[Publicado originalmente em 13 de novembro de 2014]
O trabalho continua sendo uma questão central na vida da maioria dos jovens, uma vez que, ao lado da educação, a atividade laboral é fundamental para transição para a idade adulta. No entanto, a qualidade e estabilidade do emprego ainda são problemas graves para os jovens, em especial para aqueles de mais baixa renda e escolaridade, mulheres, negros e moradores de áreas urbanas metropolitanas.
As extensas jornadas de trabalho também são um problema frequente e podem comprometer as chances de os jovens conquistarem uma realização educacional mais efetiva. Outro desafio é assegurar aos jovens trabalho decente, entendido, entre outras coisas, como aquele que respeita as normas internacionais do trabalho e assegura emprego de qualidade.
Os principais desafios relativos à inserção do jovem no mundo do trabalho são analisados nessa entrevista com Maria Carla Corrochano. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Humanas e Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – Campus Sorocaba, ela foi assessora do Programa Juventude da Ação Educativa e consultora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a elaboração da Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude.
Rede Mobilizadores – Qual o lugar do trabalho na vida dos jovens de hoje? Qual o sentido que jovens de classe média, jovens de periferias e jovens que vivem em áreas rurais atribuem ao trabalho?
R.: O trabalho é uma dimensão que permanece central na vida de muitos jovens. É certo que uma parte dos jovens brasileiros ainda continua trabalhando antes da idade legal, em um tipo de trabalho que precisa ser eliminado, mas considerando os jovens que estão em idade legal para trabalhar, há uma parcela significativa que está trabalhando ou em busca do trabalho, especialmente a partir dos 18 anos.
Ao lado da educação, o trabalho é fundamental no processo de transição para a vida adulta. São várias as pesquisas que evidenciam que o trabalho, ao lado da educação, estrutura muitas das expectativas e projetos de vida e, em geral, é a esfera onde os jovens se sentem mais solitários.
Aqui é também importante ressaltar que o trabalho pode ter múltiplos significados, que variam fortemente de acordo com a origem social, sexo, região de moradia. O trabalho como uma necessidade é mais forte para jovens de mais baixa renda, que muitas vezes precisam trabalhar para sobrevivência ou para vivência de sua condição juvenil, os jovens de classe média parecem menos premidos pela questão da necessidade. No entanto, o trabalho como possibilidade de independência tem aparecido com força entre muitos jovens, independente de sua origem social.
O tipo de trabalho realizado também tem forte relação com os sentidos atribuídos ao trabalho. Entre os jovens do campo, por exemplo, é muito diferente falar do trabalho na agricultura familiar ou do trabalho nos canaviais, fortemente marcado pela exploração e assim percebido por vários desses jovens trabalhadores.
Os jovens mais escolarizados podem perceber no trabalho uma possibilidade de realização, desde que realizado em condições adequadas e coerentes com sua formação.
Rede Mobilizadores – Segundo o relatório Tendências Mundiais de Emprego 2014 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego entre os jovens continua aumentando em todo o mundo. No Brasil, 18,4% das pessoas até 29 anos não trabalham ou estudam, segundo a OIT. Quais os reflexos sociais desse quadro e quais as possíveis soluções?
R.: São duas perguntas diferentes aqui. Em termos de desemprego e especialmente de desemprego juvenil a situação brasileira é diversa dos outros países, dada a quantidade de postos de trabalho gerados na última década no Brasil. É importante salientar que o desemprego juvenil, por uma série de razões, é sempre mais elevado do que o desemprego dos adultos em diferentes contextos, seja de crescimento, seja de crise dos empregos. Os jovens sempre são mais fortemente atingidos pelo desemprego quando há crise e menos favorecidos em momentos de expansão dos empregos.
De todo modo, a taxa de desemprego de jovens no Brasil vem decrescendo desde o início dos anos 2000, depois de um expressivo crescimento na década de 1990. Na comparação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/ IBGE), entre 2006 e 2012, cai de 17,9%, em 2006, para 14,1%, em 2012. Na comparação internacional, o desemprego juvenil no Brasil é menor que o de muitos países da Europa Ocidental, que na média gira em torno de 23%, chegando a mais de 50% na Espanha e na Grécia. A questão do emprego e do desemprego juvenil no Brasil ganha contornos muito diferentes dos outros contextos.
É preciso chamar atenção, no entanto, que os problemas do emprego dos jovens não se restringe às taxas de desemprego: a qualidade e estabilidade do emprego ainda são problemas graves para os jovens, em especial para aqueles de mais baixa renda e escolaridade, as mulheres, os negros e moradores de áreas urbanas metropolitanas. As extensas jornadas de trabalho também estão dentre as principais questões – os jovens, em média, trabalham 40 horas por semana ou mais, o que pode comprometer suas chances de uma realização educacional mais efetiva.
O caso dos jovens que não trabalham e não estudam também precisa ser observado com cuidado. Não se pode negar que existe um contingente de jovens que está fora da escola e desalentado do trabalho, mas é preciso observar duas coisas aqui: em primeiro lugar, é preciso incluir outras variáveis, tais como renda, sexo e cor/raça. Em geral, são jovens de baixa renda e de baixa escolaridade que estão nesta condição.
