A Escola Rural Ouricuri, no sertão pernambucano, é um espaço de vivência coletiva, onde o grande desafio é contribuir para a formação da consciência social e agroecológica de alunos e agricultores da região.
Coordenadora do projeto ?Conhecer para conviver?, a professora Maria do Socorro Silva troca experiências com as crianças, desenvolvendo novas técnicas de ensino-aprendizagem, possibilitando que os alunos e suas famílias entendam a importância da preservação do meio ambiente e se apropriem de tecnologias de convivência com o Semiárido.
COEP ?Como éo meio ambiente em Ouricuri (PE) e que fatores agravam sua situação?
R.: Ouricuri tem clima semiárido, sendo sua vegetação típica a caatinga, composta de espécies xerófilas*1, caducifólias*2, cactáceas e bromélias; uma vegetação exuberante a meus olhos, mas que muitas vezes édestruída com desmatamentos e queimadas que ainda ocorrem na região. Essa prática muito antiga édifícil de ser combatida. Como as queimadas são um meio rápido de usar a terra, as pessoas não pensam nos danos que virão. Além das queimadas, as pessoas ainda usam agrotóxicos nas plantações, o que contamina os solos e os mananciais*3 de água. O desmatamento e a caça de subsistência estão entre os principais responsáveis pela extinção da maioria dos animais nativos do semiárido.
Mobilizadores COEP ? Como e quando nasceu o projeto?Ele ainda é implementado?
R.: O projeto ?Conhecer para conviver? nasceu do sonho de mudar essa realidade. Teve início em 2003. Participando de capacitações em agroecologia oferecidas pela ONG Caatinga (www.caatinga.org) ? que tem sua ação direcionada para o desenvolvimento humano e sustentável de famílias agricultoras do semiárido brasileiro ?, aprendi muito sobre formas alternativas de conviver com o semiárido sem destruir o que temos de mais precioso, que são os recursos naturais. Por exemplo, aprendi a usar biofertilizantes em vez de agrotóxicos, a utilizar coberturas mortas ? para evitar a evaporação da água e proteger o solo do impacto direto da radiação solar ?, as técnicas da agrofloresta*4, para plantar sem derrubar árvores nativas, e outras alternativas.
Com base na experiência que tive, desenvolvi o projeto com o objetivo de repassar o meu conhecimento às crianças e para que reproduzissem o que aprenderam em casa. Deu certo, e estamos dando continuidade a ele e a outras práticas, como os quintais produtivos, que consistem em plantar os alimentos nos quintais das próprias casas.
Mobilizadores COEP ? Qual o objetivo da iniciativa e quais os parceiros da escola?
R.: A Escola Rural de Ouricuri (ERO) tem como parceiros a ONG Caatinga e a comunidade local; e o objetivo dessa iniciativa éfazer com que as práticas de agricultura da região mudem, a partir de um trabalho de conscientização que leve em conta a realidade dos alunos, agricultores e as condições naturais e socioeconômicas do sertão pernambucano. A pratica de agricultura mais utilizada era derrubar a mata, colocar fogo e depois plantar. Hoje as pessoas diminuíram (mas, não pararam!), já estão utilizando a agrofloresta, colocando esterco na roça, fazendo as coberturas mortas. O processo é lento, mas tenho esperança. Através dos filhos émais fácil chegar aos pais.
Mobilizadores COEP ? Qual foi a metodologia usada pelo projeto para que os alunos reconhecessem o ambiente onde vivem?
R.: Para começar o trabalho, elegi três temáticas fundamentais na perspectiva da convivência com o semiárido: Água: Captação e Gerenciamento; Produção Vegetal: vantagens da agricultura orgânica e utilização de fertilizantes naturais; Alimentação Animal: importância do manejo e armazenamento. Todo o trabalho é desenvolvido na perspectiva de melhorar a qualidade de vida dos jovens agricultores e demonstrar possibilidades de garantir alimentação, água e saúde para as famílias e os animais da região.
A metodologia utilizada foi muito simples: tivemos aulas teóricas, quando foi explicada, por exemplo, a importância da água, de ter alimentos para os animais, e o mal que o agrotóxico faz à nossa saúde. Foram feitos trabalhos em grupo, confeccionados cartazes e livrinhos sobre os temas discutidos, e, em seguida, fomos para as aulas de campo para constatar e aplicaro que havíamos estudado.
Mobilizadores COEP ? De que forma este reconhecimento foi/é importante para que o sertanejo reconheça possibilidades, além do êxodo rural, para sua sobrevivência?
