Nessa entrevista, a jornalista Gabriela Marques Di Giulio, que pesquisou o tema ?comunicação de risco? para uma dissertação de mestrado defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), argumenta que a comunicação midiática é crucial para que os problemas ambientais e os riscos à saúde pública se tornem assuntos que demandem atenção pública e condicionem a elaboração de políticas públicas. No entanto, segundo ela, é preciso que essa transmissão de informações seja feita de forma adequada, contribuindo para a conscientização das pessoas a respeito dos problemas ambientais e se torne uma ferramenta para a democratização do conhecimento. Mobilizadores COEP – O que é a comunicação de risco e quais seus principais objetivos? R: A comunicação de risco é um processo que inclui estratégias para que a exposição de informações relacionadas às situações de risco seja feita de forma clara e explicativa, de modo que a população local compreenda os dados repassados, suas implicações e participe ativamente na tomada de decisões para solução ou atenuação dessas situações. Mais do que o ato de informar, a comunicação de risco é um processo interativo de troca de opinião entre indivíduos, grupos e instituições, que envolve múltiplas mensagens sobre a natureza do risco, as preocupações e opiniões das pessoas e suas reações às mensagens sobre o risco ou às medidas legais e institucionais relacionadas ao gerenciamento do risco. Entre alguns exemplos de situações que envolvem a comunicação de risco, estão as catástrofes naturais, os desastres ambientais, os casos de doenças infecciosas (como a recente ?gripe aviária?), o bioterrorismo, as ameaça de bombas, energia nuclear e epidemias de doenças crônicas (como a obesidade e o câncer). Entre os principais objetivos da comunicação de risco, está a necessidade de alinhar a percepção de risco do público com a dos experts; reduzir o medo relacionado ao risco tecnológico; comunicar os riscos com um estilo planejado e, ao mesmo tempo, sensível às necessidades da comunidade; integrar o público no processo de gerenciamento do risco; estabelecer uma relação de confiança e aliviar o medo e a indignação da comunidade.Mobilizadores COEP ? Como deve ser feita a comunicação de risco?R: Os praticantes da comunicação de risco devem, em suas áreas de responsabilidade, promover um diálogo entre os atores envolvidos nos fatores de riscos relevantes e a aceitação das estratégias estabelecidas. Para isso, eles devem interpretar os resultados das avaliações científicas de riscos de forma apropriada para que a audiência leiga os compreenda; devem entender a base das percepções públicas sobre os riscos e trabalhar para que todas as partes envolvidas e interessadas entendam esses fatores de riscos. Na minha pesquisa, eu enfoquei a comunicação de risco como uma preocupação que deveria ser levada em conta pelos pesquisadores ligados às áreas de saúde e meio ambiente. Parti do princípio de que estes pesquisadores, conscientes de seu papel dentro da sociedade, têm começado a refletir sobre a importância e eficácia de envolver e comunicar suas intenções de pesquisas e os resultados obtidos para as comunidades estudadas, principalmente quando têm em mãos dados que sugerem uma situação de risco. Não enfoquei, assim, a comunicação de risco como uma prática empresarial; mas tenho certeza de que as informações obtidas pela minha pesquisa e o que propõe a literatura sobre riscos e comunicação são essenciais para uma empresa, principalmente quando se lida com problemas ambientais e de saúde. No caso das empresas jornalísticas, o meu trabalho enfocou a divulgação científica, tendo sempre como base que a popularização da ciência e das questões relacionadas ao meio ambiente e à saúde pública tem nos meios de comunicação os seus canais mais eficientes, isto porque é, através da mídia, que se consegue a penetração em todos os estratos sociais. Se feita de forma adequada, essa transmissão de informações ? denominada divulgação científica ? contribui para o fortalecimento da ciência, para a conscientização das pessoas a respeito dos problemas (e necessidades) ambientais e é uma ferramenta primordial para a democratização do conhecimento. Assim, meu trabalho enfocou o papel da mídia na divulgação de informações sobre situações de risco, sendo a mídia percebida como uma participante de peso na recepção e solidificação de imaginários sociais acerca dessas situações.
Mobilizadores OCEP – Quando o conceito de comunicação de risco ganhou força? R: O termo comunicação de risco, como sugere Leiss (1996), foi usado pela primeira vez em 1984 e se concentrou, principalmente, nas disparidades entre a forma como os especialistas avaliam os riscos e como eles são entendidos e percebidos pelo público. É possível dizer que a comunicação de risco ganhou força, principalmente, após o acidente nuclear de Chernobyl, ocorrido na Ucrânia, em 1986. Na época, o governo soviético levou mais de 24 horas para evacuar a região, e outros dois dias para admitir o desastre ao mundo. Além disso, não informou à população sobre como deveriam agir e ainda enviou centenas de soldados, policiais e bombeiros à região para apagar o fogo, sem qualquer proteção. O Ministério da Saúde da Ucrânia anunciou, recentemente, que 2,3 milhões de pessoas, em oito cidades e espalhadas por 2,1 mil vilarejos no país, de alguma forma sofreram ou ainda sofrerão problemas de saúde como conseqüência da explosão O acidente chamou a atenção para o problema e a dificuldade que os pesquisadores tinham em comunicar informação técnica sobre riscos ou sobre falhas nas estimativas de riscos ao público leigo.
Mobilizadores OCEP ? Como está hoje a preocupação com a comunicação de risco no mundo e no Brasil?R: Se, há cerca de duas décadas, a preocupação com a comunicação dos riscos começava a ganhar força, nos últimos anos, ela obteve seu espaço na agenda pública, já que, como apontam diversos estudos, as populações da maioria dos países industrializados estão cada vez mais preocupadas com o risco presente em suas rotinas diárias. A comunicação efetiva entre as partes interessadas é um elemento vital na gerência do risco em saúde e ambiente e na tomada de decisão. Nos últimos anos, principalmente em países desenvolvidos, tem-se percebido uma evolução no que diz respeito à comunicação de risco e à importância de se firmar com a comunidade (o público) uma real parceria, caracterizada, principalmente, pela participação pública ? definida como a prática de consulta e envolvimento do público na construção de agenda, tomada de decisão e formulação de políticas públicas das organizações e instituições responsáveis por estas atividades. Nestes países, como é o caso dos Estados Unidos e de algumas nações européias, a comunicação de risco e suas estratégias têm sido exaustivamente debatidas, diferentemente do que ocorre no Brasil e em outros países em desenvolvimento. Para ilustrar esse dado, é válido ressaltar os estudos conduzidos por Gurabardhi, Gutteling e Kuttschreuter (2004), que fizeram uma análise bibliométrica sobre a produção de artigos relacionados à comunicação de risco. A amostra envolveu peer-reviewed journals, disponíveis na Web of Science, e que foram publicados entre 1988 e 2000. Dos 11 autores mais produtivos que trabalham com este tema, seis são dos Estados Unidos e cinco da Europa Ocidental, indicando um domínio dos cientistas destes locais sobre a comunicação de risco. A maior parte dos autores (1/3) vêm das áreas de humanidades e ciências sociais, seguidos por autores vindos das ciências da vida e das engenharias. Do total de artigos analisados durante o período, 63% são dos Estados Unidos e 28% da Europa Ocidental. Apenas 9% referem-se a outras áreas do mundo (incluindo Ásia, Austrália, América Latina, África/ Israel e Europa Oriental). É possível perceber assim que, nos países em desenvolvimento, a comunicação de risco, apesar de ser um tema que requer cada vez mais importância, ainda enfrenta um dilema: por um lado, há uma inquietude entre os tomadores de decisão acerca da necessidade de informar o público sobre os riscos relacionados ao ambiente e à saúde pública; do outro, há uma carência de profissionais capacitados e comprometidos para enfrentar esta tarefa. Mobilizadores COEP – É consenso entre os pesquisadores que temas polêmicos, como a contaminação ambiental, devem ser divulgados pela mídia. No entanto, alertam que é preciso tomar certos cuidados na hora da divulgação. Na sua opinião, o que há de inapropriado na divulgação de temas como estes pela mídia em geral? R: É claro que a visibilidade midiática é crucial para que os problemas ambientais e riscos à saúde pública deixem de ser apenas condições vigentes, com as quais a humanidade tem de conviver, para se tornarem assuntos que demandam atenção pública e devem ser condicionantes na elaboração de políticas. Sem a cobertura dos meios de comunicação social, é pouco provável que problemas antigos entrem na área do discurso público ou venham a fazer parte do processo político. É por meio da transmissão de informação que a comunicação social cria o conhecimento que servirá de base para alcançar as mudanças de atitudes e práticas. É também através da informação que se pode exercer influência sobre a adoção de políticas públicas orientadas à promoção de bem-estar dos indivíduos. Por isso mesmo, a informação científica que o público recebe deve dar condições para que ele possa participar significativamente de questões que envolvem decisões públicas e que são parte do processo democrático. O desafio daqueles que praticam a divulgação científica é possibilitar que a sociedade participe do conhecimento científico, de seus benefícios e riscos. É também promover um diálogo razoável entre quem tem a atividade científica como profissão e o restante dos cidadãos. O papel da divulgação científica, principalmente nas sociedades em que a educação formal tem se descuidado do ensino de ciências, relegando-o a um segundo plano ? como é o caso da sociedade brasileira ? é fundamental para colaborar no processo de alfabetização científica. Apesar da sua importância, no entanto, a divulgação científica ainda incorre em erros e, muitas vezes, não cumpre suas funções básicas ? ser informativa, educativa e despertar uma reflexão crítica na sociedade. Nas notícias relacionadas às questões ambientais e à saúde pública, o problema parece ser ainda maior. A mídia, na ânsia de levar informação e de chamar a atenção do público ? até por saber que esse tipo de notícia desperta a curiosidade das pessoas ? publica informações erradas, destorcidas, que acabam, não raro, levantando falsos alarmes. Percebe-se, por exemplo, que o interesse midiático em relação ao ambiente e às questões relacionadas à saúde pública tem crescido nas últimas décadas, mas nem por isso o material divulgado nos veículos de comunicação tem melhorado de qualidade. Por mais que os temas ambientais interessem como notícia, a abordagem, quase sempre, não avança da mera constatação. Quase não há uma contextualização do assunto e a notícia veiculada, geralmente, não desperta o espírito crítico da sociedade. Muitas vezes, o que se observa é que a divulgação foca apenas as tragédias, mas as notícias não vão além da indignação e do apelo sensacionalista. No caso das notícias ambientais, percebe-se, por exemplo, que o relato de fenômenos e catástrofes ambientais são tratados como problemas pontuais e dissociados de um processo histórico e de um contexto político, social e econômico mais abrangente. Esse tipo de cobertura ? centrada nos acontecimentos ? pode até ter seu lado positivo, o de despertar a consciência pública para questões ambientais até então esquecidas, mas tende a passar a impressão de que os indivíduos ou as corporações são os errantes e, portanto, responsáveis pelos acontecimentos, em vez das políticas institucionais e dos desenvolvimentos sociais. Mobilizadores COEP ? Quais são as conseqüências dessa divulgação centrada apenas nos acontecimentos ambientais? R: O resultado dessa cobertura que a mídia faz dos riscos ambientais ? mais focada em eventos dramáticos e não nos comuns, mais focada nos danos e menos nos riscos reais ? é que o público geralmente superestima a probabilidade de ocorrência de riscos dramáticos, como acidentes nucleares, e subestima a probabilidade de ocorrência de riscos crônicos. Se na cobertura dos assuntos ligados ao ambiente, a mídia confere às notícias um enfoque sensacionalista e, muitas vezes, não contextualiza de fato os problemas ambientais; na cobertura jornalística sobre saúde pública o cenário não muda muito. Por trás de cada patologia, de cada problema relacionado à saúde humana, está a imprensa que, com a justificativa de prestar serviços e de funcionar como um porta-voz dos cidadãos, molda o processo de construção dos sentidos e percepções sobre as doenças e os males que atingem nossa sociedade. Esse processo é caracterizado, muitas vezes, pela ausência ? se não total, pelo menos parcial ? de explicações científicas condizentes acerca das doenças, colaborando para o aumento das crenças e mitos que, comumente, envolvem assuntos relacionados à saúde. O que se vê na mídia, sobre notícias relacionadas à saúde, são geralmente reportagens descontextualizadas, com uma visão preconceituosa das terapias e medicinas alternativas e a espetacularização da cobertura.Mobilizadores COEP – Em princípio, a responsabilidade da imprensa é informar, trazer a público o que é relevante e afeta e/ou pode afetar a vida da população. Diante disso, qual deveria ser o papel da grande imprensa na cobertura de um fato que pode trazer conseqüências negativas para uma determinada comunidade?R: Primeiramente, é preciso entender que a mídia tem um papel central na amplificação da percepção do risco, por isso mesmo, o profissional, ao divulgar informações sobre riscos ambientais e problemas relacionados à saúde, precisa se cercar de cuidados, principalmente para não expor determinada comunidade a uma situação de fragilidade e, assim, contribuir para a estigmatização de um local ou de pessoas. É preciso promover uma divulgação científica reflexiva, interrogativa e problematizadora, que de fato envolva tanto a divulgação dos fundamentos teóricos do conhecimento científico quanto suas condições e implicações sociais. Os jornalistas devem fazer um esforço grande para compreender o público para o qual o material de divulgação científica é produzido. É preciso oferecer uma informação completa, contextualizada, explícita, explicativa, para que todas aquelas pessoas que terão acesso ao conteúdo o compreendam, mesmo quando nunca tenham ouvido nada sobre o assunto em questão. É necessário procurar sempre atender aos princípios éticos envolvidos na atividade jornalística, trabalhar com a verdade e defender os interesses públicos. Chamar a atenção do poder público é importante, mas isso não pode significar, de maneira alguma, levar informações incorretas, que defendam interesses particulares e não públicos, que criem falsas expectativas, falsos alarmismos e acabem prejudicando uma comunidade. O jornalista deve estar consciente de que a divulgação de resultados parciais, de ?achismos?, de opiniões de pessoas comprometidas com outros interesses, longe dos interesses públicos, pode ocasionar diversas perdas e prejuízos a vários segmentos da sociedade.Mobilizadores COEP ? O que é necessário fazer para que a comunicação de risco passe a ser efetivamente praticada no país e de forma correta?R:Meu trabalho mostrou que é cada vez mais urgente a necessidade de normatização ou regulamentação acerca da comunicação de risco (e suas práticas) no Brasil. Ainda sobre esse assunto, esta pesquisa deixou claro que o processo de comunicação de risco, mais do que um diálogo entre indivíduos, segmentos da sociedade, organizações governamentais e não-governamentais, deve promover uma interação entre estes atores sociais e oferecer, de fato, mecanismos para que a comunidade ? por estar melhor informada ? possa participar ativamente no processo de sugestões e escolha de alternativas para o gerenciamento de uma situação de risco. O termo planejamento deve fazer parte do processo de comunicação de risco. É preciso planejar como e o que será divulgado, escolher quem serão os porta-vozes desse processo, antecipar possíveis dúvidas e repostas dos moradores e autoridades locais e da própria mídia. Aliás, em relação a esta última questão, é preciso também fazer um planejamento de divulgação de informações para os profissionais da mídia. É fundamental manter a mídia como parceira, entendendo, principalmente, a necessidade de tempo e espaço que os veículos têm para divulgar as notícias. Na elaboração do processo de comunicação de risco, os comunicadores e pesquisadores devem conhecer os hábitos culturais, sociais e econômicos da comunidade estudada para planejarem como realizar a comunicação e promover a interação, de modo que seus objetivos sejam plenamente alcançados. Eles devem, primeiramente, fazer uma avaliação, identificando, assim, os diferentes interesses públicos, as expectativas e as agendas culturais existentes naquela comunidade. Quanto aos métodos de comunicação de risco, é essencial reconhecer que, como há diferentes públicos envolvidos, é preciso estabelecer uma variedade de estratégias que serão necessárias para alcançar todo o espectro dos grupos sociais. Monitorar e avaliar as estratégias de comunicação implementadas é fundamental. Além disso, é preciso usar sempre uma mensagem positiva (para não criar situações de alarme), adaptada ao público alvo, contendo a descrição do problema, os impactos, as alternativas e a importância de se tomarem os devidos cuidados. Vale lembrar que os objetivos e mensagens devem ser simples, diretos e realistas; assim como as informações transmitidas, que devem ser levadas ao público com brevidade, clareza e eficiência.Mobilizadores COEP – O que levou você a desenvolver uma dissertação de mestrado sobre comunicação de risco? Que estudo de caso embasou seu trabalho? R: O meu estudo de caso refere-se ao município Adrianópolis, localizado no Estado do Paraná, na Região do Vale do Ribeira. Antes de abordar melhor este caso, acho que é importante divulgar alguns dados que me chamaram bastante a atenção durante esta pesquisa. Um deles, por exemplo, refere-se ao número divulgado pela Vigilância em saúde ambiental relacionada a áreas com solos contaminados (VIGISOLO, 2006): o Brasil, até o ano de 2005, apresentava mais de 700 áreas com populações sob risco de exposição a solo contaminado. Esse dado serve como um alerta para o problema da exposição ambiental e humana a diferentes tipos de contaminantes. A informação, além de chamar a atenção para a importância de se conhecer os riscos ambientais e tecnológicos aos quais está exposta a população brasileira, demonstra como os estudos sobre riscos têm se tornado ferramentas relevantes para uma análise da vulnerabilidade das sociedades contemporâneas, de uma forma geral. Adrianópolis é uma das áreas onde foi constatada contaminação ambiental e exposição humana ao chumbo. O município, objeto de estudo de um grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), teve sua fase de apogeu relacionada às atividades de mineração, entre 1955 e 1995. Neste meio século de funcionamento da usina Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda, localizada no bairro Vila Mota, as atividades mineradoras se desenvolveram quase sempre de forma rudimentar e praticamente sem controle dos impactos ambientais advindos. O controle só foi exercido nos últimos anos da produção, de forma parcial e ineficiente, como resultado da pressão de órgãos ambientais. Até então, a escória de forno e o rejeito produzidos durante os processos metalúrgicos e de beneficiamento do minério de chumbo foram lançados diretamente no rio Ribeira, que corta a cidade de Adrianópolis. Somente na década de 90 foi construída a bacia de rejeitos, a céu aberto, às margens desse rio, na Vila Mota. Atualmente, transcorridos mais de dez anos desde que a refinaria de metal encerrou as suas atividades e as últimas minas foram fechadas, ainda permanecem o passivo ambiental que foi deixado para trás e os riscos de contaminação por chumbo a que estão sujeitas as populações locais. Adrianópolis não é apenas um bom exemplo para demonstrar a necessidade de estudos relacionados à questão dos passivos ambientais, da contaminação de solo ou dos riscos com os quais as populações modernas convivem. É um caso que sugere reflexão a respeito do papel dos cientistas na construção social do risco, da importância da comunicação de risco nos estudos relacionados à saúde pública e ao ambiente e do papel da mídia na divulgação científica e na amplificação da percepção do risco. O caso Adrianópolis permite reflexões ainda acerca das diferentes percepções frente a um mesmo risco, como tais percepções são importantes na validação popular de uma pesquisa científica e nas decisões que serão tomadas após os resultados obtidos por estudos e como a quebra de confiança da população ? tanto nas autoridades públicas como na comunidade científica ? pode acontecer quando as políticas públicas voltadas para a solução dos problemas diagnosticados não são adequadamente formuladas, contextualizadas ou implementadas. Todas essas observações acerca do caso são frutos de uma investigação que primou por buscar compreender os impactos das informações sobre a contaminação por chumbo no dia-a-dia dos moradores de Adrianópolis, principalmente quando tais dados foram divulgados amplamente pela mídia, no ano de 2001. Esta investigação ainda teve como objetivo conhecer e analisar as conseqüências advindas da ausência de uma estratégia previamente elaborada de comunicação de risco por parte dos pesquisadores durante e após seus estudos no local. Mobilizadores COEP ? O que a pesquisa revelou?R: O caso Adrianópolis é um exemplo prático da influência da mídia na construção social do risco e na sua amplificação. Mostrou que a imprensa, de fato, dá maior importância a notícias que envolvam conflitos, apelo humano, drama, imagens fortes. Que o imediatismo, característica inerente ao processo jornalístico, ajuda a promover coberturas fragmentadas, superficiais, sem revelar as reais causas dos problemas noticiados. Comprovou que a mídia se interessa pelas chamadas pautas quentes, mas que, passado o momento, os problemas caem no esquecimento e já não interessam mais. No caso dos riscos ambientais, como mostrou a experiência de Adrianópolis, as notícias surgem e ganham cada vez mais espaço, principalmente, se envolvem vidas humanas expostas a alguma situação de risco. Se mostram algum tipo de drama social, como crianças possivelmente contaminadas, por exemplo, elas captam rapidamente a atenção da mídia. Quanto maior a atenção da mídia, maior a atenção que as pessoas dão ao risco divulgado; maior, assim, a percepção que as pessoas têm sobre o risco.Por mais que se tenha divulgado que o problema de Adrianópolis foi decorrente das atividades de mineração realizadas de forma rudimentar e sem cuidados e preocupações ambientais, as notícias apelaram mais para um retrato dos acontecimentos recentes ? como as crianças com altos teores de chumbo, as pilhas de rejeitos e resíduos deixadas a céu aberto pela empresa ? e menos para as decisões políticas, sociais e econômicas que permearam toda a história da Plumbum (e de Adrianópolis) e que foram as responsáveis pelas conseqüências sofridas pela população nos dias atuais. Outros municípios que enfrentaram ou ainda enfrentam problemas decorrentes da contaminação não foram citados pela imprensa durante a divulgação do caso. É válido lembrar que, como apontam os dados do Ministério da Saúde, no Brasil, há mais de 700 áreas contaminadas.Mobilizadores OCEP – Como a cobertura feita pela mídia em Adianópolis influenciou a população local?R: A divulgação do caso feita pela mídia influenciou diretamente na promoção de um clima de medo e alarme na cidade. Se contribuiu para que a sociedade em geral, e os moradores locais em particular, pudessem ter uma consciência maior a respeito do problema, também usou tal problema para justificar uma abordagem feita à base do espetáculo, da tragédia. O tom sensacionalista das matérias é prova disso. Como é comum em situações de risco, as informações divulgadas pela mídia tiveram como foco a possível contaminação por chumbo, mas pouca atenção foi dada a outros problemas que afligem as comunidades mais pobres de Adrianópolis, como a desnutrição, os altos índices de verminose, a falta de assistência médica (inclusive durante a gestação e a realização de partos). As notícias pontuaram apenas o possível risco de contaminação ao qual estavam expostos os moradores locais, mas desviaram a atenção da ausência de políticas de saúde, fundamentais para a melhoria de qualidade de vida dos moradores locais.O caso Adrianópolis mostrou que a imprensa, com a justificativa de prestar serviços e de funcionar como um porta-voz dos cidadãos, pode não levar (ou levar pouco) em consideração os impactos econômicos locais decorrentes da divulgação nacional das informações. Pode, inclusive, colaborar para o aumento das crenças e mitos que envolvem termos como contaminação, chumbo, intoxicação; reforçando, assim, o estigma criado em torno das pessoas e do local. Os moradores locais, por exemplo, foram rotulados como chumbados, encontraram dificuldades para obter empregos em outras cidades e na capital (Curitiba). Houve desvalorização das áreas e propriedades particulares locais e os produtos agrícolas oriundos de Adrianópolis, por algum tempo, foram rejeitados pelos consumidores de outros municípios. Nas diferentes percepções que os moradores de Adrianópolis têm, hoje, sobre o risco de contaminação por chumbo pesaram tanto a forma como a mídia retratou o caso, como os interesses econômicos, culturais e sociais que as pessoas têm a respeito do local onde vivem, suas ocupações e os postos de trabalho atuais e passados. Alguns moradores perceberam que conviver com esse risco diariamente representava uma chance de entrar com processos na justiça e receber uma indenização por isso. Outros, sobretudo aqueles que durante anos trabalharam na Plumbum, associaram a contaminação apenas com a atividade ocupacional. Muitos demonstraram que o risco da contaminação por chumbo só existia na medida em que ficavam expostas a céu aberto as pilhas de rejeitos e resíduos. Se retirados do local, cobertos com grama e isolados dos moradores por uma cerca, a contaminação deixaria de ser um problema ? cabe ressaltar, aqui, que o risco é mais fácil de ser percebido quando é notável; quando as pessoas conseguem visualizar a sua fonte causadora. Sem essa visão, o risco torna-se menos perceptível. As crenças e os sentimentos pessoais também são fatores relevantes no processo de percepção de um risco. No caso Adrianópolis, a vergonha e o medo podem ser alguns desses sentimentos que moldaram as percepções das pessoas. Um outro componente que pode ter influenciado a percepção de risco foi a forma como os pesquisadores fizeram seus estudos, repassaram essas informações e lidaram com as possíveis controvérsias existentes. No município, entre os estudos que foram feitos, dois ganharam especial atenção da mídia, apesar de terem objetivos distintos. Resultados diferentes e informações contraditórias veiculadas pela mídia acabaram por influenciar diretamente a percepção que os moradores locais passaram a ter a respeito da situação de risco. O próprio caráter político que envolveu o caso Adrianópolis também contribuiu para a percepção que os moradores têm a respeito do risco. Para muitos, todos os estudos e as ações praticadas não passaram de politicagem, que visavam, se não a obtenção de lucros, a projeção política de alguns através da mídia. Para a percepção que a sociedade brasileira em geral teve sobre o caso pesou o fato de que os jornais, em sua maioria, divulgaram notícias quase sempre associando a contaminação de chumbo com toda a cidade de Adrianópolis. Poucas notícias, nos títulos, indicavam que a situação se limitava aos bairros próximos à refinaria Plumbum. Mobilizadores COEP – Você diz que não basta informar a comunidade; é preciso garantir que ela participe ativamente no processo decisório para a solução de situações consideradas de risco. Como promover esta participação? A quem deve caber essa responsabilidade? R: A pesquisa mostrou que no Brasil ainda falta à sociedade brasileira reconhecer o seu direito (e dever) de participar mais ativamente nos processos de tomada de decisão; falta aos pesquisadores maior consciência sobre o envolvimento das comunidades antes e durante a realização de suas pesquisas. Falta também ao poder público uma legislação que assegure a observância desses direitos. Neste sentido mesmo, uma das recomendações do meu trabalho é que estudos voltados para análise e gerenciamento de risco ? sejam promovidos por instituições públicas de pesquisa ou por instituições privadas ? contem com algum (ou mais) representante da comunidade a ser pesquisada. Esse representante poderia ser escolhido durante uma visita prévia ao local, objeto de estudo. Preferencialmente, teria de ser alguém que contasse com a confiança da população local, tivesse disponibilidade de tempo e um nível razoável de conhecimento sobre a área a ser estudada, os costumes e hábitos dos moradores. Esta pessoa acompanharia os pesquisadores durante toda a realização da pesquisa e poderia ajudar no estabelecimento de uma relação de confiança e do diálogo entre pesquisadores e comunidade. A pesquisa mostrou que é fundamental levar em conta a percepção individual e coletiva frente aos riscos no processo de avaliação e gerenciamento de risco. Mais do que isso, é preciso possibilitar que os cidadãos envolvidos direta e indiretamente nestas situações participem ativamente na tomada de decisão. Assim, pesquisadores, técnicos e autoridades envolvidos em estudos que envolvam situações de risco, devem escutar as preocupações da comunidade, os problemas que ela gostaria que fossem solucionados, os estudos que ela acredita que seriam importantes. Se essa relação de confiança e compromisso não for estabelecida, todo o processo de gestão de risco ficará comprometido, porque não haverá compreensão e apoio por parte da comunidade. Como em Adrianópolis, ela poderá ter o sentimento de que seus problemas, sua terra e o local que escolheram para viver, consistem apenas num ?berço de estudos? para pesquisadores. Se as ações propostas para a remediação do problema diagnosticado não forem colocadas em prática (ou levarem muito tempo até que sejam realizadas), a confiança nas instituições públicas e nos governantes também poderá ficar comprometida. Numa próxima pesquisa, é possível que alguns moradores e até as próprias autoridades locais resistam em participar, temendo, principalmente, que o município volte a ser manchete dos jornais.
Parabens Gabriela,
Ao ler esta matéria, constantemente fazia correlação com o aumento do nível do mar e as cidades litorâneas brasileiras.
Um abraço
Sobeh
Parabéns pela exposição da situação. Muitas pessoas ao verem uma notícia não relacionam o fato com a(s) conseqüência(s) e de poderem interferir na formulação de novas políticas públicas. A ex. do exposto, podemos citar o caso da Vila Carioca – Ipiranga – São Paulo – contaminação do solo, donde houve troca de proprietários e um TAC (para variar). Como conseqüência os moradores do local tiveram um novo posto de saúde com PSF para acompanhar o grau de contaminação. Muitos consideraram como conquista de antigas reivindicações, ao invés do ocorrido. E é claro, há aqueles que querem que as pessoas continuem a acreditar nisso.
Recentemente temos o caso do Metrô de Pinheiros. Apesar de noticiar que a obra está embargada até a emissão dos laudos, agora se noticia que as mesmas serão retomadas – faltou questionar a segurança, já que ninguém até o momento, assumiu por escrito sobre a real situação do SOLO da cidade de São Paulo. Durante o incidente, era curioso ouvir os comentários das pessoas. Algumas com quem conversei repetiam como culpada o solo. (Engenheiro) Outros, que foi negligência, pois hoje, com a tecnologia, poderiam ter feito um trabalho melhor. (cidadão) Conclui que alguns se julgam conhecedores por ter um diploma (sem valor ou vergonha) e outros pela vivência e por acompanhar melhor as noticias.
De certa forma, a população esta aprendendo sobre as questões socio-ambioentais e culturais. O ‘X’ da questão é o poder público e os políticos que deveriam também fiscalizar e proporcionar condições da população exercer seu direito participativo fiscalizador.
O direito ambiental, apesar de ter atualmente uma grande literatura e renomados profissionais com gabarito na área, ainda é considerado meramente um complemento do direito administrativo, não sendo considerado como princípio ou matéria obrigatória nas faculdades e universidades. Em muitos casos, é apresentada também, como parte da Gestão Ambiental, não do Direito. Isto precisa mudar.
Muito importante o tema abordado pela Gabriele, onde ressalta a necessidade de se estabelecer critérios para a divulgação de situações de risco, mas também para a necessidade de maior participação da população na formulação dos temas que serão levados a debates e foco de informação. O tema de seu mestrado é muito pertinente e vem a tona no momento em que se coloca questão sobre a ética nas diversas mídias, principalmente quando se percebe cada vez mais o peso dos interesses econômicos na produção de pesquisas e publicações consideradas como científicas, mas destinadas a “orientar” o público para o consumo de produtos ou tecnologias.
O assunto tratado me parece interessante e até arrisquei começar a ler, mas é extremamente extensa a entrevista, quase um tratado.
Não sei, para o formato internet, acho que extrapola um pouco o suportável.
Só estou comentando para que possam avaliar se não seria o caso de em entrevistas futuras tentar resumir um pouco com o essencial.