Em entrevista ao Grupo Comunicação e Mobilização Social, Eliany Salvatierra Machado, pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, nos fala a respeito da Educomunicação, um campo com várias práticas comunicacionais, que atua na formação de atores sociais, na educação formal ou informal, estimulando o diálogo e a reflexão, com objetivo de promover autonomia ao individuo em formação. Mobilizadores COEP – Como os meios de comunicação podem incentivar a educação, a cultura e a preservação da memória de um povo? R.: Vamos por parte, quando falamos em meios de comunicação estamos nos referindo a quê? Televisão, Jornal, Rádio e Web? Esses meios de comunicação, chamados de Meios de Comunicação de Massa podem contribuir com o processo de formação que é diferente do processo educativo. A formação social é mediada por várias relações: familiares, partidárias, religiosas e, também, por que não através dos meios de comunicação de massa? A contribuição, para o bem ou para o mal, é igual a qualquer outra instituição social, a diferença estaria na técnica e na possibilidade de registrar todo um sistema de representações de um período social. O registro aparece nos programas de rádio ou vídeo produzidos por jovens em oficinas educomunicativas. Mas, existe também uma produção mais abrangente que são os programas exibidos na televisão aberta e no cinema. As novelas brasileiras, por exemplo, tratam de várias questões do nosso universo cultural. Os meios são ferramentas, somos nós, educadores, produtores ou realizadores que definimos como utilizá-los. Há pouco tempo participei de uma oficina de Memória Oral, coordenada por Soraya Gazal, na Secretaria Municipal da Cultura do Município de São Paulo. Eles registraram as falas, as lembranças dos primeiros líderes do movimento étnico ? que lutaram e lutam por ações afirmativas e contra o preconceito racial. O registro foi feito em áudio (gravador e fita cassete) e vídeo. Todo o material fica arquivado para futuras consultas ou pesquisa. O registro está lá guardado a serviço de quem quiser conhecer a história desses líderes. A matéria pode ficar arquivada ou pode virar programa radiofônico ou mesmo um documentário. Mobilizadores COEP – Em que consiste a educomunicação? Quando o conceito começou a ganhar força no Brasil? R.: A Educomunicação, como campo emergente de intervenção social, começa a ganhar forma, no Brasil, com a publicação da Pesquisa Perfil, que buscou traçar o perfil do especialista em Educomunicação e foi produzida pelo NCE ? Núcleo de Comunicação e Educação da ECA-USP, coordenado pelo professor Ismar de Oliveira Soares, um núcleo de pesquisa e extensão universitária. Mesmo que as práticas comunicativas já existissem foi Soares quem lutou e continua ativamente lutando pelo reconhecimento e divulgação do campo. Nesse sentido, não podemos reduzir o campo a um conceito, seria como dizer que o campo das Ciências Sociais é um conceito. A Educomunicação é um campo complexo, com várias práticas comunicacionais que atua na formação de agentes, atores sociais, e na educação formal ou informal, na perspectiva de garantir autonomia ao individuo em formação. As práticas educomunicativas são espaços onde um grupo, mediado por um educomunicador, produz a sua aprendizagem, problematizando, criando e refletindo constantemente sobre a sua produção. O princípio surge com Paulo Freire e é desenvolvido na educomunicação. Por exemplo: se o objetivo é produzir um vídeo com a comunidade, o educomunicador não vai dar aulas expositivas, vai estimular o uso, a produção. É o que chamamos de processo, e é nesse processo que o grupo pensa a produção, produz conhecimento. Mobilizadores COEP – De que forma a educomunicação propõe um espaço dialógico, rompendo com a hierarquização do saber no ambiente escolar? R.: Uma vez acompanhei uma pesquisadora, recém-chegada da França, que veio ao Brasil pesquisar sobre o MST. Ela queria saber quem eram os líderes, como conseguiam os seus recursos, como se organizavam e, principalmente, como eram as estratégias de luta. Com tanto questionamento perguntei a ela se era contratada da CIA (risos). A sua pergunta me lembra a pesquisadora aqui citada. Antes de responder propriamente a sua questão é importante considerar que este campo que estamos propondo passa por um projeto político, transformador, emancipatório e por que não reconhecer, revolucionário. Para entender a Educomunicação é preciso pensar politicamente. Para o professor Ismar de Oliveira Soares, a Educomunicação propõe um espaço dialógico, aberto, criativo, rompendo com a hierarquização do saber no âmbito escolar “implantando ecossistemas comunicativos, abertos, dialógicos e criativos”. Para mim: “investigando como ocorre o sistema de representações no espaço que vamos implantar ou reconhecer o ecossistema comunicacional. A questão não está propriamente nos meios de comunicação (nas mídias), mas no processo comunicacional.” Acredito que ao reconhecermos o ecossistema comunicativo no ambiente escolar estamos levando em