29 de outubro é o Dia Mundial de Combate ao Acidente Vascular Cerebral (AVC). Em alusão à data, republicamos entrevista concedida à Rede Mobilizadores, pelo médico Octávio Marques Pontes, da USP, em novembro de 2010. É uma boa oportunidade para relembrar, aprender como se prevenir e como reconhecer os sintomas de um AVC . O diagnóstico precoce pode aumentar as chances de recuperação de um paciente.
Doença que mais mata no Brasil, o Acidente Vascular Cerebral (AVC), ainda é um mito para a maioria da população. Coordenador de uma pesquisa sobre AVC, feita pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), o neurologista Octávio Marques Pontes, abordou 800 pessoas e pode comprovar que a maior parte desconhece os sintomas e sequer sabe o significado da sigla AVC. Nesta entrevista, ele esclarece o que é um acidente vascular cerebral, quais os sintomas mais comuns, o tratamento adequado e como podemos realizar um diagnóstico precoce desta doença, fato determinante para aumentar as chances de recuperação de um paciente.
Mobilizadores COEP – O que é um acidente vascular cerebral (AVC)?
R.: O acidente vascular cerebral é uma doença dos vasos do cérebro, popularmente chamado de derrame. Na verdade, existem dois tipos de AVC e o mais comum deles não é o derrame e sim a isquemia. O acidente vascular isquêmico ou isquemia, que corresponde a 80% dos casos no Brasil, caracteriza-se pelo entupimento da artéria que leva sangue para o cérebro, da mesma forma que ocorre no coração de quem sofre um infarto: a obstrução de uma artéria bloqueia o fluxo de sangue que deveria irrigar uma determinada região. Já o acidente vascular hemorrágico – esse sim o popular derrame – corresponde a 20% dos casos e se caracteriza pelo rompimento da artéria, alagando uma área do cérebro.
Mobilizadores COEP – Quais as principais conseqüências de cada um?
R.: Nos dois tipos as conseqüências são as mesmas: as células da área afetada morrem por falta de oxigênio e combustível, os chamados açúcares, causando diversas sequelas. Dependendo do local da lesão, o AVC pode provocar desde a morte da pessoa até paralisias, perda de memória, problemas de fala, de visão, entre outras consequências. A gravidade da lesão provocada pelo AVC vai depender do tempo que o paciente levou para ser atendido e diagnosticado em um hospital. Normalmente, a região cerebral afetada demora de quatro a seis horas para morrer, a partir daí, os danos são irreversíveis. Ou seja, quanto mais rápido o paciente que está sofrendo um AVC chegar ao hospital, maiores são as suas chances de reverter a situação e evitar que o AVC comprometa uma área do cérebro maior.
quanto mais rápido o paciente que está sofrendo um AVC chegar ao hospital, maiores são as suas chances de reverter a situação e evitar que o AVC comprometa uma área do cérebro maior.
Mobilizadores COEP – Quais são os principais sintomas? Por que é tão difícil reconhecer os sinais de um AVC?
R.: Não é difícil reconhecer os sinais de que uma pessoa está tendo AVC. Na verdade, o que falta é informação. Existe uma escala simples de triagem para detectar a ocorrência da doença, com a qual trabalhamos no hospital e que qualquer pessoa na rua pode aplicar para reconhecer os sinais de um AVC. Chamamos de escala fast (do inglês, fast, que significa rápido): face (paralisia facial), arm (fraqueza nos braços), speech (dificuldades na fala), time (saber quando começaram os sintomas). Se alguém na rua ou um familiar estiver passando mal, primeiro peça para dar um sorriso, se um dos lados da face ou da boca estiver torto, sinal de AVC. Segundo, peça para levantar os braços para frente, se estes estiverem fracos ou bambos, sinal de AVC. O terceiro passo é pedir para falar uma frase simples qualquer, se houver disfunção na fala, sinal de AVC. E o quarto é saber a que horas começaram os sintomas e correr para o hospital mais próximo. Nestes casos, tempo perdido é cérebro perdido.
Não é difícil reconhecer os sinais de que uma pessoa está tendo AVC. Na verdade, o que falta é informação.
Mobilizadores COEP – O que é e quais as principais características do Acidente Isquêmico Transitório (AIT)? Ele aumenta a chance de um AVC?
R.: O acidente isquêmico transitório (AIT) é um pequeno AVC. Ele acontece e se resolve sozinho. É um aviso de que vai acontecer um AVC isquêmico, uma espécie de alerta.
Mobilizadores COEP – Qual é o tratamento mais adequado para pacientes que já sofreram um AVC?
R.: É importante ressaltar que o tratamento para o AVC deve ser realizado nas quatro primeiras horas em que o paciente está sofrendo o acidente. Do contrário, o tratamento passa a ser direcionado para a reabilitação do paciente dentro do quadro clínico da lesão. Atualmente, existem dois tratamentos mais utilizados nos hospitais brasileiros para tratamento do AVC. O trombolítico, aplicado em 20% dos casos, caracteriza-se pela aplicação de uma enzima na veia do paciente que funciona na “quebra” do entupimento. Este tratamento só pode ser aplicado nas quatro primeiras horas de incidência do AVC e deve haver predisposição do paciente quanto à medicação. Em cerca de 80% dos casos, o tratamento adequado é encaminhar o paciente o mais rápido possível a um hospital capacitado, com uma equipe médica interdisciplinar que possa agir de maneira adequada para reduzir os danos do AVC. Alguns hospitais no Brasil já dispõem de unidades de AVC, assim como existem as unidades coronarianas para tratamento de doenças do coração. É extremamente necessário salientar que uma equipe preparada para atender um paciente que está sofrendo um AVC permite a redução das complicações e melhora em cerca de 25% as chances do paciente.
o tratamento para o AVC deve ser realizado nas quatro primeiras horas em que o paciente está sofrendo o acidente
Mobilizadores COEP – Quais os principais fatores de risco para o AVC? Existe predisposição genética? Quais cuidados deve-se ter para evitá-lo?
R.: Os fatores de risco são pressão alta, diabetes, obesidade, colesterol alto, tabagismo, sedentarismo. Nas mulheres, o anticoncepcional aumenta as chances de sofrer um AVC, e a combinação de anticoncepcional com o fumo, aumenta ainda mais esta chance. A predisposição genética determina somente 20% do risco de se ter um AVC. Os 80% restantes são determinados pelo estilo de vida. Isso quer dizer que com um estilo de vida saudável – que incluem controle da pressão, do diabetes, da obesidade, do colesterol, visitas regulares ao médico, exercícios físicos – estamos reduzindo em 80% as chances de ter um acidente vascular cerebral.
Mobilizadores COEP – Qual o risco de repetição da doença depois que ela se manifesta pela primeira vez?
R.: O risco de repetição da doença vai depender da causa, que deve ser investigada e devidamente tratada.
Mobilizadores COEP – Qual é a faixa da população que mais sofre com o AVC? Poderia citar os dados referentes à incidência desta doença no Brasil?
R.: Esta doença é responsável pelo maior número de mortes no Brasil: cerca de 100 mil óbitos por ano. É a segunda maior causa de mortes no mundo. As estatísticas são alarmantes e mostram que uma em cada seis pessoas no mundo vai ter um AVC em algum momento na vida. Acima dos 40 anos, a cada quatro pessoas, uma vai morrer de AVC. Não existe uma faixa etária específica que sofra mais com AVC. Esta é uma doença que depende dos fatores de risco e qualquer pessoa pode ter em qualquer idade. O que sabemos é que o AVC é um pouco mais comum nos homens do que nas mulheres. Abaixo dos 40 anos, porém, ele é mais comum nas mulheres.
As estatísticas são alarmantes e mostram que uma em cada seis pessoas no mundo vai ter um AVC em algum momento na vida.
Mobilizadores COEP – O número de casos vem aumentando no país? Poderia esclarecer as possíveis causas?
R.: Em números absolutos, a incidência da doença vem aumentando no Brasil. Em 2005, foram registrados 90 mil casos e, em 2010, a estimativa é de que ultrapasse os 100 mil casos. Proporcionalmente, a incidência vem diminuindo, pois a população também aumenta. O fato é que, no resto do mundo, a incidência de AVC vem caindo vertiginosamente, fruto de um controle muito mais rígido do que o que está sendo feito no Brasil.
Mobilizadores COEP – O sistema de saúde público brasileiro está bem preparado para diagnosticar o AVC? E quanto à qualidade do tratamento oferecido?
R.: Ainda não, mas está melhorando. Durante muito tempo, esta doença foi negligenciada pelo sistema de saúde público brasileiro, não existindo uma política de esclarecimento quanto aos sintomas que levam a um AVC ou mesmo quanto ao tratamento adequado. Para se ter uma ideia, somente agora no mês de novembro (de 2010) é que o Ministério da Saúde baixou uma portaria prevendo o pagamento do tratamento trombolítico pelo SUS, o que foi amplamente comemorado pelos médicos no Brasil todo. Antes, o hospital que autorizasse o tratamento deveria arcar com os custos por conta própria.
existe solução de baixo custo, que poderia ajudar a equipar hospitais distantes dos grandes centros: investir em equipamento de videoconferência que possibilite usar a telemedicina.
O acesso ao tratamento também é desigual. Quem tem plano de saúde particular e a possibilidade de ficar num hospital bem equipado tem mais chances de obter um atendimento adequado e um bom tratamento. No Brasil, existem cerca de 55 hospitais capacitados, que oferecem tratamento exemplar. Destes, apenas 16 possuem unidades de AVC, com equipe interdisciplinar especializada no tratamento da doença. Porém, quase todos estão concentrados no eixo Sul e Sudeste. Mas existe solução de baixo custo, que poderia ajudar a equipar hospitais distantes dos grandes centros: investir em equipamento de videoconferência que possibilite usar a telemedicina. Este recurso, utilizado no mundo inteiro, permite que uma equipe médica especializada oriente o melhor tratamento à distância.
Mobilizadores COEP – O sistema de saúde público brasileiro deveria oferecer serviços preventivos? De que tipo?
R.: Educar a população é uma forma de prevenção. Recentemente, realizamos uma pesquisa com 800 pessoas, em quatro cidades brasileiras, onde abordamos pessoas na rua e simulamos situações de derrame. Somente uma pessoa soube dar o diagnóstico correto e apenas 15% delas sabia o significado de AVC. A pesquisa mostrou que existe uma total falta de informação a respeito desta doença no Brasil. Faltam informação e campanhas educativas. Há poucos anos, o Ministério da Saúde difundiu uma campanha agressiva contra o tabagismo que surtiu efeitos imediatos e certamente vai reduzir o número de fumantes no país, especialmente nas novas gerações. Outras medidas que podem ser adotadas é treinar e capacitar o atendimento hospitalar de emergência, criar unidades de AVC, e criar unidades de reabilitação.
Entrevista concedida à: Flávia Machado
Editada por: Eliane Araujo.