A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá está situada em uma área de florestas alagadas na confluência dos rios Solimões e Japurá, no coração do Estado do Amazonas. Nessa entrevista, Nelissa Peralta (coordenadora do projeto de ecoturismo) e Shirlei Regina Vilar da Costa Pineiro (gerente de vendas e marketing) do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, nos contam as principais características de um projeto de ecoturismo desenvolvido no local, que concilia a conservação do meio ambiente com a criação de oportunidades de geração de renda para a comunidade.
Mobilizadores COEP – O que levou o Instituto de Desenvolvimento sustentável Mamirauá a promover o ecoturismo? Por que ele é visto como uma estratégia para a sustentabilidade da comunidade?
R. O principal objetivo do Ecoturismo é promover a conservação dos recursos naturais servindo como fonte de renda alternativa para as populações moradoras da unidade de conservação A atividade foi integrada na Reserva Mamirauá em 1998, como uma alternativa econômica para as comunidades locais, pois é considerada de baixo impacto ambiental e utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural; incentivando sua conservação; buscando a conscientização ambientalista através da interpretação do ambiente; e promovendo o bem estar das populações envolvidas no Mamirauá. Inicialmente, existiam quatro comunidades envolvidas com o programa de Ecoturismo. Suas populações desenvolviam atividades econômicas voltadas para o consumo próprio ou para venda no mercado, como: pesca, agricultura familiar e extração de madeira, dependendo da estação do ano. O Ecoturismo não foi idealizado para substituição destas atividades, mas sim para agregação de mais uma de fonte de renda às populações locais, ampliando o leque de oportunidades para tal, bem como, visando minimizar quantitativamente a dependência das espécies tradicionalmente exploradas, almejando a redução da pressão humana sobre o ambiente daquela zona específica. A hospedagem dos ecoturistas, hoje, é feita no Pousada Uacari, que se localiza no interior da floresta e a prestação de serviços é feita por pessoas residentes nas comunidades, que são alocadas conforme o número de turista e com base num sistema de rodízio estabelecido pela Associação de Guias e Auxiliares de Ecoturismo do Mamirauá (AAGEMAM). Estas pessoas são treinadas/capacitadas extensivamente pelos membros do programa e pela AAGEMAM através de cursos, oficinas e intercâmbios. Grande parte dos mantimentos destinados ao consumo dos visitantes é oriunda das comunidades, como: verduras, frutas, pescado e carne. Outra forma de geração extra de renda advinda do Ecoturismo é o artesanato. O visitante, quase sempre, deseja levar uma lembrança do local visitado e o artesanato local é escoado mais rapidamente para diversas partes do mundo. Além destes benefícios econômicos, como prestação de serviços, venda de alimento e artesanato, a cada ano, o projeto de Ecoturismo produz excedentes que são divididos entre as sete comunidades da Reserva que formam o Setor Mamirauá. Metade dos excedentes é aplicada em benefício das comunidades e de seus moradores, enquanto a outra metade custeia o sistema de fiscalização do setor.
Mobilizadores COEP – Quais são as características da população de Mamirauá e do meio ambiente local? O que é oferecido aos turistas e o que mais os atrai?
