíno de empresas. Daí a minha preferência pelo caráter pedagógico do entendimento de responsabilidade social que a localiza na qualidade das relações construídas entre as empresas e todas as suas partes interessadas. Ou seja, responsabilidade social está nas relações e não em um departamento ou na publicidade de uma organização.
Mobilizadores COEP – Há uma grande confusão entre conceitos como ação social, investimento social privado, responsabilidade social empresarial e marketing social. Em que medida eles se aproximam e no que eles divergem?
R. Estes conceitos, responsabilidade social (RS), investimento social privado (ISP) e ação social, às vezes se misturam, acidental ou mesmo intencionalmente. O primeiro conceito, responsabilidade social, como vimos antes, pode ser entendido como atributo ético, transparente e cuidadoso das relações estabelecidas entre as empresas e TODAS as suas partes interessadas. São iniciativas relacionadas às estratégias da empresa, conseqüentemente, devem ser planejadas, orçadas e avaliadas. Quando, por exemplo, uma empresa desenvolve um projeto, como o de manutenção de uma escola comunitária, a responsabilidade social da empresa não está na escola em si, mas na contribuição dela para a qualidade das relações com todas as partes interessadas, notadamente no que se refere à ética e à transparência.
O ISP difere da RS, principalmente, por privilegiar o compromisso com um segmento de partes interessadas, podendo se circunscrever a apenas uma delas. No mesmo exemplo da escola, a distinção do conceito de investimento social privado, do conceito anterior de responsabilidade social, reside na preocupação da empresa em tornar a manutenção da escola um instrumento do aperfeiçoamento da qualidade das suas relações com todas as partes interessadas ou com uma delas. O que define esta escolha da empresa é a sua estratégia, em especial na licença para operar que espera receber das partes interessadas. Por este aspecto, da contribuição para a estratégia corporativa, cada iniciativa deverá ser avaliada.
A ação social, por seu turno, é reativa, menos comprometida e dissociada da estratégia de negócios, freqüentemente motivada por razões humanitárias. Se o muro da escola caiu com as últimas chuvas e a empresa responde a um pedido para doar tijolos para a sua reconstrução, mas esta realização está desvinculada das estratégias da empresa, é o caso de uma ação social.
Já o marketing social é quem geralmente figura como o vilão da história. Trata-se de um equívoco, mas o marketing social é freqüentemente associado à propaganda infundada e à mentira. Trata-se, no entanto, de uma importante ferramenta da responsabilidade social, responsável por colher as expectativas dos consumidores, engenheirar soluções coerentes com estas expectativas e vende-las a preços compatíveis com os interesses da empresa e dos clientes, nos pontos e da forma adequada.
Há ainda outros conceitos que se embaralham, entre eles os de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável. O primeiro, sustentabilidade, está relacionado à busca simultânea de resultados econômicos, sociais e ambientais pelas empresas, substituindo o entendimento anterior, em que prevalecia a preocupação exclusiva com os resultados financeiros e patrimoniais. Junta-se agora, no entendimento da sustentabilidade, também o resultado social, propondo a escolha de processos não-excludentes pelas empresas, e o resultado ambiental, referente à utilização pelas corporações de processos mais limpos, ou nos quais a taxa de utilização de recursos não exceda à taxa de reposição, entre outras características.
Já o desenvolvimento sustentável é um conceito cunhado em 1987, no relatório ?Nosso Futuro Comum?, que se refere a um processo de empenho político, capaz de acarretar mudanças dos padrões de consumo, investimento, financiamento, distribuição e produção. O desenvolvimento sustentável é um objetivo que propõe uma revisão também no processo de tomada de decisões, tornando-o democrático e distributivo, no que se refere aos frutos do crescimento, e nas relações entre países.
Mobilizadores COEP – Como o desenvolvimento sustentável se casa com a responsabilidade social empresarial?
R. A definição contida na ABNT NBR 16001:2004, a norma brasileira de responsabilidade social, menciona o desenvolvimento sustentável como a finalidade da responsabilidade social. Este é um conceito importante, sobretudo, por que representa uma tentativa de ultrapassar uma concepção economicista do desenvolvimento, muito difundida a partir dos anos 1950, segundo a qual, até a sociedade chegar aos seus benefícios, ela precisa passar por uma seqüência encadeada de fenômenos. Esta cadeia é duplamente ilusória, primeiro porque presume uma seqüência que parte do nível de renda, passa pela poupança, pelo investimento, pelos bens de capital, pelo crescimento e, finalmente, o desenvolvimento. É ilusória também porque é a-histórica, recusando os condicionantes do desenvolvimento decorrentes das relações de poder entre países e pessoas. A seqüência justifica instrumentos de políticas econômicas perversas, como a concentração da renda, altas taxas de juros, déficits de transações correntes, exaustão de recursos, aviltamento de preços de fatores de produção, danos ambientais, propriedade privada do saber, imperialismo econômico, e outros aspectos, que acabam anulando os efeitos pretendidos do desenvolvimento, transformando-o muitas vezes em um desenvolvimento vil, um desenvol-VIL-mento. A relação mais construtiva da responsabilidade social com o desenvolvimento sustentável está no transformador deslocamento do eixo da discussão do desenvolvimento, do produto, mais produto, como se entende o crescimento, para a qualidade dos processos, mais éticos e transparentes.
Aproveito para acrescentar uma proposta urgente de reflexão por todos nós. Este conceito, apesar de avançado e ainda não atingido, pode estar superado. Há contradições fortes entre a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável, como a impossibilidade de o planeta manter o modo de produção ineficaz que predomina hoje, baseado em suposições falsas, como a crença na capacidade de utilização de quantidades crescentes de recursos a preços baixos ou a capacidade ilimitada do ambiente de absorver os resíduos do processo produtivo. É urgente a difusão de um novo conceito, o de desenvolvimento ético, e há caminhos possíveis para a transformação eficaz e necessária.
Mobilizadores COEP – Ainda é bem pequeno no Brasil o controle social sobre as práticas empresariais. De que maneira, a seu ver, as pessoas e comunidades podem contribuir para que as empresas aprimorem suas práticas de gestão em benefício da sociedade?
R. Vivemos uma época de ?consumificação da cidadania?, quero dizer, de exagerada valorização do papel do consumo na expressão da cidadania. O cidadão, no entanto, é muito maior do que o consumidor. Os consumidores brasileiros, aqueles poucos que têm a possibilidade de exercer esta função, têm um razoável entendimento do que devem ser as práticas responsáveis das empresas. Mas, como o cidadão nem sempre se expressa, o consumidor tem as suas possibilidades de exercício de consumo consciente diminuídas. Qual a possibilidade de um consumidor punir uma empresa de que discorde das práticas de responsabilidade? Comprar de outra empresa é a resposta. Ocorre que a economia brasileira, entre as economias de mesmo porte, é a mais incorreta, ou seja, aquela que oferece menos alternativas ao consumidor, seja pela presença de monopólios, oligopólios ou por efeito de cartéis. Ou ainda, pela baixa qualidade da regulação pública. No Brasil, até posto de gasolina combina preço e fica tudo por isso mesmo. Nenhuma solução para este grave problema pode prescindir de educação em primeiro, em segundo e em terceiro lugar. As outras soluções, de cidadania ou de consumo, vêm depois.
Mobilizadores COEP – Uma das correntes que critica a responsabilidade social empresarial argumenta que as empresas fazem mais discurso do que prática. Como você vê esta afirmativa?
R. Até a Revolução Industrial, o consumo popular praticamente se restringia às necessidades fisiológicas e materiais, como as de comer, beber, morar ou vestir. Depois dela, as empresas passaram a cacarejar a cada ovo colocado, e isto não é bom ou ruim em si. Bom ou ruim é o uso que se faz disso. A prática responsável das empresas, como vimos, não está no DNA delas, mas sim nas qualidades éticas e transparentes das relações que elas estabelecem com todas as suas partes interessadas. Ao que se saiba, nenhuma religião se refere à exigência de CNPJ para entrar no céu, isto é, empresas não são intrinsecamente boas ou más. Repito, a qualidade está nas relações e, quando uma empresa anuncia, ela está buscando valorizar a sua reputação, o seu patrimônio intangível, cada vez mais valorizado em relação ao patrimônio contábil, ou está exercitando uma estratégia legítima de despadronizar o que vende. Pelos acertos ou equívocos que cometa neste caminho, deve ser premiada ou punida, seja pelo consumidor, através do consumo consciente, quando isto é possível, apoiado pelas organizações do terceiro setor, seja pelo cidadão, através das suas instituições democráticas de Estado.
