Em entrevista ao Grupo Ação Social das Organizações, Francisco Azevedo, representante da Fundação Avina para o Sudeste e Distrito Federal, fala sobre o crescimento da responsabilidade social no Brasil e comenta sobre a importância de o investimento social privado estar alinhado com políticas públicas para o desenvolvimento do país e para trazer bons retornos à sociedade.
Mobilizadodres COEP – Como você vê a questão da responsabilidade social hoje no Brasil? Em que aspectos avançamos desde o final dos anos 90 e quais os principais desafios? R.: O movimento da responsabilidade social no Brasil teve um crescimento importante a partir do final dos anos 90. Hoje, é grande o número de empresas que consideram este tema estratégico para os negócios, porém temos muito ainda que avançar. O Brasil é imenso, temos regiões em estágios de desenvolvimento completamente distintos e isto, de certa forma, dificulta a difusão de conceitos e práticas de responsabilidade social. Alguns dos principais desafios são: alinhamento de conceitos, pois ainda há uma certa confusão entre investimento social privado e responsabilidade social; interiorização do tema, uma vez que ele está presente principalmente nos grandes centros; e envolvimento de pequenas e médias empresas, porque ainda há um certo tabu em relação à prática da responsabilidade social nas empresas de menor porte. Houve um aumento significativo do investimento social privado; hoje muitas empresas procuram atuar na área social de forma mais efetiva, voltada para resultados e em sintonia com políticas públicas e, com isso, as comunidades do entorno são as mais beneficiadas. Mobilizadores COEP – O tema da RSE não é objeto de consenso e vemos muitas empresas preocupadas em divulgar suas ações sociais, mas se esquecendo de suas práticas de gestão. Você acha que é coerente com os princípios da RSE o fato de uma empresa ter 30%, 50% de seu quadro funcional com empregados terceirizados, que não gozam das mesmas garantias e benefícios dos demais empregados? Por quê? R.: Em um movimento com estas proporções é muito difícil de se obter consenso e isso é bom, pois a diversidade é rica, provoca reflexões e mudanças de comportamento, em geral de forma positiva. As práticas de gestão devem considerar a responsabilidade social no seu sentido mais amplo, ou seja, a forma ética pela qual a empresa se relaciona com seus diversos públicos. Quanto à terceirização é um tema polêmico, mas não necessariamente incoerente com os princípios da R.S.E. É possível terceirizar um serviço de forma responsável. Uma terceirização responsável é realizada quando se aproveita uma oportunidade de negócio respeitando a legislação e especialmente os funcionários que serão diretamente afetados com a decisão. A empresa ao decidir pela terceirização deve procurar formas de minimizar ao máximo os impactos negativos para os funcionários, e uma das formas de se conseguir isto é fazer com que a empresa terceirizada mantenha os mesmos benefícios que ela garante a seus funcionários. Cada caso é um caso, porém o mais importante é que se a empresa for socialmente responsável, certamente ela tomará os cuidados necessários para preservar o direito dos trabalhadores em caso de terceirização.Mobilizadores COEP – Quando uma comunidade sofre um impacto negativo provocado pela ação de uma empresa, a seu ver, qual o caminho que a população tem para solucionar o problema? Você acha que o diálogo entre as empresas e a sociedade tem evoluído? De que forma?R.: Dependendo da natureza do negócio, a relação empresa comunidade é mais difícil. Acredito e aposto sempre no diálogo. A questão é que nem sempre as comunidades estão devidamente organizadas para o relacionamento, de igual para igual, com as empresas. Creio ser este o primeiro passo: a organização da comunidade para negociar com a empresa os pontos que julgar relevantes. Por outro lado, nem sempre as empresas estão preparadas para dialogar. Algumas imaginam que o simples fato de gerar empregos já é um grande benefício e que a comunidade deveria agradecer por isso. Esgotadas as possibilidades de diálogo, a comunidade deve recorrer às instâncias judiciais cabíveis. Tudo isso é um processo que precisa ser aprimorado. Mobilizadores COEP ?Em entrevista recente, o criador da Avina, Stephan Schmidheiny, defende alianças entre empresas e organizações da sociedade civil para desenvolver iniciativas que os governos são incapazes de criar. Além dessas alianças para resolver problemas de curto e médio prazos, você acredita que as empresas se preocupam em cobrar dos governos que cumpram seu papel? Como isso está sendo feito?R.: Já observamos alguns avanços nesta área, porém temos muito ainda que caminhar. Atualmente, vemos mais este papel sendo exercido