consideração a possibilidade de a educação formal pensar a comunicação. Nessa perspectiva, a Educomunicação pode ser decisiva para a criação de vínculos e, com isso auxiliar, o processo de ensino-aprendizagem. A produção deve ser coletiva, para isso tanto o comunicador como o educador não devem ter uma postura arrogante, hierarquizada. Por isso, chamamos o educomunicador de mediador, que é aquele que facilita o processo (e não dificulta). Para que a relação seja uma relação cuidada, afetuosa, propomos a criação de vínculos. O grupo não é meramente mais um grupo, a atividade não deve ser compreendida como algo burocrático. O que chamo de vínculo é um tipo de relação que estabelecemos (o educomunicador com o grupo) que tenha significações em comum e em que principalmente haja a comunicação. Que no momento do trabalho, a relação não seja falsa e que o desejo por parte do educomunicador seja franco. É por isso que não é todo professor que é educomunicador, que se preocupa com a comunicação entre ele e o educando e principalmente com o grupo. É nesse sentido que acredito que a Educomunicação contribui para a educação. Agora imagine um espaço estruturado no autoritarismo, na dependência e principalmente na perpetuação de valores preconceituosos tomado por educomunicadores questionando e criando novas práticas transformadoras, expressivas e principalmente autônomas? Pode ser perigoso (risos). Mobilizadores COEP – A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) abriu espaço para a introdução da educação para a comunicação nos currículos. Como aproveitar a oportunidade para fomentar a formação de receptores críticos e autônomos? R.: A questão da “recepção crítica” no Brasil é muito recente, muitos gestores de políticas públicas e, principalmente, políticos ainda não conseguiram entender o que tudo isso significa. Para muitos, a educação para a comunicação é aplicar a Leitura Crítica dos Meios, analisando a mensagem, o conteúdo, e a recepção. Para nós, no NCE, a reflexão ainda é estrutural, ou seja, acreditamos que são as experiências, as vivências compartilhadas que possibilitam a negociação, a troca e, conseqüentemente, a formação dos indivíduos. Por isso a Lei Educom é um avanço, entretanto, precisamos implementar os espaços que pensem a educação e a comunicação (ou vice e versa) na educação formal, na escola tradicional. Precisamos de políticas públicas que tenham como pressuposto a autonomia. A Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, tem um projeto de política pública. O objetivo é formar todos os cidadãos brasileiros para que eles sejam educadores ambientais e educomuicadores. O objetivo não é “capacitar” para o trabalho ou para fins lucrativos, mas formar para que todos sejam educadores e educomunicadores ambientais, para que todos cuidem do meio ambiente. Na gestão da prefeita Marta Suplicy, tentou-se propor a educomunicação na rede municipal como política pública. Cuba quando acabou com o analfabetismo através dos educadores populares realizou uma das maiores políticas públicas que conheço. Para mim, isso é política pública e não apenas a aprovação de uma lei ou um decreto. O governo Federal poderia implementar políticas públicas, por exemplo na educação pública, onde o foco fosse a qualidade da educação e não apenas a quantidade (números de alunos que freqüentam a escola ou números de aprovados). Para isso, é necessário uma série de medidas voltadas à educação, entre elas a remuneração e o reconhecimento do profissional da educação. O “público” nesse sentido é entendido como todo cidadão brasileiro. São medidas implementadas pelo governo federal, na perspectiva do Estado forte e não do livre mercado – que auto-regula e agencia, a partir do mercado, questões do Estado. Estou falando de um Estado que propícia aos seus cidadãos políticas (sempre ligadas a ações concretas) que são no fundo o retorno lícito dos impostos e da força de trabalho das pessoas que habitam a nação. É absurdo que milhares de brasileiros trabalhadores não tenham uma escola pública de qualidade, isso para não falar da saúde. Não é justo que somente a classe média consiga ter escola para seus filhos – porque consegue pagar – ou assistência médica por causa dos planos de saúde. Uma nação deve ser gerida para todos, e não estou falando de os ricos ou a classe média sustentar os pobres. Pois o problema não são os pobres (que são inclusive trabalhadores). O problema é a concentração de renda e o buraco social que temos hoje no Brasil. A educomunicação quando implementada em escolas particulares coloca essas questões e obviamente cria constrangimentos, mas percebo que alguns jovens de classe média passam a pensar no assunto. No NCE trabalhamos com vários jovens no Educom.Rádio que não sabiam o que era a pobreza (econômica), ou seja, não era algo que tinha sentido no cotidiano deles. Porque você pode viver em São Paulo sem se “relacionar” (no mais amplo sentido do termo) com pessoas pobres. Pobreza não é valor e é por isso que ninguém quer ser