Mobilizadores COEP – Qual é sua atuação na área de responsabilidade social? A partir de sua experiência, o que apontaria como os principais dificuldades e desafios que as empresas brasileiras têm a enfrentar nessa área?
R. Há pouco mais de dez anos, eu tinha uma atuação relacionada ao tema, na Universidade, no setor público e na militância política, quando fui convidado, pelo inesquecível Betinho, para umas conversas que, junto a muitas e muitos mais, resultaram no padrão Ibase de balanço social. Desde então, a vida tem sido corrida. Coordeno o programa Redes, de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde já participei da formação de nove turmas na matéria, participo de comissões técnicas no tema da ABNT e do Inmetro, presto consultorias para empresas, realizo palestras e conferências pelo Brasil adentro, sou instrutor do Instituto UniEthos, desde 2001, assino uma coluna semanal no jornal Monitor Mercantil, a coluna Empresa-Cidadã, e por aí vai.
Sobre as principais dificuldades de empresas, acredito que elas residam na gestão profissional da prática da responsabilidade social e na percepção de que se trata de um processo de gestão e não de um elenco de iniciativas paralelas, que correriam juntas, mas só se encontrariam no infinito. O desafio maior é planejar estrategicamente e gerir a responsabilidade social, de acordo com o ?core business?, isto é, coerentemente e alavancando os negócios da empresa.
Edição: Eliane Araujo e Renata OlivieriEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos queo entrevistado responderá dúvidas e debaterá o tema durante o fórum que será realizado de11 e 14 de dezembro de 2007. CLIQUE AQUI PARA ACESSAR O FÓRUM ETIRAR SUAS DÚVIDAS!O FÓRUM FOI PRORROGADO POR MAIS DOIS DIAS: aproveite, tire suas dúvidas e deixe sua contribuição até o dia 14/12.
Perfeita as avaliações sobre o urgente” desenvolvimento ético”, e só há um caminho possível,quando toda a sociedade se apropriar desse debate, discutindo o sentido, as implicações de tais avanços e frente a esses desafios e dificuldades defender o “nosso mundo” criando formas de não exploração e opressão, criando um sistema de reconhecimento e garantia de direitos humanos e a defesa da dignidade humana.
Caro Paulo, durante anos de minha vida no serviço público, participei de inúmeros estudos de implantação de políticas públicas.Algumas bem sucedidas, mas, infelizmente muitas outras fracassadas pelo simples fato de na sua arrogância, o poder público não dar OUVIDO,a quem de fato detém o conhecimento de suas necessidades e muitas vezes o “conhecimento” de soluções, O POVO.Sabedor de tudo. Então pergunto, como encontrar um meio termo para, através da sua interessante proposta, comerçarmos a trilhar caminhos mais justos e éticos para a formação de um País mais justo e igualitário?
Gostei muito da entrevista.
Deu para esclarecer muitos pontos positivos desse tipo de desenvolvimento social, e principalmente no diferencial de cada processo social.
Muito interessante a entrevista, acho que dentre os temas que foram levantados a prática do “consumo consciente” como instrumento de pressão do consumidor junto as empresas mereceria uma matéria a parte.
Saudações a tod@s, especialmente Marita, Girlane, Soraia, Katia, Joyce, Marcos Bandeira (homem de marketing), Rozane, Claudia Carneiro e Bruno Cesar !
Inicialmente, agradeço pelas participações tão delicadas.
Depois, aproveito para lembrar a tod@s que o nosso fórum já está “positivo e operante” (pede prá ficar). É só dar mais um clique em fóruns (lá no alto) e depois outro em “Fórum Responsabilidade Social Empresarial e Sustentabilidade”. Participações luminosas como estas devem ser compartilhadas com tod@s.
Aproveito ainda para me referir a algumas colocações como as que referem à assimetria com que algumas empresas estão se relacionando com tema, discursando, mas se esquecendo de fazer responsabilidade social com TODAS as partes interessadas, entre as quais os colaboradores. Como sensibilizá-las?
