A busca pelo autoconhecimento, vivência do trabalho em conjunto e da participação, respeito aos ritmos da natureza. Estas são algumas das linhas que norteiam as atividades do Jardim-Escola Michaelis, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, e que tem suas diretrizes pautadas na Pedagogia Waldorf. A filosofia desenvolvida no início do século passado, atualmente aplicada em centenas de escolas no mundo inteiro, é embasada na concepção de desenvolvimento do ser humano, que leva em conta as diferentes características das crianças e jovens, segundo sua idade aproximada. Um mesmo assunto é abordado várias vezes durante o ciclo escolar, mas nunca da mesma maneira, e sempre respeitando a capacidade de compreensão da criança.
Nesta entrevista, a professora e coordenadora da escola, Ana Carina Cohen, faz questão de esclarecer que todo o trabalho desenvolvido é resultado de ações conjuntas. A gestão é feita de forma participativa e serve como exemplo para que os alunos percebam a importância das ações coletivas. ?Este sentido de viver em comunidade é bem trabalhado?, ressalta.
As ações socioambientais também se destacam na orientação dos alunos e são desenvolvidas de acordo com cada época do ano. ?Vivemos, hoje, em um mundo no qual o tema central é a questão ecológica. Estamos em um momento bem intenso em que isso precisa ser muito bem cuidado. Cada escola precisa encontrar maneiras de conduzir esta construção e realizar a manutenção desses processos, através da implementação de ações viáveis?, afirma a coordenadora. Mobilizadores ? No que se baseia e quais os diferenciais do método de ensino aplicado no Jardim-Escola Michaelis ?
Costumamos dizer que a Pedagogia Waldorf aplicada na Michaelis não é um método, mas uma filosofia pautada na Antroposofia [do grego “conhecimento do ser humano”], desenvolvida pelo austríaco Rudolf Steiner (filósofo, cientista e artista austríaco), e que tinha a intenção de trazer para o mundo a busca pelo conhecimento do homem.
Em 1919, em Stuttgart, na Alemanha, Steiner foi convidado por Emil Molt, proprietário da fábrica de cigarros Waldorf-Astoria, para uma série de palestras para os trabalhadores de sua fábrica. Como resultado, os trabalhadores pediram a Steiner que fundasse e dirigisse uma escola para seus filhos. Emil Molt apoiava e financiava a concretização da ideia. Steiner concordou, mas estabeleceu algumas condições como: a escola ser aberta, indistintamente, para todas as crianças; ter um currículo unificado de 12 anos; os professores serem também os dirigentes e administradores; ser mínima a interferência governamental e não houver preocupação com objetivos lucrativos.Desta forma, é importante destacar que essa pedagogia nasceu de um curso social, na intenção de promover uma outra relação com a gestão, com a participação de pessoas dentro de um organismo social. E aplicamos isso dentro da escola. A maioria das escolas Waldorf são unidades associativas. APAM – Associação Mantenedora, Pais e Professores
Nesta estrutura, a gente tem uma trimembração desse organismo, com o grupo de pais, de professores e a associação pedagógica mantenedora que geralmente é formada por pais e professores eleitos em assembleia, e que ajudam a administrar a escola. Nossa intenção é que estas três instâncias estejam sempre criando pontes para se comunicar, contribuindo para que o processo aconteça.
Os professores cuidam do aspecto pedagógico da unidade. Além de formação universitária, eles têm uma formação específica em Pedagogia Waldorf, que é um curso de quatro anos, bem profundo e artístico. Em outra esfera, temos o Conselho de Pais que é formado por dois representantes de cada turma. A intenção é que eles façam uma espécie de Ouvidoria desses responsáveis para que as questões levantadas sejam encaminhadas ao setor específico, já que a nossa escola é toda organizada em comissões de trabalho.
Temos, por exemplo, as Comissões de Obras e Manutenção, de Saúde, Segurança e Meio Ambiente, de Remuneração, de Bolsas, de Compras, ou seja, várias que se reúnem e agilizam para gerir a escola.