pobre, mas enquanto a economia estiver concentrada nas mãos de 5% da população em detrimento, o Estado terá que intervir por meio de políticas públicas, para isso precisamos de um Estado forte e com perspectivas humanas e não somente econômicas. Mobilizadores COEP – Na perspectiva da educomunicação, quais os meios de comunicação mais usados nas escolas? Por quê? R.: Atualmente a moda é o computador e toda a tecnologia produzida em torno dele. Há pouco tempo estive em uma feira de produtos para a educação e conheci a lousa tecnológica e confesso: adoraria ter uma. No entanto, sei que não é isso que possibilita a formação ou mesmo a educação de um indivíduo. O computador em si não é um meio de comunicação de massa é um recurso tecnológico, claro que repleto de possibilidades. Já a Web ? que é um espaço virtual oferecido via computadores domésticos ? é interessante, pois possibilita a produção de sites, blogs, fotologs, web rádio, podcast e o acesso a páginas como You Tube (que modifica o acesso e a exibição de materiais audiovisuais. Para a educomunicação não existe um único meio de comunicação ou tecnologia a ser usado na escola. Uma das nossas propostas é que quaisquer meios disponíveis, ou todos eles juntos podem contribuir para uma formação mais dinâmica e atual, desde que sejam intermediados por um processo de construção, contando com uma gestão e produção participativa de todos os envolvidos ? professores, alunos, funcionários e outros membros da comunidade na qual a escola está inserida. A escola passaria a ser um pólo propulsor, motivador, lugar de reflexão e principalmente de expressão. Mobilizadores COEP – Quando surgiu o Núcleo de Comunicação e Educação da USP? Qual sua proposta?R.: O NCE surgiu no segundo semestre de 1996 ou quem sabe um pouco antes. Mas, a fundação oficial foi em 1997 e, por isso, neste ano de 2007 comemoramos 10 anos. O Núcleo se criou a partir do sonho que vinha há tempos sendo alimentado pelo professor Ismar. Mas, a idéia se concretiza quando um indivíduo sonhador passa a ser dois e assim sucessivamente. Com a vinda da socióloga Patrícia Horta Alves para a área da Comunicação e, conseqüentemente, para a Educomunicação, o Núcleo não parou mais de crescer. Claro, que na sua fundação tivemos nomes significativos e principalmente representativos, mas para mim foi a partir de 1996 que tudo passa do sonho para a forma concreta de realizá-lo. Já produzimos vários projetos, como por exemplo: Educom.Rádio, Educom.TV, Educom.Saúde, Educom.Centro-Oeste, Educom.Geração Cidadã. Atualmente estamos trabalhando em parceria com a FUNDHAS, em São José dos Campos, com o Jornal da Tarde, do grupo Estado, e com o MEC em um programa de educação a distância denominado Mídias na Educação. Estamos também no programa de Educomunicação Socioambiental da Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e em vários outros projetos. O Núcleo cresceu muito, porque a idéia se expandiu. Às vezes, quando vou a outros estados, me surpreendo, quando alguém se apresenta como Educomunicador, colaborador, ou mesmo parceiro do NCE. Na maioria das vezes eu não os conheço e vejam, participo da história desde 96 (risos). O NCE nos seus 10 anos de fundação se confunde com o campo da Educomunicação e, conseqüentemente, não é mais um espaço, um lugar, mas uma idéia ou como o seu coordenador afirma um campo emergente de intervenção social. Entrevistaconcedida à: Renata OlivieriEdição: Eliane Araujo
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas
Esse texto é bastante esclarecedor e informativo ao abordar questões da atualidade e apontar a educomunicação como instrumento de intervenção social, colaborando para que ocorra como frisa o autor, “a Leitura Crítica dos Meios” e onde “As práticas educomunicativas são espaços onde um grupo, mediado por um educomunicador, produz a sua aprendizagem, problematizando, criando e refletindo constantemente sobre a sua produção. “
Eu não conhecia o termo Educomunicação, mas aprendi que são várias práticas comunicacionais que atuam na formação de agentes, atores sociais, e na educação formal ou informal, na perspectiva de garantir autonomia ao individuo em formação. As práticas educomunicativas são espaços onde um grupo, mediado por um educomunicador, produz a sua aprendizagem, problematizando, criando e refletindo constantemente sobre a sua produção. Resumindo, o educomunicador proporciona um ensino participativo, acompanhando e incentivando todos os processos de aprendizado até a sua conclusão final.
Numa primeira leitura, de um assunto que tenho conhecimento básico – educomunicação -só posso dizer que é uma ferramenta que viria reestruturar nossa metodologia de ensino, a qual a longo tempo (para ser honesta desde o meu tempo de estudante do fundamental) considero inapetente, muitas vezes inócua e insípida e também desmotivadora. Mas, concordo com a entrevistada, em gênero, número e grau, primeiro precisa ser entendida e avaliada em cada contexto a ser aplicada. Não usar, por estar usando algo modernoso.