por organizações da sociedade civil do que por empresas. Creio que as empresas têm um poder muito grande e se utilizarem este poder de forma adequada para o chamado controle social, especialmente controle dos gastos públicos , terão muito que contribuir com o desenvolvimento do país.Mobilizadores COEP ? Em que pontos os governos melhoraram ou pioraram sua atuação após o crescimento do envolvimento privado em iniciativas sociais?R.: Neste caso, existem duas formas de encararmos o investimento social privado.Um deles, extremamente maléfico, é quando as empresas procuram atuar no vácuo, na ausência do governo, procurando substituí-lo. Isto pode gerar uma certa acomodação do governo e ele deixa de cumprir sua obrigação, piorando é claro sua atuação. Creio que o ideal ocorre quando o investimento social privado está alinhado com políticas públicas, e os programas e projetos sociais das empresas são implementados em parceira como governo e com organizações do terceiro setor. Uma parceira bem construída traz benefícios para todos, pois existe um troca de experiências enriquecedora e quem sai ganhando, além das organizações parceiras, é a sociedade.Mobilizadores COEP ? A Avina realiza parcerias com líderes da sociedade civil e do empresariado em iniciativas coletivas com potencial transformador em prol do desenvolvimento sustentável. Dentre as parcerias que estão sendo realizadas nesse momento no Brasil quais você destacaria? Por quê? Que resultados vêm sendo alcançados?R.: São muitas as iniciativas, mas apenas para ilustrar esta forma de atuação, posso citar o exemplo da organização Saúde Criança Renascer, criada pela médica pediatra Vera Cordeiro, no Rio de Janeiro. Esta organização faz um trabalho fantástico há mais de dez anos, cuidando da saúde de crianças de famílias de baixíssima renda, atendendo a diversos aspectos ligados à saúde da criança, que vão além de consultas, internamento e remédios. Ela atua com educação, geração de trabalho e renda para os pais, na maioria dos casos mães que são solteiras ou abandonadas pelos “maridos”, melhoria da moradia, direitos do cidadão, documentos pessoais, etc. Hoje, o que a Avina está apoiando é uma iniciativa interessante: como aproveitar esta experiência, que já trouxe importantes resultados, na gestão pública.Como é possível juntar iniciativas de governo com iniciativas do terceiro setor e gerar um novo modelo de atuação, mais eficaz e com menor custo. Os estudos iniciais mostram que isto é possível, e as partes envolvidas estão com muita esperança de que este modelo será inovador e trará bons frutos.
Esperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Francisco,
É muito importante que instituições do porte da Avina, que se destaca pelo fomento ao aprimoramento e sustentabilidade de organizações e iniciativas do terceiro setor, priorizem ações voltadas para as políticas públicas, pois como disse, é no seio da diversidade que podem ser encontradas as inovações e as propostas que venham a servir de parâmetro para avaliar as ações públicas. Neste sentido, me parece muito pertinente que aponte para o Controle Social como um elemento que contribui para o aprimoramento de nossa sociedade. É dentro deste ponto de vista que nossa organização social, Homeopatia Ação Pelo Semelhante, vem atuando na promoção de uma mobilização social em apoio a Portaria 971 do Ministério da Saúde que inclui as Práticas Integrativas ( Homeopatia, Acupuntura, Fitoterapia e outras) nas ações de saúde do SUS. Através da coleta de assinaturas estamos divulgando este direito do cidadão, estimulando-o a participar e articular-se com outros interessado com vista a construir demanda para “orientar” as ações ministeriais, bem como fomentar as bases para a construção de Controle Social, num setor onde, práticamente, ainda não existe nada desenvolvido na área pública. São 517 médicos homeopatas no SUS enquanto são 15.000 na iniciativa privada, o que carateriza que só a população que depende da assistência pública está privada de acesso à homeopatia. Entendemos que as políticas públicas são para a populacão, consequentemente é prioritário que estejam de acordo com as suas demandas e, neste particular, que os resultados sejam avaliados e avalizados por estes atores.
Como o tema Responsabilidade Social está em voga, acho prudente que os projetos sejam analisados criteriosamente, pois poderão ser usados de maneira irresponsável e demagógica. O alinhamento com as políticas públicas é de fundamental importância pois há a complementariedade das ações. Como a máquina estatal é morosa e viciada, o dinamismo e cobrança do 2º setor junta esforços para dar maior eficiência aos projetos e aumentar a qualidade de vida das comunidades, principalmente as de baixa renda.