No entanto, um dos principais fatores está ligado ao gênero: aproximadamente 70% dos jovens que não estudam e não trabalham, chamados de “nem-nem”, são mulheres, muitas delas com filhos. Estão fora do mercado, mas trabalham muito.
Parcela importante saiu do trabalho ou da escola em função da maternidade e/ou da necessidade de assumir o cuidado com algum membro da família e encontram dificuldade para retomar essas atividades, seja porque não contam com suporte para o cuidado com os filhos/as ou outros parentes. Pode também existir casos de jovens que estão “em trânsito” – estudando para um concurso ou para o vestibular, fazendo algum tipo de curso de qualificação que não pode ser classificado como escola regular. Neste último caso, ao que parece, as estatísticas ainda têm dificuldade de tornar mais precisos os números.
Rede Mobilizadores – Quais as possíveis soluções para esse quadro?
R.: Essa situação, especialmente das jovens que desejam, mas não conseguem voltar a estudar ou inserir-se no mercado porque precisam realizar afazeres domésticos ou assumir o cuidado com filhos, é uma situação de negação de direitos – direito à educação e direito ao trabalho, que certamente compromete as trajetórias educativas e laborais.
As possíveis saídas estariam na ampliação e aprimoramento de ações públicas que pudessem ajudá-las a realizar esse direito. Há uma experiência, tal como as salas de acolhimento do Programa Projovem Urbano que parece estar funcionando: para que as jovens possam acompanhar os cursos, há cuidadores responsáveis por seus filhos e filhas enquanto estudam.
Essas iniciativas poderiam ser ampliadas, ao lado de várias outras que colaborassem para a possibilidade de conciliação trabalho e estudo, tais como criar condições de infraestrutura física e institucional para a presença de alunas gestantes e/ou em situação de licença-maternidade e após licença-maternidade nas atividades escolares e profissionais; medidas de apoio ao retorno de jovens mães ao mercado de trabalho, ou estimular formas alternativas para sua inserção ocupacional, no âmbito do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda; ampliação do número de creches e outros equipamentos voltados para o cuidado, dentre outros.
Rede Mobilizadores – O que é trabalho decente e como assegurá-los aos jovens?
R.: O Trabalho Decente pode ser compreendido como uma condição fundamental para superação da pobreza e redução das desigualdades sociais, garantia da governabilidade democrática e desenvolvimento sustentável. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a noção de trabalho decente se apoia em quatro pilares estratégicos: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; d) diálogo social.
Ao falar em trabalho decente para os/as jovens, propõe-se ações não apenas sobre a ampliação de oportunidades e apoio para obtenção de uma ocupação de qualidade, mas também sobre ações que ampliem suas possibilidades de transição no mercado de trabalho, ou seja, de construção de percursos diferentes para trajetórias ocupacionais futuras, incluindo a possibilidade de estudo.
Rede Mobilizadores – Como assegurar oportunidades para que os jovens de baixa renda tenham um trabalho decente e perspectivas de melhorar sua condição social?
R.: Vou falar das ações que foram propostas no âmbito da Agenda do Trabalho Decente para Jovens. Com apoio técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), constituiu-se um subcomitê, integrado por representantes do governo federal, das organizações de empregadores, de trabalhadores e da sociedade civil. Este subcomitê construiu uma Agenda do Trabalho Decente para Jovens e hoje está trabalhando na elaboração de um Plano de Trabalho Decente para a Juventude Brasileira.
Na Agenda e também no Plano algumas ações são consideradas prioritárias, a começar pela necessidade de continuar ampliando o acesso à educação e elevar a qualidade do ensino. No campo econômico, é fundamental estimular o investimento, proteger o emprego, garantir direitos e valorizar o salário mínimo. Ações que possibilitem conciliação entre educação, trabalho e vida familiar para os jovens que precisam e/ou desejam essa conciliação também são fundamentais.
Também é essencial ampliar e fortalecer o debate sobre as alternativas e condicionantes para a melhor inserção juvenil no mercado de trabalho; garantir as condições de participação juvenil urbana e rural nos instrumentos de defesa de direitos do trabalho, na organização sindical e nas negociações coletivas.
De maneira sintética, permanece como desafio implementar os quatro eixos que estão estabelecidos pela Agenda Nacional de Trabalho Decente para Jovens: 1) Mais e melhor educação; 2) Conciliação de estudos, trabalho e vida familiar 3) Inserção ativa e digna no mundo do trabalho 4) Ampliar o diálogo social.
Rede Mobilizadores – Quais as possibilidades de trabalho que os jovens dispõem além do trabalho assalariado?
R.: Pode-se falar que o trabalho não se restringe ao trabalho assalariado, há várias outras formas de trabalho, o trabalho cooperativo, na perspectiva da economia solidária pode ser uma forma de trabalho. Os empreendimentos em nível individual também. A grande questão é garantir, nas diferentes possibilidades de trabalho, um melhor trabalho e o acesso a outros direitos.
É preciso muito cuidado com iniciativas de apoio ao empreendedorismo individual que acabe piorando condições de trabalho, ao ampliarem a jornada de trabalho e negarem aos jovens o direito à educação, ao lazer, à cultura, etc. Muitas vezes o envolvimento com ações empreendedoras, especialmente individuais – o conhecido “negócio próprio” – é mais uma necessidade de sobrevivência do que um real desejo juvenil.
Entrevista concedida à: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa