Um modelo inovador de educação profissional, voltado à transformação dos recursos florestais em bens sociais, vem transformando a vida de jovens da Amazônia.
Nesta entrevista, Charlene Ribeiro, coordenadora de projetos da Oficina Escola de Lutheria na Amazônia (OELA) – primeira escola do mundo a ter madeiras amazônicas certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC) -, explica como funciona a iniciativa e de que forma as artes milenares da lutheria (construção e manutenção de instrumentos musicais) e da marchetaria (emprego de madeiras incrustadas, embutidas ou aplicadas, em peças de marcenaria, formando desenhos variados) estão sendo disseminadas entre jovens de comunidades de baixa renda da zona leste da cidade de Manaus (AM), retirando-os das ruas, ensinando-lhes um ofício, e lhes oportunizando novas chances de inserção socioeconômica. Realizada há mais de uma década, a iniciativa já atendeu a cerca de 40 mil jovens.
Mobilizadores COEP -A exploração madeireira tem sido um importante vetor de degradação socioambiental da Floresta Amazônica. Neste sentido, quando e como surgiu a Oficina Escola de Lutheria na Amazônia (OELA)?
R.: No final de 1997, o professor do Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas, Iuthier Rubens Gomes, incomodado com as manchetes diárias dos jornais de circulação na cidade de Manaus, mais precisamente os da periferia da Zona Leste da cidade, onde ocorria um movimento de extrema violência entre adolescentes, decidiu ir morar no bairro do Zumbi dos Palmares II, por ser uma comunidade com cenário de flagelo social. A realidade vivida pela comunidade era de total ausência de Estado, e de políticas públicas que viessem a preencher as expectativas de desenvolvimento humano. Tal realidade culminou na proposta de criar uma alternativa positiva para retirar parte destes adolescentes e jovens das ruas, e que viesse fazer a diferença em suas vidas.
Desta forma, em 5 de janeiro de 1998, o professor foi residir no Bairro do Zumbi, e criou a OELA, que, no dia 20 de março do mesmo ano, iniciou suas atividades pedagógicas com o Curso Básico de Lutheria. Este curso seguiu um modelo inovador de educação profissional, voltada para a transformação dos recursos florestais em bens sociais, tendo como ferramentas duas artes milenares: a lutheria e a marchetaria.
Mobilizadores COEP – Qual o objetivo da OELA e a que público é voltado? Que tipos de atividade são desenvolvidos pelos integrantes?
R.: A OELA tem como objetivo desenvolver ações voltadas à educação profissionalizante de adolescentes e jovens da Amazônia, respeitando os princípios da utilização racional e sustentável dos recursos naturais da região, contribuindo para a formulação de políticas públicas que atendam aos direitos e necessidades deste segmento populacional, e contribuindo para o seu bem estar socioambiental, através da formação de cidadãos aptos e comprometidos com a causa.
No programa educacional, são oferecidos os cursos de lutheria, informática básica e avançada e acesso gratuito à internet no Telecentro OELA Virtual. A OELA disponibiliza também a alunos e comunidade apoio pedagógico, oficinas de educação ambiental e teoria musical.
Na sede da OELA, chamada de Unidade I, adolescentes e jovens, na faixa etária de 15 a 21 anos, participam do Curso Básico de Lutheria. Com duração de um ano, os módulos são disponibilizados três vezes por semana, sendo aplicado nas segundas, terças e quartas feiras e complementados nas quintas e sextas-feiras com disciplinas de Educação Ambiental, Teoria Musical e Informática, disciplinas fundamentais na formação integral do luthier.
Também temos o Curso Básico e Avançado de Informática, que objetiva oportunizar qualificação para o mercado de trabalho e inserção no mundo tecnológico a adolescentes e jovens da periferia da zona leste de Manaus.
No Atelier OELA, Unidade II, localizado no Distrito Industrial de Pequenas e Micro Empresas (DIMPE), o objetivo é montar uma produção de instrumentos musicais OELA, proporcionando geração de renda para os formandos e sustentabilidade para o projeto.
A iniciativa conta ainda com a Unidade itinerante Barco-Escola Educador, que desenvolve ações de sensibilização e capacitação em manejo florestal sustentável em comunidades tradicionais de Boa Vista do Ramos (AM).
Mobilizadores COEP – O que é lutheria? E a marchetaria?
R.: Lutheria é a arte e a ciência de confeccionar instrumentos musicais de cordas dedilhadas, que, historicamente, era passada de pai para filho. Já a marchetaria é a arte de incrustar desenhos em madeira, sendo que a grande contribuição dessa técnica é um melhor aproveitamento no uso de uma árvore, reduzindo o desperdício.
A OELA propõe uma mudança na relação dessas artes com a educação, promovendo a popularização deste ensino, fazendo com que não apenas um pequeno grupo detenha este conhecimento, mas tornando-o acessível a qualquer um que tenha interesse.
COEP – A indústria de instrumentos musicais apresenta uma grande demanda por madeiras para confeccionar instrumentos. Que alternativas são viáveis a esta indústria para que não contribua para a degradação das florestas?
R.: Consumir matéria prima com critérios socioambientais, dando preferência às espécies de madeiras amazônicas certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC), oriundas de áreas com manejo florestal ambientalmente adequado, socialmente justo e economicamente viável. A FSC difunde o uso racional da floresta, garantindo sua existência no longo prazo, e o seu selo verde é o mais reconhecido em todo o mundo, com presença em mais de 75 países e todos os continentes.
Mobilizadores COEP ? Quais as principais madeiras usadas na construção dos instrumentos do projeto? Por quem são confeccionados?
R.: Os instrumentos – cavaquinhos, violões, bandolins etc -, são confeccionados com madeiras amazônicas: marupá, pau-rainha, breu-branco, muicatiara, preciosa, tauarí, coração de negro e loro preto. Na unidade I, os instrumentos são confeccionados por alunos do curso básico de lutheria e, depois de finalizados, são doados para as aulas de teoria musical da OELA ou para outra instituição que desenvolva trabalhos sociais. Na unidade II, os instrumentos são confeccionados por egressos do curso básico, contratados pela instituição, e são vendidos ao público, contribuindo, portanto, para a sustentabilidade do projeto e para geração de renda dos formandos.
Mobilizadores COEP – Por que os instrumentos da OELA foram batizados de Manaós?
R.: Em homenagem às comunidades indígenas. Manáos foi uma tribo indígena que habitou a região onde está localizada a cidade de Manaus.
Mobilizadores COEP -A ONG é a primeira escola de lutheria do mundo a conquistar o Selo Verde do Conselho de Manejo Florestal. O que isso representa?
R.: A OELA busca, com o Selo Socioambiental, atuar na área educacional com o conceito no processo de formação dos alunos ? na sua alfabetização ecológica e social. O Atelier OELA desenvolve o mesmo conceito educacional agregado, incorporando a fonte da origem da matéria prima ? Madeira Certificada pelo FSC ? garantindo uma cadeia limpa oriunda de base sustentável.
Mobilizadores COEP – Com a educação profissionalizante oferecida pelo projeto, os jovens têm conseguido uma fonte sustentável de renda? Há uma boa demanda por instrumentos musicais artesanais?
R.: Alguns egressos montaram seu próprio atelier para reparos de instrumentos musicais, outros, a sua marca de instrumentos, outros viraram professores da arte. Uma parte é funcionária no Atelier OELA, e muitos prosseguiram na graduação na área ambiental, pedagógica de engenharia florestal.
Mobilizadores COEP – De que forma a atuação da OELA contribui para a formulação de políticas públicas voltadas à população amazônida?
R.: A OELA é atualmente a presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), uma instituição que reúne 602 entidades entre ONGs e movimentos sociais que representam diversos segmentos em defesa da Amazônia e dos povos da floresta. A nossa instituição também é membro de conselhos que avaliam, formulam e supervisionam políticas públicas no âmbito da criança e do adolescente, como Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o Fórum Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FEDDCA) e a Comissão para a Agenda Criança Amazônia do Unicef.
Mobilizadores COEP – Que resultados o projeto já alcançou e quais as expectativas para 2011?
R.: Conseguimos a inserção de espécies de madeiras amazônicas sem valores econômicos na arte da lutheria; e a disseminação da arte da lutheria e marchetaria na Amazônia. Hoje, conseguimos atingir, com nossas atividades educacionais, mais de 10.000 pessoas por ano. Ganhamos o prêmio Finep Nacional de Ciência e Tecnologia, feito nunca alcançado por uma instituição da região norte em 13 anos de premiação.
Inauguramos a Loja OELA em 2011 e iniciamos um plano de marketing para ampliar o número de consumidores e divulgar a marca OELA, bem como nossa ideologia socioambiental, para o maior número de pessoas possível.
Entrevista do Grupo Geração de Trabalho e Renda
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Renata Olivieri e Flávia Machado