R. A população das comunidades visitadas não é indígena, é ribeirinha e/ou cabocla. Sua cultura é bem diferenciada da urbana, e é necessário estar atentos a essas diferenças. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá está situada na região do Médio Solimões, na confluência dos rios Solimões e Japurá. Esta é a maior reserva existente dedicada exclusivamente a proteger a Várzea Amazônica. É considerada uma área alagada de importância internacional e inscrita como um dos sítios brasileiros da Conservação Ramsar das Nações Unidas. A principal característica ambiental desta região é a grande variação no nível das águas dos rios ao longo dos meses. Podendo chegar a variar, anualmente, 12 metros entre a estação da seca e a cheia. Mamirauá é um local ideal para observar a flora e fauna. A observação dos animais é fácil durante o ano todo. Porém, algumas espécies tornam-se mais visíveis de acordo com a estação. A estação seca (setembro a março) oferece o grande espetáculo dos peixes e seus predadores concentrados num menor volume de água. Durante essa estação, milhares de aves aquáticas migram para os lagos da Reserva Mamirauá, onde outros predadores, como o jacaré-açu e o boto cor-de-rosa também se concentram para se alimentar, devido a grande abundância de peixes na área. Nesta época, as trilhas podem ser percorridas a pé, em pequenos grupos acompanhados pelo guia local. Na misteriosa cheia (abril a agosto), o nível da água sobe, alagando toda a área. As trilhas são percorridas em uma canoa com capacidade apenas para dois visitantes e um guia. O turista fica mais perto das copas das árvores em um ambiente totalmente diferente, dividindo o espaço com bromélias, insetos e pequenos répteis. Ambas as estações oferecem ótimas chances de encontros com bandos de guaribas (que acordarão o visitante com seus concertos matinais), uacaris-branco (a espécie endêmica da Reserva), macacos-de-cheiro e preguiças, além de muitas espécies de aves e animais aquáticos como o boto cor-de-rosa e o pirarucu. Os atrativos turísticos naturais, culturais e científicos combinam-se proporcionando ao visitante uma experiência diversificada e intensa. O principal atrativo da área é sua vida selvagem abundante, resultado de 15 anos de conservação. O guia de viagem Lonely Planet (2002) considera a Reserva Mamirauá um dos melhores lugares para observação de fauna em toda a Amazônia. Outro forte atrativo é a qualidade das informações sobre a fauna, flora e ecologia da várzea Amazônica. Um conjunto de guias locais e naturalistas (este último bilíngüe) são os olhos e ouvidos na floresta, ajudando o visitante a interpretar e entender o ambiente e suas interações ecológicas. A programação em Mamirauá oferece atividade que incluem passeios com guia locais em canais, lagos e trilhas para observação da fauna amazônica. São promovidas palestras sobre o ecossistema, sobre as principais espécies encontradas e sobre o trabalho de manejo sustentável na Reserva.Visitas às comunidades ribeirinhas, que utilizam e manejam seus recursos naturais de forma sustentável, também fazem parte da experiência. Nas comunidades, os visitantes têm oportunidade de conhecer o dia-a dia do ribeirinho e visitar a Associação de Artesãos e Artesãs, além de conhecer o trabalho de um projeto de conservação pioneira no Brasil. Existem pacotes de três, quatro e sete noites com saídas semanais pré-determinadas, que incluem translado a partir da cidade de Tefé, pensão completa, hospedagem, serviços de guias locais naturalistas, bem como passeios da programação padrão.
Mobilizadores COEP – Como foi o processo de envolvimento da comunidade e como é a sua participação no Ecoturismo? Que tipo de retorno financeiro a comunidade obtêm? Esse retorno é suficiente para torná-la autônoma?
R. Antes da implementação do projeto de Ecoturismo na Reserva Mamirauá, em 1996, a população local residente da área demonstrava baixos níveis de qualidade de vida, com altas taxa de analfabetismo e índices de mortalidade infantil que chegavam a 86 óbitos em cada 1000 nascidos vivos. Promovemos, então, estudos de viabilidade e planejamento turístico; implantação de infra-estrutura de mínimo impacto; geração de benefícios sócio-econômicos para a população local; promoção da capacitação do pessoal local e sua organização comunitária, assim como o monitoramento ambiental e social para minimização dos impactos gerados pela atividade. A partir de 2001, a Pousada Flutuante Uacari passou a receber os hóspedes que visitam a Reserva. Os residentes das comunidades que participam das atividades de ecoturismo envolvem-se no projeto através da venda de alimentos, artesanato, prestação de serviços como guias, gerentes, supervisores, camareiras, copeiras, cozinheiros, barqueiros, e na tomada de decisões através da AAGEMAN, que é a pessoa jurídica contratada para enviar prestadores de serviços à Pousada e conta com 50 associados. A AAGEMAN é um importante interlocutor e informa as necessidades e anseios das comunidades em relação ao Ecoturismo, mas também promove a conservação e o uso dos recursos naturais do local. O ecoturismo não foi idealizado para substituir as atividades produtivas tradicionais como a pesca e a agricultura, mas sim, para ser uma fonte de renda extra para a população local. As duas atividades que mostraram maior sinergia com o Ecoturismo foram a venda de artesanatos e a produção de alimentos. Desde 2002, a Pousada Uacari vem produzindo excedentes que são divididos entre as sete comunidades envolvidas na reserva. Metade dos excedentes é aplicada em benefício das comunidades e de seus moradores, enquanto que a outra metade custeia projetos desenvolvidos pelas comunidades como: compra de barcos; construção de centro comunitário; rádio de comunicação; etc. Do ano de 1998 para cá, o projeto de ecoturismo gerou R$ 631.000,00 em serviços e produtos e divisão de lucros. Com forte base comunitária, boa posição no mercado e bons resultados financeiros, o projeto tem grande possibilidade de continuar em ascendência, conservando a natureza, apresentando-se como alternativa econômica de geração de renda aos moradores da área. Pórem, para isso, a atividade deve vencer seus principais desafios, como a implantação da gestão comunitária do empreendimento, a sustentabilidade da qualidade dos serviços e produtos, bem como a viabilização da continuidade das atividades produtivas tradicionais para evitar a total dependência local ao mercado internacional de ecoturismo.
Mobilizadores COEP – Quais são os benefícios que a interação cultural promovida pelo ecoturismo gera para os visitantes e para as comunidades? E quais são os principais problemas e como eles são contornados?
R. A idéia de oferecer esta oportunidade de interagir com a população local surgiu porque houve interesse por parte dos próprios ecoturistas de conhecer tanto a população quanto a interação do Projeto Mamirauá com as comunidades. Eles têm a intenção de conhecer como vivem os moradores e o que fazem; como é a relação das comunidades com a natureza, suas crenças e costumes. Além disso, houve interesse da população local em ter contato com os visitantes da reserva, entendendo que se beneficiaria com a troca de experiências e venda de produtos, pois, é nesta ocasião que o principal produto (artesanato) é ofertado ao ecoturista. A interação ecoturista/ população local traz muitas vantagens. E, sem sombra de dúvida, a que mais chama atenção realmente é a renda que pode trazer para o local. O ecoturismo almeja a natureza bem conservada, portanto, as pessoas que recebem benefícios são incentivadas a dar continuidade à conservação da área e dos animais, pois é com eles que se obtém uma fonte de renda extra. Além disso, para o desenvolvimento do ecoturismo, é necessária muita capacitação para a população local. Os moradores são capacitadas através de cursos, oficinas e intercâmbios e ganham mais experiências. O modo de vida tradicional e a história local são também valorizados, pois os turistas se interessam em conhecer mais sobre a cultura local. Entretanto, há uma série de cuidados necessários a fim de se evitar um impacto social negativo proveniente destas visitas, uma vez que o número de turistas que visitam, ao mesmo tempo, a reserva, pode causar danos ao meio ambiente; e o comportamento dos turistas em relação às comunidades também pode ser considerado um fator prejudicial. Para contornar esses problemas, as visitas ocorrem com grupos de no máximo cinco pessoas, e há um rodízio entre as comunidades visitadas com intuito de reduzir o impacto social.
Mobilizadores COEP – Toda atividade turística gera impacto, benéfico ou não, no ambiente e nas comunidades envolvidas. Vocês realizam algum tipo de acompanhamento/monitoramento desses impactos, tanto no meio ambiente quanto na comunidade? E é realizado algum tipo de controle de visitação?
R. O monitoramento ambiental é realizado desde 2002 na Pousada Uacari. Monitoramos a fauna nas trilhas utilizadas pelos ecoturistas, para observar se algum impacto negativo está sendo gerado, afugentando os animais. Selecionamos trilhas com um alto grau de impacto (as que são mais utilizadas pelos turistas) e trilhas de controle, onde somente os pesquisadores envolvidos são autorizados a entrar. O monitoramento da fauna envolve os guias locais, que são selecionados e treinados para trabalhar no projeto como auxiliares de campo dos pesquisadores. Além do monitoramento da fauna, fazemos também o monitoramento da água e de todo os sistemas da Pousada (energia solar, filtro de dejetos, sistema de compostagem). Os resultados do monitoramento de fauna (apresentados em artigo científico aceito em uma revista internacional) apontam que até o momento a presença de turistas nas trilhas não afetou a fauna local. Os procedimentos adotados pela administração da Pousada parecem estar sendo eficazes.
Mobilizadores COEP – Qual é sua opinião sobre a limitação do número de visitantes a determinadas localidades, como é realizado na Ilha do Mel, no Paraná, na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e em outros locais turísticos? Você acredita que tal medida tem resultado no que diz respeito à conservação do meio ambiente? E em relação ao turismo, pode ser inibidor da atividade?
R. A administração da pousada e os pesquisadores envolvidos estabeleceram um número máximo de turistas por trilha, a fim de evitar que seja gerado um impacto muito grande. Também temos um rodízio entre as trilhas, para não provocar uma sobrecarga no seu uso. O número máximo de turistas que permitimos são 20, devido às instalações que temos. Os dados do monitoramento de fauna mostraram que este número máximo de turistas na pousada e o número limitado por trilha estão sendo eficazes no que diz respeito à geração de impactos negativos ao meio ambiente. Acreditamos que um limite de visitantes para áreas de conservação do meio ambiente é de extrema importância. E, de fato, este limite não chega a ser um inibidor, pois o público-alvo é seleto. O ecoturista viaja principalmente por causa da natureza, para ver a fauna e a flora, bem como conhecer as crenças e costumes dos lugares que visita. Os ecoturista no Brasil geralmente são universitários (75% têm curso superior) e têm idades entre 25 e 55 anos. Geralmente, têm renda mais alta que outros turistas e não se importam em pagar um pouco mais para visitar um lugar muito especial. Apenas 6% (400 mil) dos turistas estrangeiros que visitam o país viajam para a Amazônia (Embratur, 2003). Então, podemos dizer que o mercado não é muito grande. A média de visitantes por grupo situa-se entre 6 a 7 pessoas.
Me preocupo muito com a biodiversidade da Amazônia, no entanto, o ecoturismo voltado para o desenvolvimento sustentável da região é uma prática louvável para a geração de renda das famílias que habitam na região.
Toninho Soeiro, da cidade de Vigia – PA.
O ecoturismo é uma da mais inteligentes forma de apropriação do espaço: nosso país precisa de alternativas como estas para que nosso povo se aproprie das suas riquezas. Quando nos apropriarmos de toda a nossa biodiversidade seremos mais fortes. E o eco-turismo é uma estratégia de vigilância, que se for bem planejado e gestado é arma imprescindível para nosso desenvolvimento e soberania. É também é espelho da nossa educação, de nosso projeto de nação. O ecoturismo reflete um olhar refinado de gestao. è estratégico. Quando mostro, produzo e dou prazer sem agradir o curso e o processo de vivência das espécies (vegetais e de outros animais) estou permitindo que a espécie humana tenha mais longividade.
A flora e fauna amazonica sempre foram produtos turisticos mal explorados. Constituem-se em uma riqueza sem precedentes, capazes, se bem trabalhadas de atrair divisas e possibilitar grandes oportunidades de trabalho e renda. O aproveitamento do conhecimento tácito do nosso caboclo e da cultura, como produtos de grande potencial para a atração de turistas ainda é pouco explorado.
o ecoturismo é sempre uma alternativa interessante. Encaminhei essa matéria para o nosso setor de pesca amadora, pois é de interesse, sobretudo, deles.
obrigado,
Ivo.
Muito interessante esse ecoturismo que é desenvolvido nessa região da Amazônia exemplo a ser seguido por outras comunidades.
Muito bacana
Parabens por esse trabalho
Dorotéia
Limoeiro do Norte,Ce
Muito bom.
Atualmente,as questões conservacionistas estão sendo amplamente discutidas. O declínio das florestas tropicais, a extinção das espécies, o aquecimento global e a degradação do solo estimularam o apoio da opinião pública em favor da conservação. O interesse pelo Ecoturismo e pelo turismo de natureza coincidiu com essa preocupação mundial.
O ecoturismo é uma ótima solução para preservação ambiental. Várias regiões do pais poderiam ser aproveitadas desta forma. Perto de cada um de nós sempre tem algum local adequado. Basta procurar, desenvolver um bom projeto e acompanhar os resultados. Não é fácil, mas normalmente é a solução mais sustentável.