Um ponto que podemos observar também é que temos um tempo diferenciado no sentido da execução das ações. Não é como uma escola particular tradicional onde a gente chega, fala com o diretor e a coisa é resolvida. Pelo fato de todo mundo fazer parte dessa gestão, e todos serem um pouco ?donos? da escola, a gente caminha por algumas instâncias antes de tomar uma decisão, ou até optamos por um caminho mais curto, quando delegamos a incumbência a um grupo com autonomia, nos casos emergenciais. Isso é um outro diferencial da nossa pedagogia no âmbito social, e que pretende trazer para as crianças a vivência de que é possível fazer um trabalho juntos, construindo a partir da contribuição de todos. Este sentido de viver em comunidade é bem trabalhado.Mobilizadores ? Diante desta linha pedagógica, como se dá o desenvolvimento curricular dos alunos ?Dentro dessa esfera pedagógica, temos como espinha dorsal do trabalho o fato de termos um currículo artístico. Entendemos que existem fases de desenvolvimento humano e, na Antroposofia, existe um estudo profundo nesse sentido, sobre cada ritmo, cada processo que o ser humano passa dentro da sua biografia. Em nossa concepção, de sete em sete anos os processos mudam e ganham qualidades diferenciadas. Ou seja, uma criança, por exemplo, nos sete primeiros anos tem conquistas dentro do seu aspecto físico, dos sete aos quatorze ela vai conquistar mais no âmbito do sentimento e no próximo período, dos quatorze aos vinte e um anos de idade, no sentido do pensar.
Assim, nossas atividades estão muito conectadas à natureza do desenvolvimento humano. Logo, uma professora de Jardim de Infância vai ter uma atuação bem diferenciada de uma de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio. Através deste currículo artístico buscamos orientar nossas matérias.
Falando-se mais claramente, por exemplo, no caso do Ensino Fundamental, temos um professor de classe que irá acompanhar esta turma por oito anos e dar todas as disciplinas para esta criança a partir do artístico. Evidentemente, ao longo deste processo, este orientador vai ganhando suporte de outros professores, a exemplo das disciplinas de línguas estrangeiras (em geral inglês e alemão), trabalhos manuais, religiosidade, entre outras.
Com este acompanhamento cultivamos vínculos, tanto entre o professor e os alunos, quanto entre o professor e as famílias ao longo deste período, possibilitando estar lado a lado neste contexto de conquistas e superação de desafios.
Outro detalhe importante é que, em nossa escola, o ensino é organizado em épocas dentro do Ensino Fundamental e Médio, nas quais centralizamos determinados conteúdos para os alunos. Temos ?Época de Matemática?, ?Época de Português?, ?Época de Geografia?, ?Época de História?, entre outras. Dentro de cada uma, o professor da matéria e os demais trabalharão, em todas as esferas artísticas, o conteúdo em questão. Por exemplo, em determinada época, teremos Matemática e Música, Matemática na Dança, Matemática nos Trabalhos Manuais.
Existe bastante autonomia dentro da sala de aula e uma troca muito intensa entre os professores. Enfim, nossa pedagogia também tem como uma de suas primazias o processo de autoeducação do professor. Ele precisa buscar ser um exemplo para seus alunos através de tudo que faz, pensa e sente. O que é passado precisa ser bem vivo e intenso.Mobilizadores ? Dentro deste contexto vivenciado na Michaelis, em que fase é tratada a questão da inserção do aluno na era tecnológica?
Nossa visão a respeito desta questão é a de que é importante entender o que precisa ser vivenciado pelo indivíduo em cada fase do seu desenvolvimento. Desta forma, por exemplo, não trazemos para o Jardim de Infância nada que não tenha a ver com isso, ocorrendo o mesmo nos Ensinos Fundamental e Médio.Olhamos para as crianças do Jardim de Infância e buscamos ter um cuidado de não trazer elementos da mídia prontos que possam induzir a um formato ?X? do que possa ser feito.Não trazemos para a sala de aula do Jardim, em nenhuma hipótese, livros, coisas escritas, letras e números. Esperamos que isso surja da criança enquanto interesse e que, será lapidado no ensino fundamental, quando começa a alfabetização formal.
Além disso, existe um momento da vida dela em que a manifestação do interesse é tão grande, de forma que algumas chegam até a se alfabetizar sozinhas. É muito comum vermos isso. Enfim, nossa intenção é que as crianças vivenciem suas fantasias de uma forma mais viva e com menos interferência externas.
Entendemos que o processo de trazer o computador para dentro da sala de aula precisa fazer muito sentido, pois estamos lidando com crianças que ainda estão começando a se relacionar com o mundo, tanto no aspecto físico, quanto emocional e do pensamento. Elas precisam antes entrar em contato com as coisas que vivem dentro do corpo dela para depois ter outros tipos de relações, sem que as coisas já venham prontas e acabadas, com formato forte e definido. Buscamos a construção do conhecimento sobre estas questões.
Antes de ter o contato com o computador é preciso que a criança tenha a vivência de como isso funciona, de como a informação chega dentro deste equipamento, para que consiga compreender que esta virtualidade é uma construção humana e que não se sobrepõe ao indivíduo.
O caminho escolar construído tem o objetivo de dar ferramentas que viabilizem a autonomia e a construção do conhecimento. A ideia é de que o computador chegue no momento em que o aluno já conseguiu entender esta relação, o que se dá, em geral, no Ensino Médio.Mobilizadores ? Então, ao contrário do que ocorre em muitas escolas, a inserção do aluno neste mundo virtual, na Michaelis, exige antes este processo de integração e aprofundamento do conhecimento ?
Sim. Mas isso tudo ocorre através de um processo muito orgânico; não tem um caráter explicativo durante muito tempo. Somente após um determinado período é que passamos a desenvolver um trabalho em que as crianças busquem as suas próprias perguntas e ao mesmo tempo encontrem as respostas junto com o professor que vai orientando. Costumamos dizer que este professor vai só conduzindo o aluno para o seu caminho individual, sem marcações fixas através de coisas prontas. Mobilizadores ? Como é feito para que estas atividades desenvolvidas em sala de aula, a rotina diferenciada e esta pedagogia sejam levadas também para dentro da casa dos alunos?
Nossa intenção é que o trabalho seja feito junto com os pais. Eles costumam estar muito presentes neste contexto da escola, até por fazerem parte da organização, conforme dito anteriormente. Contamos com eles para a realização de mutirões, por exemplo, para a construção de brinquedos, a jardinagem ou mesmo para resolver um problema na caixa d´água. Esta aproximação facilita muito a interação.
Além disso, pelo fato do professor fazer esse acompanhamento da turma durante um bom tempo, ele se vincula de uma maneira muito forte com as famílias. Costumamos dentro do Jardim de Infância fazer visitas à casa de cada criança, fortificando a ligação dentro do ambiente familiar.
É importante pontuar que não existe um ?modelo? de pai ou mãe Waldorf e nem pretendemos que exista. A intenção é fazer com que os pais percebam que o mais importante é que eles abram espaço para se autoeducarem a cada momento, entendendo processos antes não assimilados. Mobilizadores ? E como é o cotidiano das crianças na Michaelis?
Dentro do Jardim de Infância temos um dia a dia pautado na observação e na vivência de atividades através dos ritmos. Temos um grande ritmo anual que são as estações, e cada uma corresponde a uma respiração, com momentos que são mais para fora e outros que são mais para dentro. O Verão e a Primavera são impulsos da natureza totalmente para fora, em que as flores se abrem, o sol está muito intenso, é um momento de exalar do meio. Já o Outono e o Inverno são momentos de inspiração, tanto na natureza quanto nas pessoas.
Durante uma semana, por exemplo, as crianças vão vivenciar sempre as mesmas atividades. Na segunda-feira, elas irão fazer o pão junto com o professor, colocam para assar e comem no dia seguinte. Ou seja, temos o período de preparação e da espera para comer este alimento. É uma prática muito preservada dentro da escola, um processo com início, meio e fim.
Na terça-feira temos a realização de trabalhos manuais; na quarta-feira as crianças fazem aquarela; na quinta-feira trabalhamos com desenhos e, na sexta-feira, temos a culinária. Todas estas atividades se repetem até o fim do ano, ganhando uma face diferente de acordo com a época trabalhada e às necessidades do próprio grupo.
A repetição traz segurança para a criança. Preconizamos isso, com a adição de cores, tons, músicas, estórias, gestos, elementos da natureza diferentes ao longo do processo. O Ensino Fundamental e Médio também têm esta orientação, com outra qualidade, não tanto física em termos do ambiente. Os alunos vão, por exemplo, chegar pela manhã e recitar versos, depois terão a aula principal. Em seguida, vão ter uma aula artística, em seguida voltam à principal. O ritmo vai se repetindo, igualmente.
Também temos a aplicação do ritmo durante o dia, com a expansão e a contração. As crianças começam dentro das salas de aula, depois vão para fora, voltam para dentro, vão para fora e terminam dentro. Esse entendimento da respiração como a base do ritmo delas é que traz a segurança e a vitalidade experimentadas a cada momento. Mobilizadores ? Existe o desenvolvimento de atividades socioambientais?
Desenvolvemos ações neste sentido de acordo com o que está sendo trabalhado em cada época do ano. Se o Outono é a época em que a terra está sendo preparada para receber uma semente que será cultivada, culminado em uma colheita do milho, por exemplo, que será vivenciada na Festa de São João, buscamos experimentar isso dentro de um microcosmo. Aqui, neste espaço no qual estamos há pouco tempo (Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro), ainda não dispomos de grandes espaços que permitam vivenciar tudo o que sonhamos. Estamos nos estruturando, tentando adequar o espaço aos nossos objetivos. Muitas escolas Waldorf têm espaços bem bacanas, com florestas, hortas, viabilizando uma vivência ampla e intensa.
Aqui, por ser uma área urbana, vivemos algumas limitações. Diante disso, procuramos desenvolver ações junto com os pais voltadas para a questão socioambiental. No início do ano, fizemos um mutirão para compostagem, utilizando os restos de legumes e frutas que as crianças consomem aqui.
Os alunos visitam periodicamente este espaço, colocam o material, reviram e dão continuidade ao processo. O adubo provavelmente será usado mais tarde, a partir do momento em que criarmos uma horta.
Mesmo com as limitações, temos muitas possibilidades em vista, a exemplo da utilização da água das chuvas, do uso racional do recurso natural, entre outras. Vivemos, hoje, em um mundo no qual o tema central é a questão ecológica. Estamos em um momento bem intenso em que isso precisa ser muito bem cuidado. Cada escola precisa encontrar maneiras de conduzir esta construção e realizar a manutenção desses processos, através da implementação de ações viáveis.
Estamos sempre buscando saídas e alternativas. Se não temos espaço para uma horta no chão, por que não construir uma horta vertical? A intenção é que ao longo do tempo façamos a inserção destas atividades em nosso espaço, abarcadas por todo o conjunto da comunidade escolar.Mobilizadores ? Como é o cardápio dos alunos durante a semana?
Aqui, nossa alimentação é ovolactovegetariana. Não consumimos carne dentro da escola, e consumimos o ovo e derivados do leite. O cardápio do almoço é praticamente todo orgânico. Segue as épocas do ano e tem o acompanhamento de uma nutricionista que faz um trabalho voluntário, juntamente com um médico antroposófico.
Nos lanches, é bom citar que cada turma tem o calendário das frutas e, semanalmente, uma família de cada criança traz as frutas para todos os alunos da turma. Por exemplo, a família da semana irá trazer banana na segunda-feira, maçã na terça-feira, etc. Sempre uma fruta para cada criança para que todos comam. É sempre um momento em que a criança estará ?presenteando? os amigos da turma com as frutas prediletas dela.
Junto com esta fruta também servimos, diariamente, um tipo de chá e um tipo de cereal. A segunda-feira é um dia regido pela Lua, que tem a ver com o crescimento do arroz. Logo neste dia servimos arroz integral com gersal.
Terça-feira é dia de Marte que rege o centeio, colocado no pão no dia anterior e que é ingerido posteriormente. Na quarta-feira servimos o aipim cozido; quinta-feira é o centeio usado no pão preparado um dia antes e, por fim, na sexta-feira servimos aveia. Mobilizadores ? Quais os principais resultados observados na formação do aluno inserido neste contexto de desenvolvimento aplicado na Michaelis ?
Tenho a sensação de que as crianças aqui conseguem construir uma autonomia muito grande. Pelo fato de existir uma flexibilidade dentro deste lúdico, do aspecto de como trazer o conteúdo sem que seja algo já elaborado, exigindo muitas vezes a criatividade do aluno que coloca a sua própria identidade neste processo, isso permite uma maior adaptabilidade. É um diferencial.
Além disso, observo nos ex-alunos que, vez ou outra, nos visitam, a conquista de uma autoconfiança bem estruturada. Eles percebem que tiveram uma educação diferenciada. Mesmo em outras unidades conseguem se adequar e se posicionar, sem receios ou ansiedade diante do que o mundo pede.
O que esperamos é que o caminho buscado aqui permita a formação desta estrutura sólida para os nossos alunos, cultivando um sentimento de descoberta de suas missões pessoais e novas soluções para os problemas que o sistema apresenta. —————————–Entrevista para o Grupo Promoção da EducaçãoConcedida à: Marcelo CopelliEditada por: Eliane Araujo.