R.: Ele foi importante para mostrar que épossível viver bem no sertão, desde que se utilizem técnicas de proteção ao solo, como o biofertilizante, as coberturas, curva de nível (técnica utilizada para plantar de acordo com o nível da água). E que se valorizem a terra e suas limitações. Aqui, no Semiárido, chove quatro meses durante o ano, o resto é seca; o solo é fértil, mas precisa de cuidados para produzir. Quando falo de valorizar, é não colocar veneno, não queimar, etc, pois já é seco, e se ainda for agredido, é impossível suportar. É preciso ter a compreensão de que a nossa terra é maravilhosa e que é possível viver aqui e viver bem. ?Na nossa terra tudo o que se planta, dá?.
Mobilizadores COEP ? Como as informações apreendidas pelos alunos ultrapassaram os muros da escola e chegaram às suas comunidades e famílias?
R.: Através dos próprios alunos, que julgaram importante a iniciativa e que se encarregaram de repassar aos pais e à comunidade a necessidade de se cuidar do meio ambiente e de utilizar técnicas que não o agridam para que a convivência com o semiárido seja a melhor possível.
Mobilizadores COEP ? Antes do projeto, o que pensavam os alunos e suas famílias sobre o cultivo da terra? Que experiências mudaram esta percepção?
R.: Antes do projeto, tanto os pais quanto os alunos tinham a ideia de que não era errado desmatar nem queimar, e ainda diziam que, quando queimada, a plantação era melhor. Hoje muita gente está consciente de que é preciso conservar o meio ambiente e aplicar técnicas, como o manejo da caatinga que consiste em garantir alimento para os animais e não desmatar, conservando o solo, para não sofrer no período de estiagem.
Durante as aulas, os alunos aprenderam a fazer a silagem e a fenação, que são formas de guardar alimentos para os animais durante o ano. A silagem é feita utilizando milho ou sorgo. Corta-se o pé de milho ou sorgo, passa na fogueira e se guarda num reservatório que geralmente é feito no chão. Essa técnica é para guardar alimento para os animais no período mais crítico. A fenação é muito parecida, só que é feita com os restos de cultura ou maniçoba (planta típica da região).
Mobilizadores COEP ? Como éa relação da comunidade local com a água?
R.: Hoje muita coisa mudou, quase todas as pessoas possuem cisternas, o que melhorou muito, pois, como mencionei, só temos 4 meses de chuva na região. As pessoas jámonitoram bem esse recurso.
Mobilizadores COEP ? Que soluções foram abordadas com os alunos e familiares para que saibam lidar com a escassez de água na região?
R.: Devido a essa escassez de água, muitas vezes as famílias utilizavam cal, cimento, cinza para clarear a água barrenta do barreiro. Essa água, que jáera contaminada, piorava muito com tais práticas, que causavam às pessoas dores estomacais, entre outros problemas de saúde. Então, trabalhamos junto com os alunos como tratar a água do barreiro com a semente da moringa, que não tinha contra-indicação.
Para se tratar a água com a moringa, se maceram duas sementes para um litro de água, mexe-se, e deixa-se por uma hora. A água fica limpinha! Já para os alunos que tinham cisterna em casa, ensinamos a utilizar a água da cisterna somente para beber e cozinhar, utilizando a água tratada com moringa para outros fins.
Mobilizadores COEP ? Que dicas vocêdaria a outras escolas que queiram desenvolver atividades semelhantes?
R.: Não tenho muito a falar, pois a mídia jáestádivulgando muito bem a questão ambiental. Resta àpopulação se envolver, e ver isso como a realidade, e para as escolas a dica éque todos estejam preparados para sensibilizar os alunos e mostrar que o nosso planeta ainda tem jeito, e que écom pequenas ações que as coisas acontecem. Professores capacitados e envolvidos com a causa são fundamentais.
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*1 Xerófila ? planta que suporta períodos de seca prolongada.
*2 Caducifólia ?planta que, numa certa estação do ano, perde suas folhas, geralmente nos meses mais frios e sem chuva.
*3 Mananciais de áugua – fontes, superficiais ou subterrâneas, utilizadas para abastecimento humano e manutenção de atividades econômicas. As áreas de mananciais compreendem as porções do território percorridas e drenadas pelos cursos d´água, desde as nascentes até os rios e represas.
*4 Agrofloresta – sistema que reúne culturas agrícolas e culturas florestais. Usa a dinâmica de sucessão de espécies da flora nativa para trazer as espécies que agregam benefícios para o terreno assim como produtos para o agricultor.
parabem pelo trabalho de vocês
E muito importante sabe que os alunos aprendam qual a sua importancia que a caatinga tem que possa divulga para as outra pessoas.
jailda 18/02/2010
Boa tarde,
Excelente exemplo de trabalho. Chamou minha atenção o fato da professora Maria do Socorro afirmar que a divulgação midiática ocorre com intensidade, o que é mais necessário são as açoes ocorrerem, não importando dimensão, local e tempo.
Parabéns,
Eng. Agr. Daniel Dalgallo – Porto União.