Este é um processo que se caracteriza necessariamente pelo estabelecimento de relações éticas e transparentes com TODAS as partes interessadas. Se não for com TODAS, não é responsabilidade social.
Os caminhos para a sensibilização são muitos, os mais produtivos são os caminhos ligados à necessidade de sobreviver e o mundo já está com o alerta amarelo acionado há algum tempo. Educação (não só escolaridade) e informação são passos preliminares neste caminho.
Nem sempre, no entanto falta só sensibilidade. Há então duas considerações oportunas a acrescentar. Uma refere-se à cara-de-pau de alguns, oportunismo mesmo, que carece de um bom lustrador de madeira para deixar o rosto com mais evidência.
Outra consideração diz respeito aos conflitos entre o bem comum e aos códigos de inclusão em grupos, que configuram os procedimentos empresariais. É a responsabilidade social, encarada como processo partido. Partido é uma palavra que vem do grego, “schizo”. Estes conflitos podem ser administrados, mas não resolvidos.
Outro aspecto interessante é sobre o consumo consciente. Trata-se de uma alternativa de conscientização e de ativismo cidadão, mas que só pode ser exercitada plenamente se houver mercado competitivo. Isto é, concorrência prá valer, muita gente comprando, muita gente vendendo, permeabilidade de informações e defesa e regulação públicas da concorrência. Ocorre que, infelizmente, esta não é uma tendência contemporânea do capitalismo, muito mais vocacionado para a concentração, por pressão da escala.
Saudações, Figueiredo!
A sua questão é desafiadora e remete ao risco de repetir o erro de ditar soluções de forma arrogante. Com todo o cuidado, lembro-me de que este fórum oferece também a possibilidade do primeiro passo responsável, que é o de compartilhar as propostas.
A nossa tradição autoritária muitas vezes inibe o estabelecimento de relações éticas e transparentes com TODAS as partes interessadas. Este é um passo básico.
O desenvolvimento ético, por seu lado, propõe superar a ótica economicista e autoritária do desenvolvimento econômico. Um dos passos iniciais deste processo consiste em levar o entendimento das externalidades ou economias externas dos produtos (casos da educação, saúde, transporte, energia, comunicação, etc) para os processos produtivos.
Na prática, significa dar mais importância à substituição dos processos eficientes, que privilegiam a produtividade dos fatores de baixo custo, pelos processos eficazes, referendados pela sociedade por serem inclusivos, na ótica social, e mais limpos, na ótica ambiental.
Golaço, Mestre! Sobretudo pela forma esclarecedora de abordar o desenvolvimento sustentável e a urgência do desenvolvimento ético. Parabéns!
A lucidez com que os temas foram abordados mostra a enorme competência do entrevistado. A última frase que compreende a resposta da última pergunta é essencial para atrair os olhares daqueles que detém o capital (“O desafio maior é planejar estrategicamente e gerir a responsabilidade social, de acordo com o ?core business?, isto é, coerentemente e alavancando os negócios da empresa.”).
Para mim essa entrevista foi muito importante para esclarecer dúvidas que tinha sobre o assunto, pois estou fazendo TCC sobre o tema.
Em muito boa hora esse tema.
Muito interessante a colocação do entrevistado quando diz que a RS não está no DNA das empresas. Acredito que ainda falta muito para essa conscientização empresarial.
Creio que não existirá uma formula única para esta prática mas temos que pensar de que forma essa sensibilização deve acontecer o mais rápido possível.
Tanto a entrevista, quanto o tema do Fórum, são de extrema importância para nós, que além de cidadãos, nos envolvemos com o Terceiro Setor, que é o contraponto destas questões.
As empresas falam de Responsabilidade externa e esquecem de fazer internamente. Como você vê essa situação?
Muito boa e instrutiva a entrevista.
No meu caso então de muito valor, pois estou começando um curso sobre o assunto e estou atrás de matéria relacionada.
Obrigada
Muito esclarecedora a entrevista. Aqui no meu estado Ceará, foi realizado um curso de extensão universitária denominado – desenvolvimemto local onde abordava nos fasciculos, alguns aspectos apresentados na entevista.